Acórdão nº 651/09 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 651/2009

Processo n.º 1019/2008

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

(Conselheira Carlos Fernandes Cadilha)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. intentou contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social uma acção ordinária pedindo que fosse declarado que é titular das prestações por morte de um beneficiário do Centro Nacional de Pensões com quem vivia em união de facto.

    A acção foi julgada improcedente por sentença de primeira instância, em aplicação do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, com fundamento em que não ficou provada por parte da autora a impossibilidade de obter alimentos dos seus descendentes ou da herança aberta por óbito do beneficiário com quem vivia em união de facto.

    A decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e, em recurso de revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, quanto à questão de constitucionalidade suscitada em relação às referidas normas, se louvou na orientação do Tribunal Constitucional firmada no Acórdão n.º 159/2005.

    A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, nas respectivas alegações, concluiu no sentido de serem julgadas inconstitucionais as normas do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, quando interpretadas no sentido de que o requerente das prestações por morte da segurança social ligado ao beneficiário falecido pela relação familiar de união de facto, deve, como pressuposto do direito às correspondentes prestações, alegar e provar, não só a necessidade de alimentos, como a impossibilidade de os obter das pessoas enumeradas no elenco do artigo 2009.º do Código Civil, por violação dos princípio da proporcionalidade, conjugado com o princípio do Estado de direito, com o direito à protecção da família e às prestações da segurança social, e do princípio constitucional da igualdade.

    O Instituto de Solidariedade e Segurança Social contra-alegou, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

  2. Após determinação que o julgamento se fizesse com intervenção do Plenário, nos termos do disposto no artigo 79.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82), foram os autos redistribuídos por vencimento do primitivo relator.

    II

    Fundamentos

  3. É mais uma vez colocada ao Tribunal a questão de saber se será inconstitucional a disciplina constante do nº 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, e do artigo 3º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro.

    O Decreto-Lei n.º 322/90, que define as condições de protecção dos “familiares” dos beneficiários do regime geral de segurança social por eventualidade da morte, concede, precisamente no seu artigo 8.º, direito à pensão de sobrevivência ao companheiro do beneficiário falecido, que com ele vivesse, em união de facto, há mais de dois anos. No entanto – e de acordo com um regime que é substancialmente homólogo ao que vale, também, para os companheiros sobrevivos dos funcionários ou agentes da Administração Pública ou da Administração Local ou Regional (artigos 40.º e 41.º do “Estatuto das Pensões de Sobrevivência”, Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho) – o acesso à pensão de sobrevivência depende de o companheiro do beneficiário falecido demonstrar que tem direito de obter alimentos da herança deste, por ter necessidade deles e não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, nº 1, alíneas a) a d) do Código Civil (cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos). Nos termos do artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, este direito a alimentos da herança do falecido – que é, portanto, condição da atribuição da pensão de sobrevivência ao seu companheiro de facto – deve ser reconhecido por sentença judicial.

    Diversa é, no sistema normativo instituído pelo Decreto-Lei nº 322/90, a situação do cônjuge do beneficiário falecido, que, para aceder à pensão de sobrevivência, deve apenas provar a sua condição de cônjuge, sem qualquer requisito adicional relativo à demonstração de carência ou de condições de recursos económicos. Tal situação parece, aliás, coadunar-se com a própria natureza que detém, no sistema de segurança social, a pensão de sobrevivência, enquanto forma de tutela própria do sub-sistema previdencial.

    Com efeito, o termo sobrevivência não é aqui denotativo de especiais condições de carência, que pressupusessem que a correspondente pensão só fosse atribuída naqueles casos em que se mostrasse necessária para a assistência a familiares (do beneficiário falecido) destituídos de quaisquer recursos de existência. De acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei nº 322/90, a finalidade destas prestações sociais é apenas a de “compensar os familiares do beneficiário da perda de rendimentos de trabalho determinado pela morte deste.” A lei presume, portanto, que o beneficiário falecido contribuía, através dos proventos resultantes do seu trabalho, para a economia do seu agregado familiar; e pretende que a prestação da pensão – possibilitada pela lógica contributiva do princípio previdencial – venha a compensar a diminuição de rendimentos daqueles familiares que, sobrevivendo ao beneficiário, de algum modo dele economicamente dependiam. Por isso mesmo, entende-se normalmente que a prestação desta pensão tem natureza substitutiva da prestação de alimentos. O elenco dos familiares sobrevivos que a ela têm direito, tanto no regime geral de segurança social quanto no regime próprio do “funcionalismo público”, são justamente aqueles que viviam, ou que a lei presume que viviam, a “cargo” do trabalhador falecido: cônjuges, ex-cônjuges, descendentes, ascendentes. Em relação aos ex-cônjuges (ou aos cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens), tal como em relação aos ascendentes e descendentes maiores de 18 anos, exige a lei que se faça prova da existência de elos de dependência económica. Mas já não assim quanto ao cônjuge ou aos descendentes com menores de 18 anos: nestes casos, parte-se do princípio segundo o qual a morte do beneficiário terá, para os familiares em causa, acarretado necessariamente uma perda de rendimentos que a pensão de sobrevivência visa compensar.

    Do mesmo modo se não passam as coisas relativamente ao companheiro sobrevivo do beneficiário falecido, nos casos de união de facto. Aí, e como já se viu, requer o legislador, como condição da atribuição da pensão, que se reconheça em sentença judicial que o “unido de facto” detém direito a receber alimentos da herança do falecido, por deles necessitar e por não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, nº 1, alíneas a) a d) do Código Civil. Saber se este requisito adicional (imposto pelo legislador para as situações de união de facto, e ausente do regime de atribuição das pensões ao cônjuge sobrevivo) merece, ou não censura constitucional, eis a questão colocada pelo presente recurso. Sobre ela tem o Tribunal proferido jurisprudência divergente.

  4. No Acórdão nº 195/2003, em que estava em causa justamente a norma do artigo 8.º do Decreto-Lei nº 322/90, o Tribunal julgou, por maioria, que não era inconstitucional o regime que “faz[ia] depender a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da segurança social, a quem com ele convivia em união de facto, de todos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 2020.º do Código Civil.” Fê-lo, fundamentalmente, por ter entendido que, sendo à partida diferentes as situações de união de facto e de casamento, o legislador ordinário não estaria, no caso, impedido constitucionalmente de atribuir a cada uma dessas situações diferentes regimes jurídicos, não se mostrando também desproporcionais as consequências decorrentes desses diferentes regimes, e aplicáveis a cada um dos grupos de pessoas em questão.

    Mas já no Acórdão nº 88/04, em que estava em causa o regime substancialmente homólogo aplicável apenas ao funcionalismo público (artigos 40.ºe 41.º do Estatuto de Pensões de Sobrevivência do Funcionalismo Público), entendeu o Tribunal, também por maioria, que era inconstitucionalpor violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, nº2, 36.º, nº 1, e 63.º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 40.º, nº1 e 41.º, nº 2, do Estatuto…., quando interpretada no sentido de que a atribuição de pensão de...

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