Acórdão nº 00491/14.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelVital Lopes
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO Complexo… ACE, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a fls.246/263 dos autos que julgou improcedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1, datado de 23/06/2014, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de garantia.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões: a) O tribunal erra ao nível do julgamento da matéria de facto ao não se pronunciar e, consequentemente, ao não dar como provado que a recorrente tem vindo contínua e sistematicamente a adquirir bens e não a vendê-los ou dissipa-los, b) sendo que, ao não se pronunciar sobre essa realidade, para além da mera referência à apresentação dos mapas de amortizações e de mais e menos valias, o Tribunal não dá adequado e cabal cumprimento ao determinado Acórdão de 12 de Março de 2015, que anulara a sentença anterior para que fosse apurada a realidade de facto descrita na conclusão anterior e que o tribunal ora recorrido continua sem ajuizar em termos fácticos.

  1. O Tribunal erra, assim, ao deixar de fora do elenco dos factos (provados ou não provados) um elemento central da causa de pedir em que se fundou o direito de acesso à justiça administrativa, violando o seu dever de selecionar a matéria de facto de acordo com todas as situações plausíveis de direito, designadamente a sustentada pela ora recorrente.

  2. Do cotejo da prova documental produzida, só por si, mas também conjugada com a prova testemunhal devia ter-se dado por provado que a recorrente não dissipou ou vendeu bens, tendo investido, ao longo dos anos, na aquisição de património, como resulta dos mapas juntos aos autos na sequência do aresto de 12 de Março e do depoimento testemunhal quanto à situação patrimonial da recorrente – cf. gravação 3’40’’ a 9’58’’ –, acrescida da referência ilustradora a factos instrumentais relativos às condições do concreto exercício da actividade – cf. gravação 5’18’’ a 6’36’’ 9’58’’ a 14’42’’ – e à necessidade contínua de investimento para inverter as condições desfavoráveis do negócio – cf. gravação 14’50’’ a 17’00’’. Cf. Arts. 25 e 26 da p.i.

  3. Em todo o caso, o tribunal refere-se a uma diminuição do valor dos activos fixos tangíveis da reclamante, sem suporte em qualquer facto que tenha dado como provado e em sentido contrário à prova produzida nos autos, pelo que a douta sentença padece de erro de julgamento, devendo ser por provado que a recorrente tem vindo sistematicamente a adquirir bens e não a vendê-los ou dissipa-los tal como alegado perante a AT e perante o TAF de Coimbra.

  4. O tribunal errou ao dar como não provado o facto “B1: Os bancos rejeitaram os pedidos de garantia bancária para suspender a execução”. Efectivamente e em sentido contrário ao expresso na motivação da matéria de facto, a testemunha referiu-se a essa realidade – cf. gravação 7’00’’-8’36’’, e explicitou inclusivamente as razões pelas quais a recorrente não obteve a referida garantia. Ora, tendo o tribunal valorado a coerência do depoimento testemunhal referido, sem questionar as razões de ciência, veracidade e objectividade da testemunha, crê-se ter sido produzida prova suficiente para que, em sintonia com as regras da experiência comum, se desse por provado o facto de que a recorrente tentou, sem êxito, obter uma garantia bancária, para que lograsse suspender a execução.

  5. O Tribunal recorrido interpreta o termo “responsabilidade” com o sentido de “autoria” e exige que a recorrente provasse a sua “irresponsabilidade” não só pelo facto de não apresentar resultados tributários positivos como também pelo facto de continuar a operar tendo prejuízos e não pela sua dimensão patrimonial.

  6. Ora, a “ratio legis” da exigência legal de ausência de responsabilidade não está directamente ligada aos resultados positivos ou negativos da actividade, pretendendo, ao invés, excluir a isenção da prestação de garantia quando o devedor se coloca deliberada e conscientemente numa situação de carência económica, delapidando património, vendendo bens, ocultando bens móveis, de forma a obstacularizar a realização da penhora.

  7. Nos antípodas, encontra-se a realidade dos autos, consubstanciada na actuação de um sujeito que não oculta, delapida nem vende património, mas que investe e adquire bens para promover a melhoria das condições do exercício da sua actividade, sem pretender anular as garantias das dívidas, designadamente em termos de existência de bens penhoráveis.

