Acórdão nº 81/17.8YELSB-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VALENTE
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. –Relatório: Nos autos em que são AA Clínica Médica da Linha Lda, Pórtico-Gabinete de Engenharia Lda, Hospitex-Material Hospitalar Lda e outros e Réu o Banco Santander Totta SA, foi proferida decisão, em sede de Tribunal Arbitral, com o seguinte teor: – A análise dos factos que constituem causa de pedir e daqueles que a Demandada invoca para demonstrar a improcedência dos pedidos, revela uma tendencial identidade, homogeneidade, ou paralelismo dos factos controvertidos, que se repetem a respeito dos vários casos, o que permite caracterizar o litígio nos termos exigidos pelo nº 2 do art. 30º do CPC “a procedência dos pedidos principais depende essencialmente dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas" – Nestes termos e por estas razões, o Tribunal considera improcedentes as excepções processuais de incompetência e de inadmissibilidade da coligação, invocadas pela Demandada, considerando-se competente para conhecer num único processo os pedidos formulados em coligação activa pelas 15 Demandantes contra a Demandada, ao abrigo de 15 convenções de arbitragem totalmente iguais.

“ Uma vez que a decisão não está dependente de prova ulterior, a mesma é tomada desde já no processo, ficando assim a Demandada em condições de, querendo, impugná-la autonomamente junto aos Tribunais Estaduais.” O Banco requerido vem impugnar tal decisão, concluindo que: – Ao contrário do que entendeu o Tribunal Arbitral, o litígio multipartes afigura-se inadmissível quer à luz das convenções de arbitragem quer à luz da lei.

– Tal como consta do ponto 3.3.2 da presente Impugnação - para onde se remete -, o que cuida saber no caso concreto é da admissibilidade da cumulação no âmbito de um único processo arbitral multipartes dos litígios abrangidos pelas 15 convenções de arbitragem celebradas entre as 15 Demandantes e o Demandado (cf. Docs. 1 a 15 juntos).

– Visto está que o que importa em primeira linha é saber se as 15 convenções de arbitragem permitem ou não a dita arbitragem colectiva ou multipartes. Só no caso desta primeira pergunta merecer resposta afirmativa é que cumpre indagar em que termos e condições é que essa arbitragem colectiva é admitida em face da natureza e especificidades do próprio processo arbitral. – Apesar de posteriormente poder vir até a considerar-se que a "coligação" é admissível (seja à luz das regras do CPC ou outras) o facto é que, se as convenções de arbitragem não previrem a possibilidade de litígio multipartido, a respectiva admissibilidade há-de resultar da interpretação da vontade das partes e estará naturalmente condicionada pela natureza e princípios do processo arbitral.

– Importa referir que se trata no caso concreto de 15 de convenções de arbitragem que não prevêem a possibilidade de arbitragem multipartes e que, por isso, se dizem silentes relativamente a tal questão.

– O Tribunal Arbitral considerou, e bem, que nem a LAV nem o Regulamento do Centro de Arbitragem previam a possibilidade de cumulação inicial de litígios ou de acções, tratando-se de uma lacuna (cf. ponto 13 da Decisão Impugnada).

– Salvo devido respeito, andou mal o Tribunal Arbitral ao considerar ser de admitir essa dita cumulação de acções sob a forma de coligação nos autos de processo arbitral com base no facto de cada convenção de arbitragem [mandar] expressamente aplicar o CPC subsidiariamente, estando a coligação activa ou passiva expressamente pelo art.36º do CPC.

– A resposta à pergunta sobre se as convenções de arbitragem admitem a arbitragem multipartes não se alcança pela aplicação a título supletivo das nonnas previstas para um instituto específico no âmbito do processo civil (a coligação), mas por recurso à interpretação da fonte do poder jurisdicional dos árbitros, ou seja, à vontade das partes à data da contratação da convenção.

– A aplicação supletiva do CPC apenas pode servir para completar naquilo que o texto das convenções de arbitragem, o Regulamento do Centro de Arbitragem e a NLAV forem omissos. Não é seguramente os casos de pluralidade de partes no âmbito de um único processo arbitral.

– A admissibilidade do litígio multipartido há-de resultar da vontade das partes (à data da contratação) e, posteriormente e em termos de roupagem, do regime supletivo escolhido.

– Tal como consta do ponto 3.3.1 da presente Impugnação - para onde se remete-, a esmagadora parte da doutrina não admite a aplicação mecânica do regime do CPC ao processo arbitral, designadamente e em particular no que respeita à coligação, essencialmente por motivos que se prendem com a natureza contratual da convenção de arbitragem e com as especificidades próprias do processo arbitral.

