Acórdão nº 00193/09.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução19 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO M... SA vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 7 de Novembro de 2014, e que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, e onde era solicitado que deveria: …Ser anulado o acto administrativo, pelo qual a Entidade Demandada declarou o encerramento do procedimento de AIA.

Em alegações o recorrente concluiu assim: 1º Através da decisão recorrida, considerou o Tribunal a quo que o acto impugnado padece de vício de incompetência e que o objecto do procedimento era jurídico e materialmente possível (pelo que este não poderia ter sido extinto, como foi, com fundamento em impossibilidade).

2º Não obstante reconhecer a invalidade do acto, o Tribunal a quo negou provimento à pretensão impugnatória da Recorrente, invocando, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos, que uma hipotética decisão de mérito do procedimento sempre teria de ser desfavorável à Recorrente.

3º A Recorrente entende que o Tribunal a quo ajuizou de forma errónea e/ou insuficientes (i) os limites impostos ao âmbito do conhecimento e ao objecto das ponderações e valorações a efectuar pelo órgão competente no procedimento de AIA; (ii) a natureza jurídica da DIA e a sua inaptidão para violar a Lei da Água; (iii) o mérito da pretensão apresentada pela Recorrente ao órgão administrativo cuja alegada inviabilidade justificaria a manutenção do acto inválido na ordem jurídica; 4º Tal juízo do tribunal a quo determinou uma errónea reconstrução hipotética do que viria a ser o conteúdo do acto administrativo proferido pela Entidade Demandada, ora Recorrida, caso não se tivessem verificado os vícios invalidantes.

Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto: 5º A Recorrente considera incorrectamente julgado o facto considerado como provado sob o ponto 19 do acórdão recorrido – incorrecção que atribui a mero lapso do Tribunal a quo; 6º O tribunal a quo considerou, neste ponto de facto, que o objecto do projecto apresentado pela Recorrente no procedimento de AIA seria a prospecção e pesquisa de recursos minerais; 7º Contudo, o projecto apresentado pela Recorrente para efeitos do procedimento de AIA não consistia já nesta actividade, mas antes na efectiva exploração dos depósitos minerais revelados no desenvolvimento daquela.

8º A prospecção e pesquisa constitui pressuposto do requerimento apresentado pela Recorrente ao Ministério da Economia e Inovação (a que se reporta o ponto 8) dos Factos Provados), tendo sido desenvolvida em momento preliminar ao da apresentação do EIA; 9º A incorrecção do julgamento deste ponto de facto é revelada pelo conteúdo dos capítulos 2.1, 3.4.2, 5 e 7 (Conclusões) do EIA apenso aos autos e, também, pela incompatibilidade da sua redacção com o julgamento dos pontos de facto 8 e 9 do acórdão recorrido e com a lógica subjacente ao artigo 14º do contrato celebrado pelo Estado Português (ponto de facto 2) e o artigo 15º do DL 90/90; 10º O conteúdo do ponto de facto 19) do acórdão recorrido, ora impugnado, deverá ser substituído pelo tribunal ad quem nos seguintes termos: O projecto em causa tinha como objectivo a exploração dos depósitos minerais revelados no âmbito da actividade de prospecção e pesquisa desenvolvida pela Requerente, no quadro do Contrato previsto no ponto 2), na Costa Ocidental, a cerca de 4,5 km ao largo da cidade do Porto, abrangendo uma área de cerca de 37 km2 Quanto à apreciação jurídica da causa: 11º No acórdão recorrido, o Tribunal a quo conclui pela anulabilidade do acto impugnado, com fundamento em incompetência e violação de lei, mas não anulou o acto impugnado, por considerar que, apesar das causas de invalidade verificadas, o procedimento de AIA sempre terminaria com a adopção de uma declaração de impacte ambiental desfavorável.

12º A Recorrente não ignora que, não obstante a falta de uma regra habilitadora expressa (como a prevista no projecto de revisão do C.P.A.), a jurisprudência vêm admitindo a não anulação de actos administrativos inválidos, em especial desde a reforma do contencioso administrativo para uma matriz subjectivista.

13º Constituindo uma excepção à regra da anulação de actos inválidos pelos tribunais, o aproveitamento dos actos inválidos obedece a requisitos estreitos e apenas pode ser determinado quando não resultem prejudicados os princípios que, com tal procedimento, se visam prosseguir – o que, no caso, não ocorreu.

14º O aproveitamento do acto administrativo é usualmente justificado pela verificação de uma situação de colisão entre o princípio da legalidade e princípios como os da celeridade, eficácia, anti-formalista ou da economia de actos públicos.

15º A prevalência destes últimos sobre o princípio da legalidade (fundamento e limite da actividade administrativa) apenas pode ser ponderada nos casos em que, pese embora a verificação de um vício invalidante, o conteúdo do acto anulável não poderia ter sido outro.

