Acórdão nº 483/16.7YRLSB-E.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: AA interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão da Relação de Lisboa de 07/12/2016, que, tendo determinado a sua extradição para o Brasil, foi confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017.

Concluiu e pediu nos termos que se transcrevem: «A) É objecto do presente recurso extraordinário de revisão o Acórdão, datado de 7 de Dezembro de 2016, proferido pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a extradição do Recorrente.

  1. Ao presente recurso deverá, nos termos que resultam da respectiva motivação, ser atribuído efeito suspensivo, em especial considerando as normas invocadas e analisadas. Só assim é possível evitar, em tempo útil e com a eficácia exigida, a decisão injusta em que se traduz o Acórdão objecto de revisão e, nos mesmos termos, evitar a lesão irreparável dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais do Recorrente.

  2. Tendo a decisão de extradição transitado em julgado, o facto novo – atribuição de nacionalidade originária ao Recorrente, com efeitos desde o nascimento – e seus efeitos não foram nunca considerados no processo de extradição. Pelo que a efectiva entrega do Recorrente ao Brasil é iminente. De nada servirá ao Recorrente que essa matéria seja analisada por este Supremo Tribunal de Justiça, rectius, de nada servirá que lhe venha a ser dada razão no presente processo se, entretanto, sem qualquer possibilidade real e fáctica de retorno, seja o mesmo, por cumprimento da decisão recorrida, entregue ao Brasil.

  3. Existe norma específica no âmbito do recurso especial de revisão que assegura o efeito suspensivo do recurso – o n.º 2 do artigo 457.º do CPP – acrescendo tratar-se aí de uma situação ainda menos maligna quando comparada com a que resulta do presente caso concreto, ou seja: se os efeitos da decisão recorrida que determina a execução da extradição não forem suspensos, e esta entretanto executada, e o Recorrente entregue ao Brasil, então de nada servirá o presente recurso. Entregue o Recorrente ao Brasil, será impossível reverter de facto essa injustiça e fazer regressar o mesmo a Portugal.

  4. Em adaptação, permitida, da norma em questão – cfr., n.º 2 do artigo 449.º do CPP –, até porque in favor reo, torna-se imperativo garantir o efeito suspensivo da presente Revisão, o que deve, desde logo, ser, naturalmente, também considerado, desde logo, pelo Tribunal da Relação de Lisboa no qual é apresentado o requerimento de revisão. Mais se deverá atender ao facto – atento o n.º 3 do artigo 457º do CPP – que o Recorrente encontra-se actualmente sujeito a prisão preventiva.

  5. Por fim, acresce que a conjugação do n.º 3 do artigo 408.º e do n.º 1 do artigo 407.º do CPP permite concluir que o legislador pretendeu assegurar o efeito útil dos recursos, nos termos que também se explicaram. Em suma, a não atribuição, in casu, do efeito suspensivo traduz-se, inclusive, em uma total e inaceitável subversão de toda a racionalidade subjacente à própria existência do recurso extraordinário de revisão.

  6. Se a protecção da Justiça e a descoberta da verdade material constituem finalidade do sistema jurídico-processual penal que se sobrepõe aos valores formais da segurança e do caso julgado, então, em respeito de tal princípio, terá de ser necessariamente atribuído efeito suspensivo ao presente recurso. Como analisado, o Supremo Tribunal de Justiça, já em 1978, vinha decidindo nos termos expostos.

  7. Suscitou o Recorrente questão prévia relativa à natureza subsidiária do recurso interposto. O recurso de revisão pressupõe, enquanto seu objecto, decisão transitada em julgado (n.º 1 do artigo 449.º do CPP). Pelas razões aduzidas em sede de motivação, o Recorrente argumentou no sentido de não se ter verificado esse trânsito em julgado, o que não determina a rejeição do recurso. Na verdade, o presente recurso é interposto em uma perspectiva subsidiária, no seguinte sentido: os últimos despachos do Juiz Relator da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa têm insistentemente mencionado ter-se verificado o trânsito em julgado da decisão que determina a extradição – e desconsiderando tudo o que a defesa alega. Contudo esta perspectiva resulta de um claro erro jurídico de análise, nos termos que se expuseram, em especial atentas as quatro razões fundamentais analisadas. Com a consequência de que, a ser assim, por razões óbvias, a extradição do Recorrente não pode efectivar-se, pelo que não pode ser entregue ao Brasil.

