Acórdão nº 00020/07.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução05 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO MJMBB vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferido em 04-11-2010 e que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou conta a Ordem dos Médicos e absolveu a entidade demandada do pedido formulado, e que se consubstanciava em: Deve o Acórdão do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos que puniu a A. com 90 dias de suspensão ser anulado ou declarado nulo e a A. ser absolvida da Infracção que lhe foi imputada.

Em alegações a recorrente concluiu assim: 1ª O acórdão recorrido - ao tomar como postura a irrecorribilidade da decisão que se pretende anular, admitindo-a como boa, nos seus conceitos e conclusões, salvo erro grosseiro evidente que não se denunciaria, representa uma interpretação inconstitucional dos artºs 46º, nº 2, a), 50º, nº 1, 94º, nº 2 e 95º, nºs 1 e 2, do CPTA, limitando o poder soberano de julgar consagrado nos artºs 202º, nºs 1 e 2, 205º, nº 1 e 209º, nº 1, b), da CRP, lançando por terra o princípio constitucional de que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo; 2ª Ao sustentar que a A. não invocou os pressupostos de facto e de direito em que se apoia faz uma leitura imperfeita da p.i., dos fundamentos de facto alegados pela A. e que descrevem a situação e o seu procedimento, com que fundamenta a procedência da acção, maxime nos seus artºs 17º, 30º a 36º; 3ª Os factos firmados e juízos de valor da Ordem dos Médicos e dados como bons pelo tribunal, nos nºs 21, 22, 23, 27.1 a 27.5 do PD e transcritos nos pontos de facto 5) e 6) do acórdão recorrido são meramente conclusivos, não estão demonstrados documentalmente, são de ciência imperfeita e de técnica presumida discutível e não demonstram ser, porque não são, a causa adequada do resultado ecográfico; 4ª A expressão de acordo com o programado face à informação clínica do facto 21 da Ordem dos Médicos não respeita à A. porque não lhe foi dado conhecimento da história clínica da doente, nem ela existiria escrita (não se colhe do PD) para a realização da ecografia do 1º trimestre; o facto 22 deve ser eliminado do seu processo por ser de interpretação perversa; o facto 23 é uma conclusão a posterior e que respeita exclusivamente ao médico assistente; o termo correctamente do facto 27.1 é uma conclusão ou qualificação indemonstrada; o facto 27.2, não é facto, é uma declaração inócua; o facto 27.3 é espúrio como facto ou conclusão; o facto 27.4 constitui uma mera exploração intelectual, indemonstrada, face à existência de outras possibilidades como miomas e em face da prática do serviço de ginecologia e obstetrícia do hospital de B... de mandar urinar as doentes antes da entrada para a ecografia; 5ª Não pode dar-se como certa a interposição da bexiga cheia que obstasse à visualização do feto, e que servisse de substrato à condenação/punição, que o próprio parecer da médica nomeada pelo Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia admite como uma possibilidade entre outras, quiçá mais frequente; 6ª A A. seguiu a organização do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de B..., segundo a qual a A. realizava a ecografia do primeiro trimestre, como meio complementar de diagnóstico a tomar em conta pelo médico assistente, que, no caso, era outra médica do mesmo Serviço, que seguia a doente há um ano; 7ª O médico assistente, que requisita a ecografia, é que conhece o doente, o acompanha, o observa, e que faz o exame crítico dos sintomas e meios complementares de diagnóstico; 8ª Nos termos dos artºs 26º e 77º do Código Deontológico, é ao médico assistente que é cometido o ónus da observação clínica do doente e da determinação do diagnóstico e soluções; 9ª Uma gravidez anembriónica é corrente, pelo não é caso raro; 10ª Não se suscitaram dúvidas à A. (não há prova, nem da presunção e exigibilidade da dúvida) sobre a correcção do resultado ecográfico, face à ausência de elementos que as pudessem suscitar, como a existência de miomas e nem lhe era previsível e admissível que a doente pudesse estar de bexiga cheia, pela prática do Serviço, de fazer urinar a doente antes da entrada para a ecografia; 11ª O problema que se porá é o da adopção da medida do esvaziamento em vez de uma solução conservadora; 12ª Não há prova no processo disciplinar de que o parecer de fls. 86 e segs. tenha sido objecto de apreciação pelo Colégio da Especialidade, que o perfilhasse e o aceitasse nos seus termos, pelo que não pode ser pensado como parecer do Colégio, após estudo da situação; 13ª A alta médica, dada de acordo com os registos dos actos praticados, do diário da enfermagem e de ausência de queixas da doente, foi concedida nos termos em prática nos hospitais e recomendados.

O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos, tendo formulado conclusões, que aqui se vertem:

  1. Competia à Recorrente, médica especialista em ginecologia e obstetrícia, em face de dúvidas sobre a bondade da ecografia realizada, a obrigação de, em primeira linha, suprir tais dúvidas.

  2. Era obrigação da Recorrente colocar a hipótese de a falsa imagem ter resultado da interposição de bexiga cheia, diligenciando então pela promoção do esvaziamento da bexiga e realizando um novo exame ecográfico.

  3. O que está em causa e que fundamentou a aplicação da pena disciplinar de 90 dias de suspensão, não é a prova/demonstração de que existia efectivamente uma bexiga cheia, mas sim a não ponderação por parte da Recorrente da possibilidade de tal hipótese se verificar.

  4. Quando à alta dada pela Recorrente, era sua obrigação efectuar uma avaliação clínica da doente que deveria obrigatoriamente ter passado pela confirmação do esvaziamento uterino.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: — se ocorre erro de julgamento na fixação da matéria de facto dada como provada.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – DE FACTO No Acórdão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual: 1) A Autora é médica com especialidade de ginecologia e obstetrícia do Hospital de B..., com a categoria de assistente graduada; 2) Por acórdão de 27-06-2006, comunicado em 18-10-2006, pelo seu Conselho Nacional de Disciplina, condenou a autora na pena de 90 dias de suspensão, confirmando igual punição do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos, por violação dos seus deveres deontológicos, nomeadamente os constantes dos artigo 6º, n.º 1, e 26º do Código Deontológico da Ordem do Médicos ou mesmo entendendo-se serem inaplicáveis estas disposições do Código Deontológico, por infracção ao estatuído nos artigos 70º e 74º do Decreto-Lei n.º 40651, de 21 de Junho de 1956, aplicável por força do disposto no artigo 104º do actual Estatuto da Ordem dos Médicos; 3) No mesmo acórdão e em idênticas condições de confirmação, a ré condenou também a médica especialista de ginecologia e obstetrícia e também assistente graduada Dra. AMCAP, com 30 dias de suspensão; 4) A Inspecção dos Serviços de Saúde organizou um inquérito abstendo-se de culpabilizar a Autora...

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