Acórdão nº 00169/08.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | Cristina Flora |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga que julgou procedente a impugnação judicial (e respectivos apensos) da liquidação de IRC de 2003, 2004 e 2005, apresenta por B..., LDA, contribuinte n.º 5….
A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: 1. Foram verificadas pela inspecção tributária irregularidades praticadas pela contribuinte, ora recorrida, no âmbito da organização da sua contabilidade que deveria respeitar os normativos legais, reconhecidas essas irregularidades pela própria impugnante.
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Entre essas irregularidades está a situação verificada pela Inspecção Tributária de a sua contabilidade não permitir uma (imediata) conciliação de cada um dos movimentos efectuados a crédito (entradas a dinheiro) nas contas bancárias sediadas em Espanha com cada uma das facturas de venda e vendas a dinheiro, emitidas pela contribuinte aos seus clientes em Espanha.
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A falta dessa concreta conciliação é imputável à contribuinte e constitui, do mesmo passo, uma impossibilidade (se não absoluta), prática, onerosa e morosa, cuja remoção, não cabe à administração tributária, mas à contribuinte recorrida.
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De facto, conforme consta do relatório da Inspecção Tributária, notificada foi a contribuinte em 26.10.2006 para remover esse obstáculo ao controlo dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade, operando a referida conciliação, mas não deu qualquer resposta.
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De facto, a movimentação das contas particulares dos sócios e da firma, domiciliadas em Espanha, com valores provenientes de vendas, constitui, para além de uma violação do princípio da separação patrimonial um facto apenas imputável à ora recorrida e seus sócios.
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A falta dessa conciliação constitui um vício formal e material da contabilidade que lhe retira a necessária credibilidade e o exigível valor informativo.
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A falta dessa concreta e exigível conciliação gerou uma incerteza fundada quanto às vendas e proveitos correspectivos, tornando, assim, impossível a comprovação e a quantificação directa e exacta da matéria tributável em sede de IRC, nos termos e para os efeitos previstos na al.b) do artº.87º. e na al.a) do artº. 88º. da LGT.
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A existir dúvida (fundada) sobre a quantificação das vendas por métodos indirectos, terá a mesma de ser valorada contra quem tinha o ónus de remover os factos geradores dessa dúvida ou incerteza, nos termos do nº.2 do artº.100º. do CPPT, ou seja, contra a impugnante.
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Assim sendo, ao decidir, como decidiu, terá o Mmº. Juiz a quo cometido erro de julgamento, por inadequada apreciação e valoração dos factos assentes e relevantes.
****A Recorrida apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações: A. A Fazenda Pública interpôs recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que deferiu na totalidade o pedido da Recorrida, determinando a anulação da liquidação de IRC que se contestou e o pagamento de juros indemnizatórios.
B. Esta decisão revela uma valoração correcta da matéria de facto dada como provada e sua subsunção nas normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser mantida na totalidade.
C. Entendeu o Tribunal a quo que, embora tenha a Administração Fiscal demonstrado a existência de irregularidades, a sua simples existência não justifica o recurso aos métodos indirectos. Tal, aliás, só poderá ocorrer – considerando o carácter excepcional da avaliação indirecta – quando as referidas irregularidades tornem inviável o apuramento da matéria tributável, o que não ocorre no caso em apreço.
D. Por outro lado, não aceitou que o facto de a contabilidade não permitir a conciliação entre os movimentos nas contas bancárias em Espanha e cada uma das facturas emitidas e vendas a dinheiro praticadas, signifique, necessariamente, que essa conciliação seja, em si mesma, inviável.
E. Realce-se também que não concordou o Tribunal a quo com a conclusão da Administração Fiscal segundo a qual, não sendo possível estabelecer a correspondência exacta entre as facturas ou vendas a dinheiro e os depósitos, tal significa que esses movimentos não se encontram, de todo, reflectidos na contabilidade.
F. Por fim, a mesma sentença sublinha que, se efectivamente se tratasse de uma omissão de declaração das vendas efectuadas aos clientes espanhóis e, estando apurado o montante dessas vendas pela Administração Fiscal, bastaria proceder a correcções meramente aritméticas, sem que fosse necessário o recurso aos métodos indirectos.
G. As alegações apresentadas pelo Fazenda Pública enfermam de erro de direito e de facto, como iremos demonstrar e, se bem as compreendemos, reflectem o entendimento de que estão verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos.
H. Nelas se considera, em suma, que a falta de conciliação de cada um dos movimentos efectuados a crédito nas contas existentes em Espanha, com cada uma das facturas emitidas para clientes espanhóis, bem como das vendas a dinheiro, configura uma impossibilidade onerosa e morosa, cuja remoção não cabe à Administração Fiscal, mas antes ao contribuinte e constitui um vício formal e material da contabilidade, que se vê assim, sem a necessária credibilidade e valor informativo.
