Acórdão nº 01311/06.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução24 de Outubro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório Os Autores, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, inconformados com a Sentença proferida em 18 de Março de 2013, no TAF do Porto (Cfr. fls. 907 a 967 Procº físico), que julgou a ação parcialmente procedente, na qual se decidiu: I) Condeno os Réus e a Interveniente “IM, S.A”, a reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio melhor identificado no artigo 3.º da petição inicial; II) Absolvo as Rés e a Interveniente do pedido formulado sob a alínea B) de fls. 12 da petição inicial; III) Condeno a 1.ª Ré, Câmara Municipal de VNG, a pagar aos Autores a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) como compensação pelos danos morais sofridos em consequência da implantação dos tubos em PVC para condução de águas pluviais que se encontram no subsolo do prédio dos Autores identificado no artigo 3.º da petição inicial, sem o consentimento dos mesmos.

IV) Condeno a 2.ª Ré, a pagar aos Autores a quantia de €1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) como compensação pelos danos morais sofridos em consequência da implantação do emissário do Rio Febros e da construção de uma caixa de saneamento sobre o seu prédio, identificado no artigo 3.º da petição inicial, sem o consentimento dos mesmos.

V) Condeno a 2.ª Ré a pagar aos Autores a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos Autores.

VI) Absolvo os Réus dos demais pedidos; VII) Absolvo a Interveniente “IM, S.A” dos pedido formulado sob a alínea C) de fls. 12 da petição inicial, vieram interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 3 de Maio de 2013 (Cfr. fls. 974 a 1008 Procº físico).

Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 998 a 1008 Procº físico).

A)- Os recorrentes, mais de doze anos de pois de terem sido esbulhados no seu direito de propriedade, e não obstante a douta sentença proferida, continuam a sentir-se fortemente injustiçados face ao teor da referida decisão e dos respetivos fundamentos, não obstante a procedência parcial da mesma. Sintetizam-se em três os pontos de discórdia que subjazem ao presente recurso.

B)- O primeiro desses motivos de inconformismo reconduz-se à sucumbência do pedido formulado no item B) da petição, e que consideram o principal, o qual tendia para que vissem os recorrentes restituída integralmente a sua posse sobre o prédio que a sentença reconheceu que lhes pertence, mercê da aplicação irrestrita da prevalência e sequela que caracteriza o direito de propriedade.

E isso porque o Tribunal a quo, dizendo secundar uma mais (ou só) Jurisprudencial que legal conceito de “expropriação de facto” de contornos nada definidos, reconhecendo o direito de propriedade dos recorrentes, tolheu por essa via o seu direito à desocupação pelas RR. recorridas do solo dos emissários e caixa colocados de forma comprovadamente abusiva e inconsentida.

C)- Tal embaraço à propriedade constitui uma postergação do estado de direito por várias vias e mesmo uma contundente violação de preceitos constitucionais bem cristalizados.

D)- Desde logo porque a Douta sentença viola o princípio do dispositivo ao alterar o pedido formulado pelos recorrentes na alínea B) da sua peça inicial, substituindo o pedido decorrente do direito de sequela correspondente ao reconhecimento da propriedade a que procede (pedido A) da p.i) por um pedido indemnizatório emergente da prática de factos ilícitos (responsabilidade aquiliana), o qual, este último, os recorrentes unicamente suscitaram não para efeito de mitigação definitiva do seu direito de propriedade mas, antes e só, como ressarcimento pela ocupação abusiva e temporária do imóvel.

Com o que viola a sentença, entre o mais que se resume ao diante, o art. 661º do CPC.

E)- Além disso, reduzindo o pedido consequente ao reconhecimento da propriedade lesada a uma mera questão indemnizatória estribada nos arts. 2º e 6º do DL 48051, de 21.11.67, e numa suposta interpretação complacente dos arts. 202º e 1311º do C.C. por forma a tornarem aceitável uma meramente conceptual e arbitrária “expropriação de facto” que permite a integração no domínio público administrativo de bens a ele subtraídos sem o prévio recurso a um procedimento legalmente estabelecido, a douta sentença acolhe uma corrente que, a existir, corresponde a um retrocesso civilizacional e atentatório da Constituição da República Portuguesa, diga-se, bem posterior na sua vigência aos pensamentos e ações do insigne Prof. Marcelo Caetano.

Tal interpretação dos preceitos legais referidos constitui uma clara violação dos arts. 12º, 13º 62º, 1 e 2, e 89º da C.R.P..

F)- A “função social” da propriedade, que muitos bem alavancam, sobretudo que se estão a referir à propriedade alheia, não pode significar o seu esmagamento à rebelia e fora das regras fixadas, como estipula a constituição, apontando o caminho da lei e do Código das Expropriações.

