Acórdão nº 067/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução20 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES [ASJP] - com sede no Edifício ARCIS, rua Ivone Silva, número 6, lote 4, 19º direito, Lisboa - intenta a presente acção administrativa especial [AAE] em representação dos «seus associados» Juízes Conselheiros do Tribunal de Contas – A……………………., B…………….., C…………….., D………….., E………….., e F……………… - contra o TRIBUNAL DE CONTAS [TC], formulando os seguintes pedidos: a) Anulação dos actos administrativos de «processamento de vencimentos» dos representados pela autora, referentes ao mês de Outubro de 2014, e os entretanto efectuados, ao abrigo do artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09; b) Condenação do réu a restituir as diferenças remuneratórias que lhes foram retidas ao abrigo da redução remuneratória plasmada nesse preceito legal, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; c) Declaração de que os representados pela autora têm direito a auferir o seu vencimento sem essa redução remuneratória.

    Como causa destes pedidos, invoca a «ilegalidade» dos actos impugnados, que deverão ser «anulados» [artigo 135º do CPA], uma vez que a «norma legal» que eles aplicam [artigo 2º da Lei nº75/2014, 12.09] é inconstitucional por violação do artigo 32º-A do EMJ [aditado pela LOE/2011], por violação da unicidade estatutária do EMJ [aprovado pela Lei nº21/85, de 30.07], por não sujeição da «redução remuneratória» a negociação colectiva [artigo 6º da Lei nº23/98, 26.05], e por violação do «princípio da independência dos juízes» [artigos 203º da CRP, 19º nº1 do TUE e 47º da CDFUE].

    A autora sugeriu, desde logo, que fosse suscitado junto do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] «reenvio prejudicial» visando saber se o «princípio da independência dos juízes», tal como decorre dos artigos 19º nº1 do TUE, e 47º da CDFUE, e da jurisprudência do TJUE, deverá ser interpretado no sentido de que se opõe às medidas de redução remuneratória em causa.

    1. O demandado TC juntou contestação, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos.

    2. O Ministério Público - ao abrigo do artigo 85º do CPTA - veio suscitar a questão da «incompetência material dos tribunais administrativos» para poder conhecer do objecto do presente litígio. Caso sejam considerados competentes, diz, entende que «a acção deve ser julgada procedente».

    3. A autora, ASJP, veio defender a improcedência da «questão» suscitada pelo Ministério Público.

    4. Foi proferido despacho saneador que julgou como improcedente a questão da «incompetência material dos tribunais administrativos» para conhecer deste litígio, e verificados os demais pressupostos processuais.

    5. Na parte final desse despacho, e prevenindo a hipótese de vir a ser suscitado o «reenvio prejudicial», foram as partes processuais convidadas a pronunciar-se quanto à utilidade e termos do mesmo.

    6. A este convite apenas respondeu a autora, defendendo a utilidade do reenvio e sugerindo a «questão» a colocar ao TJUE.

    7. Uma vez que na causa de pedir desta acção administrativa especial se incluía a alegada violação dos «artigos 19º, nº1, do TUE, e 47º da CDFUE», foi decidido suscitar junto do TJUE «reenvio prejudicial», sendo, em consequência, suspensa a instância nacional.

    8. Tal «reenvio prejudicial» veio a obter pronúncia do TJUE através do acórdão que se encontra a folhas 180 a 194 destes autos, e damos por reproduzido.

    9. Retomada a instância, foram as partes notificadas para alegações, que não apresentaram.

    10. Com dispensa de «vistos», cumpre apreciar e decidir a acção.

  2. De Facto São os seguintes os factos articulados, provados, e pertinentes: 1- Os Juízes Conselheiros Dr. A……………, Dra. B……………., Dr. C…………….., Dr. D……………., Dr. E……………….., e Dr. F…………….., são associados da autora - ver documento de folha 48 dos autos; 2- No mês de Outubro de 2014 receberam, como contrapartida do exercício das suas funções, uma retribuição reduzida e efectuada nos termos do disposto no artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.09 - documento de folhas 47; 3- A ASJP não foi convidada a pronunciar-se, nos termos da Lei nº23/98, de 26.05, sobre o diploma que viria a ser aprovado como Lei nº75/2014, de 12.09 - pacífico nos autos; 4- Mas pronunciou-se, nesse termos, sobre as medidas de redução remuneratória incluídas nas LOE/2011, LOE/2012, LOE/2013 e LOE/2014 - pacífico nos autos.

  3. De Direito 1. Devidamente ponderado o conteúdo do articulado inicial da ASJP, são quatro as «questões» que se colocam no âmbito desta acção administrativa: A) Saber se a redução remuneratória operada pelo artigo 2º da Lei nº75/2014, de 12.04, viola o artigo 32º-A do EMJ, aditado pela LOE/2011; B) Saber se os «actos de processamento de vencimentos» dos ora representados da autora são ilegais, por se traduzirem na aplicação de norma inconstitucional por violar a unicidade do EMJ; C) Saber se o são por violarem o princípio da independência dos juízes; D) E, ainda, por violarem o artigo 6º, alínea a), da Lei nº23/98, de 26.05.

    1. Sublinhe-se, antes de prosseguir, que as medidas de redução remuneratória, tal como a ínsita no artigo 27º da LOE/2011, também aplicável aos juízes [ver o nº9 alínea f) desse artigo 27º e o artigo 32º-A do EMJ], foram justificadas, nos sucessivos relatórios do Orçamento de Estado do Ministério das Finanças e da Administração Pública [MFAP], por imperativos de consolidação orçamental, tendo em conta, sobretudo, a decisão do Conselho da União Europeia, de 02.12.2009, que exortou o Estado Português a reverter a sua situação de défice excessivo [Relatório do Orçamento de Estado de 2011, Ministério das Finanças e da Administração Pública, disponível em www.portugal.gov.pt, página 26], e foi-lhes atribuído, sempre, carácter transitório.

      E, em 09.10.2012, foi recomendado ao Estado Português que corrigisse o défice excessivo até 2014, o mais tardar [Recomendação do Conselho de 18.06.2013, seus considerandos 5 e 6].

      Num tal contexto, de correcção de défice excessivo - disciplinado e monitorado pelas «instituições europeias» -, seguido de assistência financeira - concedida e regulada por actos jurídicos europeus - é difícil recusar que as medidas económicas e financeiras tomadas, nomeadamente a contenção da despesa concretizada na redução dos vencimentos dos representados da autora desta acção, o foram no quadro do direito da UE. No mínimo, podemos concluir pela sua origem também europeia.

      Daí que, no âmbito da questão C), supra enunciada, uma vez que era invocada, também, a violação dos «artigos 19º, nº1, do TUE, e 47º da CDFUE», se tenha atendido o pedido de reenvio prejudicial formulado pela autora, que deu origem, como dissemos, ao acórdão do TJUE que se encontra a folhas 180 a 194 destes autos.

    2. Ainda antes de prosseguir, vejamos o teor das normas legais em causa, e seu respectivo encadeamento.

      A Lei nº55-A/2010, de 31.12, que aprovou o «Orçamento do Estado para 2011» [LOE/2011], no seu capítulo III, sobre «Disposições relativas a trabalhadores do sector público», Secção I, sob epígrafe de «Disposições remuneratórias», diz o seguinte: Artigo 19º Redução remuneratória 1. A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº9, de valor superior a 1500€, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem...

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