Acórdão nº 00264/10.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução16 de Outubro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – Relatório F…, EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO, LDA.

, intentou a presente acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, impugnando o despacho do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Braga, datado de 14.10.2009.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença, em 14/07/2010, que absolveu o Réu da instância, por inimpugnabilidade do acto impugnado, decisão com que a autora não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma: I - Quando foi notificado à recorrente o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, para esta exercer o seu direito de audição, foi-lhe escamoteado na notificação o direito consagrado no artº. 101.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, ou seja, não lhe foi feita indicação do local e horas a que poderia consultar o processo.

II - Nos termos do disposto no artº. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e do artº. 100.º, n.º 2, do C.P.A., a recorrente tinha, e tem, o direito a ser notificada do Projecto de Relatório de Inspecção, através de uma notificação que, entre outras coisas, indicasse hora e local para consulta de todo o procedimento.

III - Nunca a Administração Tributária, no procedimento ora em causa, alguma vez notificou a recorrente no sentido de lhe indicar hora e local para consulta dos respectivos autos.

IV - O comportamento da Administração Tributária, neste caso concreto os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, violou o disposto artº. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e do artº. 100.º, n.º 2, do C.P.A., e também, pasme-se as próprias regras do seu funcionamento interno ( que a vinculam, cfr. artº. 68.º-A da LGT ).

V - Com esse comportamento a recorrente ficou sem saber, v.g., quais os elementos probatórios que a relacionam com a T..., sendo que, da notificação feita não resulta nenhuma imputação concreta de qualquer acto praticado pela recorrente que legitime as afirmações constantes do Projecto de Relatório da Inspecção, que lhe foi notificado.

VI - E, o mesmo se dirá relativamente ao alegado, hipotético e inexistente conluio entre a recorrente e a P..., uma vez que, em concreto, inexiste qualquer facto concreto directamente imputado à recorrente que permita concluir que a mesma tinha qualquer ligação com a P... fora do giro comercial de ambas.

VII - Sem saber, em concreto, o que consta do procedimento que seja passível de fundamentar as conclusões constantes do Projecto de Relatório – se é que existe, o que não se concede e só por mera hipótese se refere -, não é possível à recorrente exercer cabalmente o seu direito de audiência prévia.

VIII - A audiência prévia dos interessados é uma formalidade essencial relativa à formação da vontade administrativa, cuja omissão vicia o acto administrativo praticado em 14 de Outubro de 2009, sendo que quando o mesmo foi praticado já o vício de violação do direito de audição tinha sido invocado, em articulado legalmente previsto, perante a própria Administração Tributária, ao abrigo do disposto no artº. 66.º da LGT.

IX - Assim sendo, verifica-se que o acto administrativo em causa nos presentes autos enferma do vício de anulabilidade, que desde já aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

X - O simples facto de no momento em que foi praticado o acto cuja suspensão de eficácia se requereu ainda não ter tido lugar a liquidação do imposto, não significa que, por força do mesmo, não se tenham produzido, de imediato, efeitos obrigacionais na esfera jurídica da recorrente.

XI - As alterações à matéria colectável são também actos susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, pois condicionam o ulterior acto de liquidação.

XII - No dia 14 de Outubro de 2009, com a prática do acto cuja suspensão se requereu, nasceu na esfera jurídica da recorrente uma obrigação de pagamento, que apesar de ainda não se encontrar liquidada, era já certa.

XIII - O acto praticado em 14 de Outubro de 2009 pela Administração Tributária, não teve em conta o disposto na Constituição, na Lei e nas suas regras internas de funcionamento da Direcção Geral dos Impostos, sendo que, no momento em que foi praticado o acto, o vício de que padecia o procedimento tributário já havia sido invocado pela recorrente junto da própria Administração Tributária.

XIII - O comportamento da Administração Tributária na situação em apreço potencia o aparecimento de uma situação favorável ao Estado e desfavorável ao particular, de forma completamente desproporcionada, directamente resultante de uma omissão da observância de formalidades legais por parte daquela, administrativa, legal e constitucionalmente obrigatórias.

XIV - Isto porque, o único período em que, de facto e de direito, foi dada aos contribuintes a possibilidade de não ser desproporcionalmente penalizado pela demora – publicamente conhecida e cujo único responsável é o Estado – nos processos de natureza fiscal que correm termos nos Tribunais Administrativos, foi entre 2000 e 2007, durante a vigência do artº.183º.-A do CPPT.

