Acórdão nº 00764/08.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | Jo |
Data da Resolução | 25 de Setembro de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO JMMDN e mulher, BSPBDN, residentes na Rua…, FF..., vieram instaurar a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM contra o MUNICÍPIO DA FF..., pedindo, nos termos e com os fundamentos constantes da petição inicial, a sua condenação nos seguintes pedidos: a) a reconstituir, à sua custa, a favor dos Autores, a edificação que existia no local, e que ainda hoje existiria, não fora o ilegal acto de licenciamento, conforme decisão transitada em julgado; b) a pagar aos Autores, a título de reparação de lucros cessantes, a quantia de 72.507,72 Euros, com juros moratórios, à taxa máxima legal, desde a citação até efectivo embolso; c) a pagar aos Autores, igualmente a título de reparação de lucros cessantes, a quantia de 1.000,00 Euros por mês, entre a data da propositura desta acção e a da entrega, aos Demandantes, do edifício que venha a ser erguido, conforme pedido aqui formulado sob a alínea a); d) a pagar aos Autores a quantia de 22.331,57 Euros – respeitante aos custos efectivamente suportados –, com juros moratórios, à taxa máxima legal, desde a citação até efectivo embolso; e) a pagar aos Autores, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de 30.000,00 Euros, acrescida de juros moratórios, à taxa máxima legal, desde a citação até efectivo reembolso; f) a pagar aos Autores os honorários do mandatário destes na presente acção, de montante a liquidar ulteriormente.
*Pela sentença a folhas 207 e seguintes o TAF de Coimbra julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos contra ele formulados.
*Inconformados com tal sentença, os Autores interpuseram o presente recurso no qual, em alegações, formularam as seguintes conclusões: *
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O Tribunal a quo, ao pronunciar-se sobre – e, concretamente, ao afastar – o requisito da ilicitude da conduta do Município, quando esta havia sido definitivamente declarada por decisão transitada em julgado proferida pelo STA de 10-05-2007, ofendeu o caso julgado material − arts. 671-1 e 673 do CPC.
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O Tribunal a quo, ao considerar que, no caso em apreço, a ilegalidade cometida não consubstanciava ilicitude para efeitos do disposto no art. 6.º do DL 48051 e no art. 483 do Cód. Civil, por não caber no âmbito de protecção do art. 121 do RGEU, e, consequentemente, ao aplicar o regime geral da Responsabilidade Extracontratual do Estado em moldes incompatíveis com o regime especial de responsabilidade civil constante do RJUE, incorreu em violação, por errada desaplicação, do preceito do art. 70 do referido RJUE.
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Na verdade, o regime previsto no art. 70 do RJUE, que se aplica, no caso, com prevalência sobre os restantes regimes gerais de responsabilidade civil extracontratual, basta-se com a conduta ilícita dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes para que o Município seja directamente responsabilizado pelos prejuízos causados pela revogação do licenciamento.
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Se a ilicitude já havia sido declarada por decisão anterior do STA, se essa ilicitude foi imputada a agentes e funcionários do Município e se o pedido dos ora Recorridos se fundou nessa declaração de ilicitude, o Tribunal a quo apenas se deveria ter proferido sobre (i) a verificação dos danos e sua quantificação e (ii) a existência de nexo de causalidade.
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Ainda que assim não fosse – o que apenas se admite como hipótese de trabalho – mesmo que competisse ao Tribunal a quo aferir do requisito da ilicitude, nos termos do disposto no art. 6.º do DL 48051, sempre se diga que não poderia a Ilustre Julgadora limitar-se – como limitou – a verificar se os interesses dos ora Recorrentes cabiam no âmbito de protecção da norma do art. 121 do RGEU.
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Efectivamente, ao proferir um acto de licenciamento ilegal, o ora Recorrido não se limitou a violar o artigo 121 do RGEU, mas também os princípios da legalidade, da boa fé e da tutela da confiança, consagrados nos arts. 3.º e 6.º-A do CPA e no art. 266.º da CRP, porquanto criou uma certeza, uma expectativa juridicamente fundada (fez nascer um direito de edificação) posteriormente frustrada pelo acto de revogação; e dúvidas não existem de que os interesses dos ora Recorridos cabem, pelo menos, no âmbito de protecção dos arts. 3.ºe 6.º - A do CPA, para efeitos de aplicação do artigo 6.º do DL 48051 e do art. 483 do Cód. Civil.