16º Só nesses casos, a existência do vício não se traduz numa concreta lesão para o particular cuja protecção é visada pela norma violada, ficando colocado em causa o seu interesse processual 17º O aproveitamento judicial dos actos inválidos só pode ser determinado se, à luz da lei aplicável, o conteúdo de acto válido que pudesse vir a substituir o acto impugnado fosse necessariamente igual ao deste.

18º Por forma a determinar se um acto inválido pode, ou não, ser aproveitado, o tribunal terá de concluir que detém um conhecimento da situação de facto tão completo, que lhe permita avaliar da influência do vício invalidante no sentido material da decisão contida no referido acto.

19º Após, terá de proceder a uma reconstrução hipotética do comportamento que o órgão administrativo adoptaria num procedimento isento de vícios e concluir, sem qualquer dúvida, que o acto a praticar em tais circunstâncias conduziria ao resultado historicamente verificado no acto inválido.

20º A verificação dos pressupostos para o aproveitamento dos actos inválidos depende de um juízo judicial de natureza semelhante ao que determina o comando de condenação à prática de um acto devido, no tipo de acção com o mesmo nome.

21º No caso concreto do acórdão recorrido, o tribunal a quo errou na formulação de tal juízo, pois o conteúdo legal de acto válido que viesse a substituir o acto anulável não é, necessariamente, uma declaração de impacte ambiental desfavorável; 22º No entendimento do Tribunal a quo, o projecto proposto pela Recorrente deve ser apreciado à luz do regime da Lei da Água e a pretensão exploratória apresentada sempre estaria sujeita ao indeferimento, atendendo à interdição da extracção de materiais inertes prevista naquele diploma; 23º Sem prejuízo da discordância da Recorrente relativamente ao enquadramento jurídico da sua pretensão (adiante fundamentada), deve entender-se, desde logo, que a Declaração de Impacte Ambiental, pela sua natureza jurídica, não é apta a violar a Lei da Água, nem poderia ser anulável uma hipotética declaração de impacte ambiental favorável com este fundamento.

24º A Declaração de Impacte Ambiental não é um acto permissivo para o desenvolvimento de uma actividade.

25º Não obstante a DIA favorável seja pressuposto para a prática do acto permissivo, a sua prolação não confere, de per se, quaisquer direitos ao particular.

26º Na verdade, a Declaração de Impacte Ambiental é um acto preliminar ao acto permissivo, praticado num sub-procedimento específico com objectivos próprios, definidos no artº 4º do DL 69/2000 (hoje revogado, mas aplicável à data dos factos); 27º À luz dos objectivos da AIA, verifica-se que o procedimento se encontra orientado para a análise concreta, e exaustiva, dos riscos ambientais dos projectos apresentados pelos particulares.

28º Não é objectivo do acto final do procedimento de AIA aferir se o projecto submetido se encontra em condições de ser imediatamente aprovado, mas apenas atestar se as alterações resultantes da realização do projecto, eventualmente mitigadas com medidas próprias, são ou não, em concreto, toleráveis.

29º Através do procedimento de AIA, são analisados os impactes que os projectos previsivelmente causarão ao longo de toda a sua vida útil e não apenas num determinado momento histórico.

30º Os objectivos do procedimento de AIA necessariamente limitam o âmbito do conhecimento da autoridade de AIA, bem como as ponderações e valorações que esta deve efectuar.

31º Sem qualquer prejuízo para o princípio tempus regit actum, importa notar que todos os actos legislativos podem ser objecto de alteração ou revogação e que, ainda que fosse aplicável ao caso a Lei da Água (o que não se concede) e que a sua vigência e redacção não fossem sujeitas a qualquer vicissitude, este mesmo acto legislativo prevê circunstâncias sob as quais seria admissível o desenvolvimento de projectos com objecto equivalente ao apresentado pela Recorrente.

32º Na determinação do sentido favorável ou desfavorável da declaração de impacte ambiental, o órgão competente não deve relevar a conformidade ou desconformidade com as actuais soluções legislativas ou de planeamento, atendendo (conjugadamente) a que: (i) o procedimento de AIA visa a análise, em concreto, de impactes ambientais; (ii) pelo procedimento de AIA é efectuada a avaliação ambiental de projectos com prazos longos de implementação; (iii) a sequência do procedimento de AIA, o órgão competente para praticar autorizar, licenciar ou concessionar a actividade cujos impactes ambientais foram analisados, sempre terá de aferir da sua compatibilidade com os regimes legais e planos em vigor; (iv) o termo do procedimento de autorização, licença ou concessão pode ocorrer muito tempo após o termo do (sub)procedimento de AIA; (v) as soluções legislativas ou de planeamento em matéria ambiental e de ordenamento do...

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