XV - Nesse período, se um processo judicial tributário ultrapassasse aquilo que o legislador entendeu como sendo um prazo razoável, as garantias que os contribuintes tinham de prestar, caducavam findo esse prazo, o que não se verifica actualmente, porque a aludida norma foi revogada pela Lei nº53-A/2006 de 29 de Dezembro.

XVI - Assim sendo, o acto praticado por M…, Chefe de Divisão, em 14 de Outubro de 2009, é anulável por se encontrar alicerçado num procedimento que padece do vício de violação de uma formalidade essencial, sendo que, tal acto, por si só, implica, sem mais, o nascimento de uma obrigação na esfera jurídica da recorrente.

XVII - Por força do disposto nos artºs.60.º da LGT e 60.º do RCPIT, seria no momento em que deveria exercer o seu direito de audição que a recorrente teria que, dentro do procedimento tributário, suscitar todas as questões que entendesse por bem fazer, nomeadamente invocar a violação das normas legais que, no seu entender, tinha sido feita pela Administração Tributária, o que a recorrente fez.

XVIII - Para não ter o seu património atacado por uma penhora alicerçada num procedimento em que houve flagrante violação de orientações genéricas – cfr. artº.55º, nº3, do CPPT e Circular nº13/99, de 8 de Julho da Direcção Geral dos Impostos – da lei – cfr. artºs.60º da LGT, 60º e 4º, alínea e) do RCPIT e 101º, nº2 do CPA – e também da Constituição – cfr. artº.268º -, a recorrente terá que prestar uma caução de centenas de milhares de euros, pois, os meios de reacção à sua disposição não têm efeito suspensivo.

XIX - Tal entendimento é manifestamente inconstitucional pois, em última instância, poderá permitir à Administração Tributária a obtenção de receitas através da cobrança indevida de tributos, bastando para o efeito que o custo que os contribuintes tenham que suportar com os meios de reacção ao seu alcance seja equiparado ou superior ao valor do tributo que aquela pretende receber, ainda que de forma indevida.

XX - É, por isso, inconstitucional, por violação do disposto no artº.268º, nºs.1 e 4, da CRP, a interpretação do artº.54º do CPPT, quando feita no sentido de que, mesmo não tendo sido cumpridas as orientações genéricas – cfr. artº.55º, nº3, do CPPT e Circular nº13/99, de 8 de Julho da Direcção Geral dos Impostos – e a lei – cfr. artºs.60º da LGT, 60º e 4º, alínea e) do RCPIT e 101º, nº2 do CPA – num procedimento tributário, e mesmo sendo esse facto comprovado por documento oficial – notificação -, a decisão que sanciona o Relatório e que dá origem ao nascimento da obrigação de imposto na esfera jurídica do contribuinte, não é passível de impugnação judicial.

XXI - É igualmente inconstitucional, por violação do artº.268º da CRP e do princípio da proporcionalidade, o nº2 do artº66º da LGT, quando interpretado no sentido de que, ainda que tenha sido feita atempadamente a reclamação ali referida, o contribuinte terá que prestar caução nos termos e para os efeitos previstos no artº.52º da LGT e artº.169º do CPPT, sendo que tal inconstitucionalidade resulta do facto de nosso ordenamento jurídico-tributário não existir norma similar ao já revogado artº.183º-A do CPPT.

XXII - Ao não entender assim, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto nos artºs. 54º, 55º, nº3, do CPPT, 60º da LGT, 60º e 4º, alínea e) do RCPIT e 101º, nº2 do CPA e 268º da CRP.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Exªs. muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via disso, ser revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.

Decidindo deste modo, farão V.Exª., aliás, como sempre, um acto de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

O Ministério das Finanças e da Administração Pública apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Tendo o procedimento de inspecção tributária, à luz do disposto no artigo 11º do RCPIT, natureza meramente acessória ou preparatória do acto tributário strictu sensu (acto de liquidação), o acto que o R. pretende atacar contenciosamente constitui um mero acto interlocutório.

  1. Vigorando no regime jurídico-tributário o princípio da impugnação unitária – artigo 54º do CPPT – os actos interlocutórios não são passíveis de impugnação contenciosa, podendo os visados, na impugnação do acto final do procedimento, invocar qualquer ilegalidade verificada no decurso do procedimento.

  2. A excepção a este princípio reporta-se exclusivamente aos casos de disposição expressa em sentido contrário – o que in casu não se verifica – e aos casos de lesão imediata dos direitos dos contribuintes.

  3. Apelando à imediata lesão dos seus interesses para justificar a sua pretensão, a sociedade Recorrente acaba por assumir que a lesão não é imediata, só advindo do acto de liquidação subsequente ao...

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