  8. Pelo contrário, caso venha a ser entendido que a decisão recorrida já transitou em julgado, então o presente recurso de revisão terá que ser aceite, com efeito suspensivo assim assegurando um efeito mínimo útil ao presente recurso, como forma de evitar uma flagrante injustiça: se o Recorrente for efectivamente extraditado para o Brasil – e porque se atribuiu apenas efeito meramente devolutivo ao presente recurso – e, posteriormente, entender este Supremo Tribunal de Justiça que, como parece imposto, a revisão tem de ser autorizada – artigo 457.º do CPP – então este recurso torna-se inútil e, principalmente, não assegura eficazmente a referida protecção dos DLG do Recorrente, abandonando-o em situação gritantemente injusta.

  9. O Recorrente é cidadão português originário, ou seja, desde o nascimento, estando iminente a sua extradição para o Brasil, país que, porque não permite a extradição de cidadãos brasileiros originários, qualquer que seja a natureza e o tipo de crime – cláusula pétrea que conforma o princípio geral da inextrabilidade do brasileiro –, não garante, por essa razão, o respeito do princípio da reciprocidade em matéria de extradição.

  10. No dia 9 de Janeiro de 2018 foi averbado no Assento de Nascimento do Requerente ter o mesmo “nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 37/81 de 3 Outubro”, ou seja, o Requerente é cidadão português originário, desde o nascimento. Facto que ocorre no dia 9 de Janeiro de 2018 – após decisão final proferida no processo de extradição e que não foi nunca considerado por nenhuma entidade, administrativa ou judicial, em qualquer decisão proferida.

  11. Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 29.º da CRP, os “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”. Considerando aquele facto novo e seus efeitos, é flagrantemente injusta a decisão de extradição do Requerente, objecto do presente recurso. Em termos tais que tornam o Recorrente merecedor da protecção constitucional, directa e imediatamente aplicável, materializada naquele Direito, Liberdade e Garantia - Pessoal.

  12. O caso sub judice subsume-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP norma: após trânsito em julgado da decisão que determinou a extradição do Requerente
ocorreu, in hoc sensu, foi descoberto, um facto novo que torna a decisão de extradição injusta.

  13. Em bom rigor, não está apenas em causa uma dúvida qualificada (“grave”) sobre tal justiça mas também um facto novo que transforma a decisão recorrida em decisão verdadeiramente ilegal e violadora da Constituição.

  14. O caso concreto configura exemplo paradigmático de todas as situações que legitimam que o valor da segurança, corporizado no caso julgado, tenha obrigatoriamente de ceder perante as exigências concretas de realização da justiça material, predomínio próprio de um Estado de direito democrático que assenta sob o princípio da radical defesa da dignidade da pessoa humana. Como assim defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2006 e por Figueiredo Dias, visando-se evitar a “força da tirania” em homenagem às exigências de justiça material.

  15. Assim, o Recorrente procedeu a uma aturada análise de todos os requisitos legais de que depende a interposição do recurso de revisão e sua autorização. Todos eles encontram-se, em concreto, claramente preenchidos: i) Existe, nos termos da subsidiariedade exposta, uma decisão transitada em julgado; ii) Descobriram-se novos factos; iii) Tais factos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação; e iv) Essa dúvida é grave.

  16. Não só a decisão de extradição, recorrida, transitou em julgado (como amplamente demonstrado) como, além disso, após tal trânsito, ocorreu facto novo – no dia 9 de Janeiro de 2018 – nunca considerado em todo o processo judicial que culminou naquele trânsito.

  17. Acresce que, como resulta manifestamente claro, até porque está em causa a efectiva liberdade do Recorrente, enquanto Direito Fundamental, rectius, enquanto Direito, Liberdade e Garantia, pessoal, e o autónomo DLG de não ser extraditado fora das condições previstas no n.º 3 do artigo 33.º da CRP, esse facto novo – ou seja, o averbamento no assento de nascimento do Recorrente da nacionalidade originária portuguesa e que, por isso, produz efeitos, ex tunc, desde o nascimento – mesmo que autonomamente considerado, suscita uma gravíssima dúvida sobre a justiça de tal decisão aqui recorrida.

  18. Está, pois, plenamente legitimada a quebra da ideia da decisão transitada em julgado como res judicata pro veritate habetur. E, reflexamente, a elevação da justiça e verdade materiais que resultam do caso concreto em detrimento do valor da segurança jurídica, ou seja, fundamentando o abandono da “segurança do injusto”.

  19. Em um outro prisma, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça tem sido amplamente convocado no sentido de deliberar sobre a negação (artigo 456.º do CPP) ou antes a autorização (artigo 457.º) da revisão, o Recorrente procedeu a uma análise desenvolvida e rigorosa de mais de vinte Acórdãos proferidos por este Tribunal. Tendo concluído que os requisitos legais têm sido, ao longo dos tempos, densificados por esta jurisprudência.

  20. Após essa análise aturada o Recorrente procedeu à seguinte divisão: i) Acórdãos que abordam a fundamentação do instituto, ou seja, por um lado, evitar decisões injustas e, por outro lado...

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