Acórdão nº 5357/11.5YYLSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 22 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, BB e CC, executados nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente o Banco DD, S.A.
, deduziram a presente oposição à execução, alegando, em síntese, que o exequente nunca entregou à executada/oponente CC a quantia de € 250.000,00 respeitante à escritura pública de compra e venda com mútuo garantido por hipoteca dada à execução, nem os opoentes, de resto, autorizaram ou consentiram na afectação diversa daquela verba, constituindo a reclamação de pagamento um abuso de direito, pois o exequente tem cabal conhecimento que nunca emprestou à opoente CC a quantia reclamada e a que a mesma a afectava ao pagamento do preço de venda da fracção do imóvel constante da referida escritura.
A oposição de BB foi liminarmente indeferida por intempestiva, tendo sido liminarmente admitida quanto aos demais.
Contestou o exequente, alegando que concedeu um empréstimo no montante de € 250.000,00 para a aquisição constante da escritura, tendo-se os executados BB e AA assumido como fiadores, mútuo que teve como finalidade a liquidação de responsabilidades anteriormente assumidas por sociedades com as quais a mutuária mantinha uma relação de grupo, sendo falso que os executados não tivessem consentido nem autorizado aquela afectação da quantia mutuada, a qual foi entregue à oponente CC no próprio dia da celebração da escritura e permitiu a liquidação de diversos efeitos vencidos e respectivas livranças.
Mais alegou terem os oponentes deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam e omitido factos essenciais para a decisão da causa, litigando de má-fé.
Concluiu a exequente pela improcedência da oposição e pela condenação da executada como litigante de má-fé.
Responderam os oponentes à litigância de má-fé, negando-a e pedindo, por sua vez, a condenação da exequente como litigante de má-fé.
Fixado à causa o valor em € 283.762,59 e saneado o processo, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: "Em face da argumentação expendida e das disposições legais citadas, decide o Tribunal julgar a presente oposição à execução improcedente e, em consequência, ordena-se o prosseguimento da instância executiva, em conformidade. Custas a cargo dos opoentes".
Apelou o executado e oponente AA.
O Tribunal da Relação de ..., com voto de vencida, proferiu acórdão, em 12 de Janeiro de 2017, a conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgando a oposição deduzida por AA e CC procedente e em consequência julga extinta a execução contra os mesmos.
Inconformado, recorreu de revista o exequente Banco DD, SA, aduzindo na respectiva alegação a seguinte síntese conclusiva (sic): «I. O Douto Acórdão Recorrido com Declaração de Voto Vencido, acorda conceder provimento ao recurso, revogando a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, substituindo-a pelo douto Acórdão ora recorrido que julga a oposição deduzida por AA e CC procedente e em consequência julgou extinta a execução contra os mesmos.
II. A decisão vertida no Acórdão Recorrido fundamenta-se, em súmula, pelo facto resultante da modificação do ponto nº. 4 da base instrutória de não provado para provado.
III. Tal modificação na decisão sobre a matéria de facto determinou o seguinte entendimento pelo Acórdão Recorrido: "Tendo o capital comprovadamente transferido para a conta da executada e opoente CC, sido aplicado, por motivos da iniciativa do exequente, e com a mesma data da transferência, à liquidação de dívidas de empresas familiares, não pode dizer-se que esse mesmo capital corresponde ao que consta do título executivo, com os fins determinados, não tendo sido pois colocado à disposição da executada para estes fins, o que implica também dizer que o contrato de mútuo com hipoteca destinado à aquisição do imóvel não foi cumprido." IV. Concluindo que "para o empréstimo de € 250.000,00 destinado à satisfação de responsabilidades de empresas familiares, não há título executivo que possa legitimar a execução e autorizar o seu prosseguimento, pois que "Nos termos do art. 45.º, nº. 1, do Cód. Proc. Civil. "Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva" V. Do Acórdão recorrido resulta a declaração de voto vencido, que em súmula, negaria provimento ao recurso e confirmaria a Sentença recorrida, porquanto "estando a dissidência limitada ao contrato de mútuo e respectivas garantias" e "provado que a quantia emprestada/exequenda foi depositada/entregue à executada (cfr. ponto 6 dos factos provados) e que esta não restituiu ao exequente o correspondente, sendo que a prova desse pagamento cabia à primeira." VI. Ainda que "admitindo que o exequente lhe possa, posteriormente, ter dado destino diverso, caberia sempre à Executada a prova da falta do seu conhecimento ou consentimento, o que nem aquela nem o outro embargante lograram fazer.
VII. Não pode o Recorrente concordar com o douto Acórdão, nos termos por estes aduzidos, porquanto configuram violação de lei substantiva, mormente o art. 1142.º do C.C., violação do art. 703.º nº. 1 b) do NCPC, anterior art. 46.º nº. 1 b) do CPC e violação do art. 342.º do C.C., quanto ao ónus da prova a qual caberia aos Executados, quer na prova da restituição do valor mutuado quer na prova quanto à falta de conhecimento ou consentimento para aplicação do valor em finalidade diversa, bem como se encontra em contradição com outro Acórdão daquela Relação cujo objecto do litígio é o mesmo.
VIII. Estipula o art. 1142.º do Código Civil que "Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade." IX. Da factualidade considerada provada resulta que, em 13.07.2007, o montante de 250.000,00€ foi transferida para a conta da Opoente CC.
X. Ficou igualmente provado que, quando foi efectuada a transferência, a conta da Opoente CC apresentava um saldo negativo de - 235.051,37 €, em virtude de na mesma data terem sido efectuados dois débitos, no valor de 92.800,00 € e de 128.430,00 C, referentes à regularização de dívidas das empresas EE e FF respectivamente.
XI. Verifica-se que, embora o Recorrente tenha transferido o dinheiro para a conta da Opoente, esta, segundo o Acórdão Recorrido, não chegou a ter a disponibilidade efectiva do dinheiro, porém, não ficou provada (e era à Opoente CC e ao Opoente/Recorrido AA que cabia o ónus da prova) a falta de justificação dos débitos ou que a Opoente não era devedora dos mesmos.
XII. Pelo que não obsta a que se considere validamente efectuada a entrega da quantia mutuada e o contrato de mútuo válido e eficaz.
XIII. O Recorrente tem direito ao reembolso da quantia mutuada e demais acréscimos nos termos acordados no respectivo clausulado.
XIV. O título dado à execução é válido e legitima a execução, nos termos do art. 703.º n.º 1 b) do CPC.
XV. O Acórdão recorrido viola o estipulado no art. 1142.º do CC e o art. 703.° n.º 1 b) do CPC, retirando força executiva ao título sem que qualquer causa extintiva da obrigação tenha sido provada.
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