  8. A responsabilidade pressuposta do artigo da LGT pressupõe a prática – forçosamente culposa – de actos que se traduzam numa variação patrimonial negativa que comprometa a suficiência desse património de garantia. Ilustrando: se o legislador invertesse o ónus da prova para a aplicação do preceito, obviamente que a prova a exigir da administração não podia deixar de ir nesse exacto sentido, com a demonstração de que o executado tinha alienado indevidamente património tornando-o insuficiente para garantir a dívida.

  9. O facto de estarmos perante a prova de um facto negativo não pode alterar a concludência probatória da demonstração da realidade inversa – a aquisição de património e a não delapidação do mesmo – sob pena de se perder a conexão com a intencionalidade da norma e com o princípio da adequação.

  10. Decisivamente, não será de exigir ao executado que, tendo demonstrado o enriquecimento contínuo do seu património e a não dissipação do mesmo, comprove ainda factualmente as razões pelas quais não conseguiu enriquecer o seu património numa dimensão que lhe permitisse garantir o pagamento de dívidas tributárias que estão a ser exigidas em 25 processos de execução de elevado valor.

  11. A responsabilidade não pode ser aferida pela causa virtual de a actuação do executado não lhe ter permitido alcançar um património suficiente para a garantia das obrigações.

  12. O conceito jurídico de “responsabilidade” pressupõe a prática de um acto ilícito ou violador de preceitos ou princípios do ordenamento jurídico, tendo inerente uma dimensão sancionatória que no caso é subjectivamente relacionada por uma conduta desenvolvida para defraudar o crédito através da dissipação de património, não sendo possível, à luz dos princípios da responsabilidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, configurar, para os efeitos circunstancialmente em causa, essa responsabilidade em termos objectivos como uma responsabilidade pelo risco da actividade empresarial.

  13. Pelo contrário, deve aquela responsabilidade ser configurada em termos de se saber se, perante a existência de um património prévio que fosse suficiente para garantir o pagamento da dívida, foram praticados actos que o diminuíram ao ponto da insuficiência.

  14. No presente caso concreto, a recorrente demonstrou, para além da dúvida, ser responsável por uma variação patrimonial positiva, traduzida em investimento destinado ao aumento do património, na aquisição de bens, no alargamento dos seus activos, não se vislumbrando como possa o tribunal assentar a sua argumentação fundamentadora numa “diminuição do valor dos activos fixos tangíveis”, quando, pelo contrário, conforme alegado e demonstrado – pese embora o referido silêncio judicial em sede fáctica – o valor desses activos não diminuiu.

  15. É também inequívoco que essa realidade configura um “comportamento concludente” no sentido de que, com esse investimento, a recorrente está empenhada em obter proveitos e lucros do que em defraudar os credores.

  16. O Tribunal errou nos pressupostos de facto ao não dar por preenchidos os requisitos da dispensa de garantia previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT, fazendo desta norma uma interpretação que se considera ilegal no sentido de considerar que existe responsabilidade pela diminuição ou insuficiência do património ainda que o executado não o tenha alienado, vendido ou ocultado, ou praticado qualquer outro acto que não tenha em vista a diminuição do valor da garantia dos credores, mesmo que tenha, ao longo dos anos, tenha investido na aquisição de bens que se encontram a garantir outras dívidas fiscais.

  17. A douta decisão errou ao apreciar a violação do princípio do inquisitório ao considerar que a recorrente não invocou factos passíveis de demonstrar a ausência de responsabilidade e que, por isso, a administração não estaria obrigada a agir. Tais factos foram invocados e se os mesmos não foram excogitados pela AT deveu-se à ilegalidade do critério de determinação da culpa que os tornava irrelevantes.

  18. Em sede de apreciação da legalidade da actuação administrativa não existe obstáculo a que a mesma realidade invocada perante a administração seja demonstrada através de outros meios probatórios para além dos admitidos no artigo 170.° do CPPT, conquanto esteja em causa a mesma realidade fáctica ou factos instrumentais daqueles invocados. Sem conceder, u) A errada interpretação da norma feita pela administração que a leva a determinar erradamente a relevância dos factos invocados, determina, no limite, a anulação do despacho que se funda nesse erro jurídico com base em ilegalidade.

  19. A decisão recorrida violou, com isso, o disposto no artigo 52.°, n.° 4, da LGT.

  20. Reconduzindo-se a reclamação de actos de órgão de execução fiscal a um processo...

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