I. A Fazenda Pública afirma igualmente que a falta da conciliação entre aqueles valores importa a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável em sede de IRC, considerando verificados os arts. 87.º, al. b) e 88.º, al. a) da LGT, bem como o disposto pelo art. 100.º, n.º 2 do CPPT, por alegadamente recair sobre a Recorrida o ónus de remover os factos geradores da dúvida sobre a quantificação das vendas por métodos indirectos.
J. Perante o alegado, cumpre esclarecer que em causa não se encontra uma impossibilidade da conciliação, mas antes irregularidades contabilísticas, reconhecidas pela Recorrida, que se explicam por vários motivos – adiante desenvolvidos – e que, de todo o modo, não interferem no apuramento da matéria tributável.
K. Conforme bem decidiu o Tribunal a quo, “da constatação de tais irregularidades não decorre, necessariamente, que se encontre legitimado o recurso a métodos indirectos de tributação”.
L. A Recorrida sempre colaborou com a Administração Fiscal e esclareceu detalhadamente as divergências encontradas, tendo feito a correspondência entre cerca de 90% dos documentos de venda e dos respectivos depósitos.
M. Contudo, nunca a Administração Fiscal explicou, ainda que de forma mínima, como integrou no seu itinerário decisório as justificações que foram dadas pela Recorrida, que inequivocamente conciliavam facturas com depósitos e que levaram a Perita da Administração Tributária, na acta do procedimento de revisão, a afirmar “reconhecer em termos de tese geral a razoabilidade dos argumentos do Perito do Contribuinte”.
N. Assim, entende a Recorrida que a liquidação deve ser revogada, conforme bem decidiu o Tribunal a quo, pelos seguintes motivos:
a) A existência de irregularidades não implica, por si só, a aplicação dos métodos indirectos; b) As divergências com base nas quais decidiu a Administração Fiscal aplicar os métodos indirectos encontram-se, na sua maioria, justificadas.
O. As irregularidades contabilísticas apenas são susceptíveis de legitimar a aplicação de métodos indirectos quando tornem inviável a determinação directa e exacta da matéria tributável, nos termos dos arts. 87.º, al. b) e 88.º da LGT.
P. Ora, neste caso, as inexactidões verificadas não inviabilizam a determinação directa e exacta da matéria tributável, porquanto têm natureza financeira e em nada influenciam os proveitos do exercício, nem, consequentemente, o resultado líquido apurado, pelo que não são tidas por relevantes para efeitos de justificar o apuramento da matéria colectável em IRC por métodos indirectos – que, não esqueçamos, assumem sempre um carácter subsidiário face à avaliação directa.
Q. A Recorrida reconhece a existência, à data, de debilidades contabilísticas decorrentes do facto de os fluxos financeiros – mas não os económicos – não estarem devidamente expressos na contabilidade, por não serem relevados contabilisticamente através da “Conta 121 – Depósitos à ordem” mas sim através da “Conta 11 – Caixa”.
R. Não obstante, a ora Recorrida cumpriu sempre as obrigações de apresentação da contabilidade organizada e procedeu à entrega atempada das declarações de rendimentos, tendo igualmente disponibilizado os seus extractos bancários para que pudessem ser consultados e analisados pela Administração Fiscal na formação da sua decisão, sem reservas e desde o primeiro momento.
S. Deste modo, a Recorrida não aceita que se refira a Fazenda Pública às suas obrigações tributárias como se as mesmas não tivessem sido cumpridas, uma vez que tal afirmação – “[a] ora impugnante que, possuindo contabilidade organizada, estava obrigada a apresentar, nos termos legais os suportes dos dados e apuramentos inscritos nessa contabilidade, permitindo à Inspecção Tributária o controlo desses dados e apuramentos” – não se reflecte no plano dos factos.
T. Mais, em cumprimento do que determina 59.º, n.º 1 da LGT – que faz recair o dever de colaboração recíproco, tanto sobre os órgãos da Administração Fiscal, como sobre os contribuintes –, e tal como se demonstrou em sede de prova testemunhal, a Recorrida efectuou diversas tentativas para que fossem facultadas, pelo Banco espanhol, as cópias dos talões de crédito e dos cheques depositados pelos clientes espanhóis, o que, no entanto, se revelou demasiado dispendioso e moroso, de tal modo que não surtiria qualquer efeito útil no âmbito da inspecção que então decorria e que estaria terminada aquando da obtenção daqueles documentos.
U. Nessa sequência, a Recorrida solicitou ao Serviço de Inspecção Tributário que, através dos mecanismos de...
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