Acórdão nº 00272/14.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução27 de Junho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE: I. RELATÓRIO “P..., S.A.”, com sede na Rua … Porto, pessoa coletiva n.º ..., inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 18.03.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si requerida contra a ”METRO DO PORTO, S.A.”, de intimação da Entidade Requerida, ora Recorrida, a abster-se da prática de qualquer conduta relacionada, direta ou indiretamente, com a cobrança de montantes de “Malus” alegadamente resultantes da aplicação da cláusula 37.2 do Contrato e relativos ao ano de 2013 de execução do Contrato, incluindo a realização de deduções às demais componentes da retribuição da ora Recorrente (incluindo igualmente a revisão anual de preços) ou a quaisquer outros montantes devidos à mesma, faturadas ou a faturar, ou à execução da caução prestada por esta.

*A RECORRENTE terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões: A.

O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria de facto, devendo ser selecionados como provados os factos respeitantes à garantia bancária prestada pela Recorrente, à componente fixa da retribuição da Recorrente, à tesouraria da Recorrente, à existência de dúvidas interpretativas geradas pela aplicação da cláusula 37.2 do Contrato, ao comportamento da Recorrida e da Recorrente quanto a Malus de 2012 e a Malus de 2013 e à suspensão da operação do metro do Porto, alegados nos artigos68.º a 79.º, 81.º, 82.º, 83.º, 97.º, 106.º a 111.º, 115.º, 116.º, 145.º, 147.º, 150.º a154.º, 157.º, 162.º, 166.º a 170.º e 205.º a 210.º do Requerimento Inicial, uma vez que os mesmos resultam provados, ao menos indiciariamente, por documento ou por confissão da Recorrida na sua oposição e são relevantes para a decisão da causa; B.

Ao considerar que a conduta da Recorrida que se procura evitar e que a mesma já adotou para 2012 – a liquidação, faturação e compensação de alegados montantes de Malus – encontra justificação num putativo incumprimento contratual imputável à Recorrente, aplicando o artigo 325.º do CCP, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos provados e na determinação da norma aplicável, uma vez que ao caso deveria ter aplicado o artigo 307.º, n.º 1, do CCP; C.

Ao considerar que a Recorrida não atua ilegalmente quando interpreta unilateralmente a cláusula 37.2 do Contrato, desconsiderando os cálculos apresentados pela Recorrente, e, com fundamento nessa interpretação unilateral, liquida, fatura e compensa alegados montantes de Malus, o Tribunal a quo violou o disposto no 307.º, n.º 1, do CCP, devendo esta norma ser interpretada no sentido de que o contraente público não pode impor unilateralmente a sua interpretação do contrato ao contraente privado prescindido da intermediação de um tribunal para o efeito; D.

O Tribunal a quo devia ter aplicado também o disposto no artigo 279.º do CCP considerando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar, na medida em que decorre do programa contratual – cláusula 37.2 e Anexo C-XVI ao Contrato – que é à Recorrente que cabe liquidar e faturar ou emitir nota de crédito relativamente ao mecanismo Bonus/Malus; E.

O Tribunal a quo devia ter aplicado também o disposto no artigo 847.º do Código Civil considerando que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente previstos com vista a fazer operar a figura da compensação, pois, desde logo, o pressuposto base constitui matéria controvertida entre os contraentes, e, bem assim, considerando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar.

F.

O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, na medida em que devia ter decretado a providência cautelar requerida ou outra julgada mais conveniente, por se afigurar claro e manifesto que, em sede de execução de um contrato administrativo, o contraente público não pode impor unilateralmente a sua interpretação do contrato ao contraente privado prescindido da intermediação de um tribunal para o efeito.

G.

Ao confundir o resultado líquido da Recorrente em 2013 de 28 mil euros com um suposto resultado de 28 milhões de euros e, com esse fundamento, recusar o decretamento da providência cautelar requerida nos autos, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA aos factos provados, uma vez que o resultado líquido da Recorrente enunciado no ponto G) da lista de factos provados bem evidencia uma situação de fundado receio da constituição de uma situação facto consumado, impondo o decretamento de providência cautelar.

H.

Em qualquer caso, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, na medida em que, atentos os factos que deviam ter sido dados como provados, designadamente quanto ao impacto que a atuação da Recorrida que se pretende evitar teria na tesouraria da Recorrente, devia ter decretado a providência cautelar requerida por se estar em presença de uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, não sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal”.

Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e que a Recorrida seja intimada a abster-se da prática de qualquer conduta relacionada, direta ou indiretamente, com a cobrança de montantes de “Malus” alegadamente resultantes da aplicação da cláusula 37.2 do Contrato e relativos ao ano de 2013 de execução do Contrato, incluindo a realização de deduções às demais componentes da retribuição da Recorrente (incluindo igualmente a revisão anual de preços) ou a quaisquer outros montantes devidos à Recorrente, faturados ou a faturar, ou à execução da caução prestada por esta, *A RECORRIDA, apresentou contra alegação, com as seguintes conclusões: A) Estabelece o Artigo 227.º do C. Civil que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte; B) No mesmo diploma, seguindo os princípios que enformam a gestão e execução dos contratos, pode ler-se no art. 762º nº 2 que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.

  1. O mesmo consagra o art. 286º do CCP ao dizer que as partes se devem pautar pelos ditames do interesse público, chegando-se a ir mais longe ao consagrar ainda um dever de colaboração recíproca (art. 289º do CCP).

  2. Por isso, apesar de competir formalmente à Recorrente o cálculo e faturação dos valores de Bonus/Malus, cumprindo a clausula 37.2, nada impede no contrato nem na lei que, não cumprindo essa obrigação contratual, a Recorrida se substitua à subconcessionária, Recorrente no cumprimento de um dos deveres de prestação principal no conjunto dos deveres de prestação com estas características e relevância previstos no Contrato, como resulta ainda do principio basilar estabelecido no artigo 325º nº 2 do C.C.P., sob pena de estar a pactuar com um incumprimento contratual não recebendo dinheiros públicos.

  3. E nem se diga que a compensação a ser declarada pela Recorrida entre o seu crédito e o contra crédito da Recorrente é ilegal, uma vez que, atuando como ficou demonstrado de acordo com a lei e o contrato, o seu crédito não merece discussão, verificando-se assim todos os requisitos previstos no artigo 848º nº 1 do C. Civil para o efeito.

  4. Esta conduta encontra ainda suporte contratual na cláusula 51.º do Caderno de Encargos e do Contrato, aplicável por analogia que permite à Recorrida a correção da situação de desrespeito por normas contratuais, e resulta ainda dos art.s 762.º e ss. e 400º e ss. do C. Civil no tocante ao cumprimento das obrigações e determinação da prestação, aplicáveis ex vi artigo 280.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos, e ainda nos artigos 302º a 304º nº 1 e já citado 325.º, n.º 2 todos do C.C.P. que conferem ao contraente público a possibilidade de efetivação da prestação de natureza fungível em falta, diretamente, de modo a que o contrato não seja executado de forma inconveniente ou inoportuno para o interesse publico e a obrigação de assegurar e dirigir o modo de execução das prestações contratuais.

  5. Esta posição da Recorrente nunca mereceu a concordância da Recorrida, não admitindo sequer que estava em causa uma divergência de interpretação do contrato, mas antes uma interpretação indevida que a Recorrente pretendia, como continua a pretender, fazer do texto do mesmo.

  6. Tanto assim é que com intervenção do Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Recorrente e Recorrida concordaram na elaboração de um documento conjunto em que cada uma das partes expressou a sua posição sobre os factos em dissídio, que foi submetido ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República para emissão de parecer, o qual foi proferido em 19 de dezembro de 2013, concluindo que não restavam dúvidas que a Recorrida estava a fazer sã e escorreita interpretação e aplicação do contrato, conforme consta do documento que se juntou sob o nº 5 com a oposição.

  7. Ao fim de mais de quatro anos de vigência do contrato e estando já no seu último ano, como bem salienta o Tribunal na sua douta decisão, porque é que a Recorrente ainda não instaurou a ação judicial para discutir a interpretação da cláusula 37º do contrato? J) É que como bem salienta o Tribunal a quo, não está em causa a interpretação do contrato mas tão só a sua aplicação e execução, pelo que não faz sentido falar no artigo 307º nº 1 do C.C.P. como pretende a Recorrente, mas sim aplicar o estatuído no artigo 325º do C.C.P..

  8. Acresce que a conduta da Recorrente sustenta se consubstancia num manifesto Abuso de Direito, pelo menos na vertente do ”venire contra factum proprium", estabelecendo o artigo 334.º do Código...

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