– A isto acresce que, a jurisprudência ainda e apenas teve oportunidade de se debruçar sobre casos em que a convenção de arbitragem previa a pluralidade de partes e, portanto, daí apenas se pode extrair que a coligação seria admissível neste particular caso na medida em que as convenções permitissem a pluralidade de partes (o que não sucede) e na ausência de convenção em contrário (o que já parece suceder).

– Donde, de uma perspectiva normativa, não poderia ser extraída a admissibilidade de uma arbitragem colectiva ou multipartes, diversamente do que consta da Decisão Impugnada, facto pelo qual deve a mesma ser anulada e substituída por outra que conheça da incompetência do Tribunal Arbitral e, em consequência declare extinta a instância.

– Ainda de uma perspectiva normativa, o Tribunal Arbitral considerou que a arbitragem colectiva seria sempre admissível à luz da garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que a mesma fosse reconhecida como necessária para permitir às Demandantes com menos recursos para obter tutela jurisdicional efectiva (cf. ponto 13 da Decisão Impugnada) – Porém, tal como resulta do ponto 3.2.2 da presente Impugnação – para onde se remete -, este argumento normativo não justifica a admissibilidade de um litigio multipartido / arbitragem colectiva.

– Em termos sucintos refira-se que, qualquer insuficiência económica ou desproporção dos meios económicos de que qualquer das Demandantes padecesse não lhe permitiria furtar-se aos efeitos da convenção de arbitragem, donde, jamais seria por essa via que se justificaria a admissibilidade da arbitragem colectiva.

– É entendimento pacífico que as pessoas colectivas que tenham sido instituídas por particulares para a realização de uma actividade económica destinada à obtenção de lucros, devem encontrar-se dotadas de uma estrutura organizativa e financeira capaz de fazer face aos custos previsíveis da sua actividade, incluindo os que resultem da litigiosidade normal que a gestão comercial frequentemente implica, sendo que as dificuldades ou insuficiências económicas de uma pessoa colectiva com fins lucrativos não constitui causa justificativa de afastamento da convenção de arbitragem.

– Mais, se as pessoas colectivas com escopo lucrativo não têm direito a apoio judiciário - sendo certo que tal opção legislativa se revela conforme a Constituição da República Portuguesa - então é evidente que o facto de uma arbitragem implicar custos alegadamente incomportáveis para as Demandantes (o que não se concede) jamais poderia, em qualquer caso, constituir uma violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

– Donde, uma vez mais, de uma perspectiva normativa, não poderia ser extraída a admissibilidade de uma arbitragem colectiva ou multipartes, diversamente do que consta da Decisão Impugnada.

– Termos em que sempre deveria ter-se por verificada a incompetência do Tribunal Arbitral, extinguindo-se a instância arbitral, também por esta via.

– Chegados a este ponto, visto está que o Tribunal Arbitral jamais poderia recorrer a uma perspectiva puramente normativa para admitir a possibilidade de uma arbitragem colectiva e, assim, considerar-se competente para conhecer dos 15 litígios aqui cumulados com fundamento nas 15 convenções de arbitragem.

– Tal como consta do ponto 3.2.3 da presente Impugnação - para onde se remete -, a resposta sobre a admissibilidade de uma arbitragem multipartida que envolva litígios distintos depende sempre da interpretação da vontade das partes e da natureza do processo arbitral.

- A convenção de arbitragem desempenha o papel central no âmbito das chamadas arbitragens multi partes, nas quais o problema se desloca para o plano subjectivo da convenção: a convenção de arbitragem é um negócio jurídico inter partes sendo que o que releva é a vontade das partes à data da respectiva celebração.

– É, assim, a vontade das partes ao momento da celebração da convenção de arbitragem que releva para efeitos de admissibilidade de pluralidade de partes no âmbito de um único processo arbitral.

– O facto de se tratar de 15 convenções de arbitragem com redacção igual e idênticas não significa que as mesmas percam a sua autonomia ou que crie entre elas elo de ligação, dependência ou conexão entre as mesmas, as quais permanecem abrangendo relações contratuais totalmente diferentes e independentes.

– Também não se encontra em qualquer das convenções de arbitragem uma remissão para as outras. Ou sequer se encontra uma tal remissão relativamente ao complexo unitário contratual em que cada uma das 15 convenções de arbitragem se insere.

– Deve acrescentar-se que, olhando-se a cada uma das cláusulas compromissórias é com simplicidade cristalina que se extrai que cada uma delas apenas prevê o recurso à arbitragem voluntária para dirimir os litígios emergentes da relação contratual entre as partes integrada pelo Contrato-Quadro em que o pacto arbitral se insere.

Mais, inexiste qualquer cláusula expressa que determine a extensão do objecto da convenção de arbitragem - e, assim, da extensão da competência do Tribunal Arbitral - para abranger outros litígios do mesmo tipo que se encontrassem abrangidos por...

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