O paradoxo de tudo isto redunda no facto de que os recorrente quiseram acionar as recorridas nos Tribunais comuns – únicos que podem aplicar o CE -, e estes julgaram-se incompetentes. Interpuseram os recorrentes a ação nos Tribunais Administrativos e este intenta decidir como se de uma expropriação se tratasse, “de facto”, quando não tem poderes jurisdicionais em tal matéria mas, antes, os Tribunais comuns !!...

Não é fácil explicar aos constituintes (confrontados com a decisão da Relação que confirmou a incompetência dos Tribunais comuns…), por vezes, os insondáveis desígnios da justiça… G)- O apelo da decisão recorrida à “função social” da propriedade e à “expropriação de facto”, que revela, reconduz-se a evitar “…perda de tempo.”. Ora, crê-se citar mais um infeliz trecho da decisão.

Considerar que a passagem do dissídio por um efetivo, válido e judicial processo de expropriação, seja essa solução desejada pelos ocupantes, seria uma mera perda de tempo quando, a nosso ver, e no ver do legislador, é a única forma de garantir o conceito de “Justa indemnização” constitucionalmente consagrado, estimula caminhos e comportamentos desviantes e perversões por parte dos entes públicos que terão tendência a ver nesses (como os praticados no prédio dos recorrentes) uma forma de evitar “perdas de tempo” e até de eternizar o pagamento de indemnizações, ainda por cima ridículas.

H)- Os recorrentes jamais podem ser privados da sua propriedade plena sobre o imóvel sem que decorra um ato translativo da propriedade válido, seja ele o operado por uma negociação, seja o decorrente de um processo expropriativo pleno e válido, que assegure a sua igualdade perante a lei, conferindo-lhe o direito de questionar a DUP proferida e de discutir, inclusive com o recurso a peritos, na fase prejudicial e judicial, a justa indemnização, decorrente, entre outros, dos critérios fixados nos arts. 23º e 24º da CE.

Sem isso, é violado o Pº da igualdade plasmado particularmente no art. 12º, nº 1, e 13º, da CRP.

I)- E tal decorre desde logo do facto do corretivo entendimento sobre o pedido dos recorrentes vertido na sentença por mor de uma expropriação de facto, incomportada legal e constitucionalmente, impedir os recorrentes de consubstanciar devidamente esse direito a uma justa indemnização na causa de pedir, a qual não nasceu para tal fim, e, também, da própria falta de habilitação técnica do Mmo Juiz a quo, nem sequer secundado em perícias, como sucederia num verdadeiro processo de expropriação, para fixar o valor da “justa indemnização”, prevista na CRP.

J)- A falência, de resto, da bondade da solução extrai-se ainda da impossibilidade que um tal processo “expropriativo” de índole e iniciativa judicial terá para facultar a própria fiscalização e anulação do ato administrativo que a decide, como ocorre com as Declarações de Utilidade Pública (DUP) que têm que preceder a expropriação, que também essas podem ser sondadas e impugnadas pelos expropriados, quando as mesmas estão ao serviço de interesses particulares e/ou se desviam em função de pressões diversas.

Também aqui saindo violado o Pº da Igualdade, já que nula oportunidade dos expropriados para controverterem essa expropriação que, salvo o devido respeito, tem mais os contornos de uma espoliação de facto, volvendo-se numa prática ilegal e subversora do Estado de Direito.

L)- Uma tal prática – a expropriação de facto - só seria compreensível em momentos históricos como aqueles em que expendeu o Prof. Marcelo Caetano, ou, ainda hoje, em situação em que, por exemplo, todo o processo expropriativo tenha sido desencadeado legalmente e com a correspondente tramitação e, já com obra feita e avultada, seja depurado vício que inquine todo o processo.

Pelo que deverá prevalecer a sequela e as recorrentes ser condenadas a repor o solo no seu estado natural, confinando-se e mantendo-se o quantun indemnizatório aos valores determinados mas tão só para ressarcir os recorrentes pelos danos morais e patrimoniais decorrentes da ocupação abusiva e inconsentida, bem como da permanência no solo dos emissários e caixa durante mais de 12 anos.

M)- Ainda que assim não fosse - como só por mera hipótese se admite- então sempre os valores indemnizatórios - apurados ao abrigo de uma aventada responsabilidade por factos ilícitos ou aquiliana apurados pela douta sentença, espúria e pouco expressivamente resultantes numa referência estranha ao Código das Expropriações - seriam de considerar extremamente baixos, para não dizer ridículos ou irrisórios.

N)- Sendo desde logo de salientar essa contradição resultante do facto de se propender para a alteração do pedido da restituição do prédio para a indemnização pela sua expropriação de facto, invocando e desenvolvendo desnecessariamente os pressupostos da responsabilidade civil, para depois concluir por valores surreais de indemnização que não parecem brotar nem daí, nem (muito menos) da...

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