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Também quanto a esta matéria o Tribunal a quo incorreu em erro de Direito, ao considerar que a ilegalidade em causa não consubstanciava ilicitude para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do ora Recorrido − assim violando os preceitos dos arts. 3.º e 6.º-A do CPA, do art. 6.º do DL 48051, do art. 483 do Cód. Civil e do art. 266 da CRP.
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Ademais, a tese sustentada na sentença quanto à necessidade de, para haver ilicitude geradora de responsabilidade civil, ser indispensável que a ilegalidade do acto resulte da violação de normas destinadas a proteger direitos ou interesses dos interessados (neste caso o artigo 121 do RGEU), apenas vale para os casos em que o dano emerge directamente do acto ilegal.
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Por outro lado, o Tribunal a quo ao concluir, sem mais e na sequência da apreciação do requisito da ilicitude, pela ausência de nexo de causalidade sem abrir período de produção de prova, relativamente aos danos e ao correspondente nexo, proferiu sentença nula por omissão de fundamentos de facto e de direito que sustentem tal asserção (art. 668-1/b do CPC) – ou, se assim não se entender, significa flagrante erro de julgamento.
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O nexo causal – em grande parte – é evidente, notório (aliás, assumido pelo próprio Recorrido, segundo a informação técnica junta sob o documento n.º 8 com a petição inicial) e foi alegado, designadamente, sob os arts. 19 a 41, 51 a 59, 64 e 65 do libelo.
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Já no que respeita ao requisito da culpa, deve concluir-se, em primeiro lugar, que a sentença sub censura padece de nulidade (cit. art. 668-1/b do CPC), por omissão de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a conclusão de que, em face da concorrência de culpas, a culpa que é imputável aos Autores deve excluir a que é imputável ao Município.
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Ainda que se entenda diversamente – o que não se concede – o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, ao concluir pela existência de concorrência de culpas emergente da errada classificação da obra por parte dos ora Recorrentes, na medida em que a mesma não releva em nada para o caso concreto.
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Com efeito, a revogação da licença teve fundamento, como vimos, na conduta omissiva do ora Recorrido, que se demitiu da obrigação de garantir que o projecto de arquitectura se encontrava em conformidade com a estética do conjunto habitacional, designadamente em razão do agravamento do desalinhamento já anteriormente existente.
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Ora, só poderia haver aumento de desalinhamento existente se a operação urbanística implicasse o aumento da área de implantação, que, no caso dos autos, só poderia decorrer de obras de ampliação! O) O erro de classificação prendeu-se com a desconformidade entre a referência a obras de alteração e a obras de reconstrução, sendo certo, porém, que tanto do pedido de licenciamento como do projecto de arquitectura constava a referência expressa às obras de ampliação, as únicas com a virtualidade de potenciar o já existente desalinhamento.
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Acresce que, pelo carácter subjectivo dos valores em causa que caem irremediavelmente no campo dos poderes discricionários do ora Recorrido, só ele podia e devia, em face de um pedido de licenciamento para ampliação, verificar a conformidade do projecto de arquitectura com os valores estéticos constantes a que faz apelo a disposição do art. 121 do RGEU, sendo a violação desses valores (de apreciação casuística) motivo de recusa de licenciamento nos termos do disposto no art. 24-4 do RJUE.
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Por fim, a revogação da licença, quando detectada a ilegalidade, era também uma faculdade (ou um dever, conforme a Doutrina que se perfilhe…) do Município, não podendo configurar-se como motivo de exclusão de culpa, uma vez que, nos termos do estatuído no art. 20 do RJUE, essa ilegalidade deveria ter sido detectada – até porque se esgota no exercício de um poder discricionário – no momento de apreciação do projecto de arquitectura do qual sempre constou a pretendida operação urbanística de ampliação do imóvel em causa.
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Assim, o Tribunal a quo, ao decidir pela concorrência de culpas, incorreu em erro de julgamento, na subsunção dos factos ao direito, violando os preceitos arts. 500 e 571 do Cód. Civil, porquanto aos ora Recorrentes nenhum juízo de censurabilidade (culpa) pode ser imputado.
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Como agravante de tudo quanto alegado supra, ainda no que respeita ao requisito da culpa, nota-se que a mesma é presumida no caso da prática de acto administrativo ilegal, pelo que cabia ao Tribunal recorrido um especial cuidado na demonstração do afastamento da presunção − o que não fez, nem podia fazer, pois, realmente, o Município esteve muito longe de fazer tudo o que estava ao seu alcance para evitar o acto e a conduta ilícitas e os danos daí...
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