Acórdão nº 2042/13.7TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução19 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

R-662[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, SA., intentou, em 5.12.2013, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa (Extinto), 1ª Vara Cível, acção declarativa comum, contra: BB, Lda..

Alegou a Autora, em resumo: A Autora celebrou com a Ré, em 8.6.2001, um denominado “contrato comercial” nos termos do qual a Ré se obrigou a comprar para revenda ao público e consumo no estabelecimento denominado “BB” as bebidas constantes do anexo I ao contrato e a não vender ou publicitar, no estabelecimento, produtos similares aos constantes do anexo II.

A Autora acordou com a Ré em entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de 5.500.000$00, acrescidos de IVA à taxa em vigor, com 500.000$00 por ano incluídos para realização de acções de marketing durante a vigência do contrato; bem como na oferta anual de 30 barris de 30 litros de cerveja para comparticipar nos festejos de S. João.

Ficou estabelecido que o contrato vigoraria até que a R. adquirisse 150.000 litros dos produtos constantes do anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiro ocorresse.

A Ré apenas adquiriu 40.743 litros, sendo o preço de venda a retalho na data em que terminou o contrato – 7.6.2006 – de € 1,16 litro.

Nos termos da cláusula 4.5 do contrato, a Ré está obrigada a pagar à Autora a quantia de € 126.738,12, correspondente ao valor dos 109.257 litros que faltaram para atingir os 150.000 litros, pagamento que não efectuou.

Pediu a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 131.721,00, devida pelo incumprimento do contrato dos autos, acrescida do montante dos juros vencidos de € 85.563,37 contados desde 07/06/2006 e vincendos até integral pagamento.

A Ré apresentou contestação onde, designadamente, invocou que, estabelecendo a cláusula 4ª, nº5, uma cláusula penal para o caso de os consumos não serem atingidos, no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais aqui aplicável, a mesma é abusiva, configurando-se uma situação de enriquecimento sem causa, e que de qualquer modo sempre haveria lugar à redução da pena, de acordo com a equidade, por ser manifestamente excessiva. Requereu a redução dos montantes constantes das cláusulas penais a um valor razoável e proporcional aos danos sofridos pela Autora.

A Autora replicou e o processo prosseguiu, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

A Autora apelou, vindo a Relação a “julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e sendo a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 126.738,12 € (cento e vinte e seis mil setecentos e trinta e oito euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais pedido”.

A Ré interpôs, então, recurso de revista, no qual suscitou essencialmente duas questões: a de a cláusula 4ª, nº5, do contrato celebrado entre as partes ser nula, por violação dos arts. 12 e 19 do dl 446/85, de 25.10; a de aquela cláusula dever ser reduzida, por manifestamente excessiva, no âmbito do art. 812º do Código Civil.

No Acórdão proferido em sequência o Supremo Tribunal de Justiça respondeu negativamente à 1ª questão, mas quanto à 2ª entendeu justificar-se a redução equitativa da cláusula.

*** Assim decidiu julgar procedente a revista no que à redução por equidade da cláusula penal respeita e “determinar a remessa dos autos à Relação para que, pelos mesmos Juízes que proferiram o acórdão recorrido, se possível, se pronuncie sobre o montante indemnizatório a atribuir à autora, por via da redução equitativa da referida cláusula penal”.

*** Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2017 - fls. 836 a 845 – foi sentenciado: “Acordam os Juízes desta Relação na parcial procedência da apelação, pelo que revogando a sentença recorrida, condenam a Réu a pagar à Autora a quantia de € 76.000,00 (setenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. absolvendo-a do mais pedido.” **** Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, afigura-se à ora Recorrente que o Douto Acórdão recorrido não poderá manter-se.

  1. Sendo que os fundamentos do presente recurso se prendem com a medida da redução da cláusula penal ínsita no contrato em referência nestes autos (cláusula 4.5 do contrato), a qual, segundo se crê, deverá ser bastante superior à percentagem de 40% determinada PELO Venerando Tribunal ad quo, de forma a corrigir a sua enorme desproporcionalidade em face aos interesses em conflito.

  2. De facto, a redução da cláusula penal em 40% a que chegou o Venerando Tribunal a quo continua a não corrigir as assimetrias excessivas existente nas obrigações assumidas pelas partes contratantes, as quais foram reconhecidas por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça no mui Douto Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 16 de Março de 2017.

  3. Está-se em crer que a divisão da medida da cláusula penal numa percentagem 40%-60%, é apologista, não de uma redução equitativa da cláusula penal, mas sim de uma sua redução à luz de igualdade (quase) absoluta, stricto sensu, o que não podemos admitir.

  4. Sendo que o critério adoptado pelo Venerando Tribunal ad quo se afastou, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito.

  5. Posto isto, o que se requer é que todos os factores e circunstâncias inerentes ao caso sub judice sejam correctamente tomados em consideração, como resulta evidente não ter sucedido, designadamente, a ausência de culpa e ilicitude no comportamento da Recorrente e a sua boa-fé, a diferença de dimensão económica entre as partes, a diminuta gravidade da infracção, o interesse comum de ambas as partes no atingimento das litragens estabelecidas e as vantagens que resultam para a Recorrida do incumprimento.

  6. Sendo que a condenação sub judice que é totalmente desfasada do contexto da realidade da Ré, qual sociedade por quotas, com um capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por comparação com uma multinacional como a Autora Recorrente, com um capital social de € 50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros), ou seja, tendo a Ré Recorrente um capital social 1 000 vezes inferior ao da Autora Recorrida.

  7. Se para uma sociedade como a Autora Recorrida uma condenação de € 76.000 já seria, obviamente, pesada, mas possivelmente adequada. Para uma pequena sociedade, com menos de 10 trabalhadores, como a Ré Recorrente, tal significa ia destruição, a insolvência, a impossibilidade da mesma continuar a laborar, o despedimento dos seus trabalhadores, em prejuízo total do comércio e do tráfego jurídico-económico, no fundo, daquilo o que o Direito visa precisamente salvaguardar.

  8. A aplicação da cláusula penal sub judice à Ré Recorrente não propugna, pois, quaisquer efeitos indemnizatório e/ou compulsório ínsitos às cláusulas penais.

  9. Nesta linha de raciocínio, o Venerando Tribunal a quo violou a norma vertida no artigo 812.° do Código Civil, ao condenar a Recorrente numa pena correspondente a € 76.000.00.

  10. Sendo que em lugar de uma redução da cláusula penal para 40% do seu valor, deverá a condenação da Ré Recorrente limitar-se a não mais do que € 10.000,00/€ 15.000,00, sendo estes montantes já por demais excessivos para uma qualquer função indemnizatório/compulsória que a cláusula penal possa ter.

  11. Condenação essa que, defendendo igualmente os tais princípios indemnizatório e/ou compulsório que o Venerando Tribunal ad quo tanto procurou salvaguardar, protege igualmente o interesse superior do tráfego jurídico-económico, de que as partes aqui em conflito possam continuar a laborar, o que com a Douta Decisão ora em crise não se alcançará.

  12. De facto, se aquilo que se visou proteger com a defesa da validade da cláusula penal sub judice foram os alegados lucros cessantes sofridos pela Autora Recorrida pelo não atingimento dos litros contratados, não será com certamente com a sua redução em 40% que esses lucros cessantes serão indemnizados.

  13. Importante se trona também realçar que o raciocínio acabado de formular, que segundo cremos é totalmente legítimo, não está de modo algum a defender que a medida da pena...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT