Acórdão nº 00201/08.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO MUNICÍPIO DE A...

, não se conformando com o Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferido em 30.01.2014 que julgou procedente a acção administrativa especial proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o MUNICÍPIO DE A...

e a COMISSÃO DA RESERVA AGRÍCOLA DE EDM, e em consequência, anulou a deliberação proferida pela referida Comissão de Reserva Agrícola, nos termos da qual foi concedido parecer favorável à utilização de 200 m2 de solo agrícola para construção de habitação e declarou nulo o acto praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de A..., em 30 de Julho de 2007, que deferiu o licenciamento da construção requerido pelo Contra-Interessado DAAL, vem dele interpor o presente recurso.

*Nas alegações apresentadas o RECORRENTE formulou as seguintes conclusões: “1.

A douta decisão de facto padece do vício de omissão ou insuficiência de pronúncia, porquanto não relevou os factos alegados pelo Réu, factos esses que, salvo melhor opinião, são manifestamente importantes para a boa decisão do mérito da causa.

  1. Assim sendo, deveria o Tribunal recorrido dar como provados, entre outros, os seguintes factos: a.

    Os contra-interessados são proprietários do prédio sobre que incidiu parecer favorável à utilização de 200 m2 de solo agrícola para construção de habitação.

    b.

    O prédio em causa tem a área total de 9.400,00 m2.

    c.

    A habitação edificada pelos contra-interessados no acima referido prédio destina-se à habitação própria e exclusiva deles e do respectivo agregado familiar.

    d.

    À data da emissão do parecer da CCRA, os contra-interessados viviam numa casa alugada com poucas condições de habitabilidade.

    e.

    Não são proprietários de qualquer outro terreno com aptidão construtiva.

    f.

    Pretendem fixar residência próximo da família, que vive com dificuldades, para lhe dar apoio.

    g.

    O terreno em causa foi classificado como solo da classe B/C, o que quer significar tratar-se de solo susceptível de utilização agrícola moderadamente intensiva (B) e de utilização agrícola pouco intensiva.

  2. Pelo exposto, deve ser declarada a nulidade da decisão de facto (art. 668º, nº1, al. d) do CPC) e/ou modificada a douta decisão de facto (art. 712º, nº1, als. a) e b) do CPC), aditando-se aos factos julgados provados os concretos factos acima transcritos. 4.

    A deliberação da Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre DM, de 23 de Março de 2007, em crise, não está afectada do imputado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.

  3. Com efeito, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, inexiste divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, porquanto os factos considerados na decisão administrativa são conformes com a realidade.

  4. No caso concreto, atenta a factualidade provada (e a considerar provada), deverá concluir-se que se encontram verificados e provados os pressupostos de facto de que depende a emissão de parecer favorável prevista na al. c) do nº2 do art. 9º do DL 196/89.

  5. Por um lado, os contra-interessados encontram-se numa situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna (vivem numa casa alugada com poucas condições de habitabilidade; não são proprietários de qualquer outro terreno).

  6. Por outro lado, a desafectação de 200 m2 de solo agrícola (classificado como solo da classe B/C - susceptível de utilização agrícola moderadamente intensiva (B) e de utilização agrícola pouco intensiva (C)) para construção de habitação não acarreta inconvenientes para os interesses tutelados pelo regime de protecção da RAN (o prédio em causa tem a área total de 9.400,00 m2; a utilização de uma área exígua de 200 m2 para construção de habitação, localizada na estrema norte do referido prédio, parte em que o prédio rústico é mais estreio, não afecta, nem é susceptível de afectar o uso dominante do prédio (exploração agrícola).

  7. Pelo exposto, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de anulação da deliberação da CRRA que autorizou a desafectação de 200 m2 de solo agrícola para construção de casa de habitação dos contra-interessados e do seu agregado familiar (por inexistência do alegado vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos).

  8. Mutatis mutandis, o despacho de 30 de Julho de 2007 do Presidente da Câmara Municipal de A..., também aqui em crise, não sofre de qualquer vício que o invalide, muito menos o imputado vício de violação da lei.

  9. Dispõe o art. 37º do Regulamento do PDM de A... que: «sempre que se verifique caso de excepção previsto no regime jurídico da RAN, a edificabilidade de um só fogo na parcela em causa não poderá inutilizar mais de 200 m2 de espaço agrícola, incluindo acessos, implantação de construção e logradouros, limitando-se a habitação ao máximo de 120 m2 de construção, com um ou dois pisos».

  10. Na falta de norma que integre o conceito de habitação, dever-se-á recorrer ao conceito de área habitável definido no art. 67º, nº2, al. c) do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (DL 38382, de 07.08.1951).

  11. Por ÁREA HABITÁVEL entende-se a soma das áreas dos compartimentos de habitação, com excepção de vestíbulos, circulações interiores, instalações sanitárias, arrumos e outros compartimentos de função similar, e mede-se pelo perímetro interior das paredes que limitam o fogo, descontando encalços até 30 cm, paredes interiores, divisórias e condutas.

  12. Posto isto, não há dúvidas de que o pedido de licenciamento dos contra-interessados cumpre os requisitos impostos pelo art. 37º do Regulamento do PDM de A....

  13. Por um lado, a área de terreno agrícola desafectada e que será inutilizada com a implantação da construção, acessos e logradouros não ascende os 200 m2.

  14. Por outro lado, a área de construção destinada a habitação é de 74,18 m2 (hall de entrada – 10,96 m2; sala de estar – 10,30 m2; sala de jantar – 11,00 m2; cozinha – 15,30 m2; quarto – 14,05 m2; quarto – 12,57 m2). Cfr. fls. 43 do PA.

  15. Em suma, a área de habitação fica muito aquém do máximo de 120 m2 permitido pelo art. 37º do Regulamento do PDM de A..., pelo que o despacho de 30.07.2007 não violou qualquer disposição legal ou regulamentar, maxime o disposto no art. 37º do Regulamento do PDM de A....

  16. Em face do exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida nos termos sobreditos, devendo ser substituída por outra que julgue improcedente a acção administrativa instaurada pela recorrida e mantenha a deliberação e o acto impugnados.

  17. De acordo com o novo PDM de A..., publicado na II série do Diário de República, e que entrou em vigor em 07 de Novembro de 2012, disponibilizado no sítio da internet da Câmara Municipal de A... (www.cm-A....pt/planodirectormunicipal), acessível ao público em geral, o prédio objecto da obra de edificação levada a cabo pelos aqui contra-interessados deixou de ser classificado como solo integrante da Reserva Agrícola Nacional e passou a ser classificado como solo urbano, tal como se pode comprovar e extrair da certidão ora junta.

  18. Em face de tal alteração normativa e/ou regulamentar deixou de subsistir a alegada ilegalidade urbanística subjacente aos pedidos formulados na presente acção, uma vez que nada obsta ao licenciamento da construção em causa nos autos, deixando de fazer qualquer sentido a deliberação da Comissão Regional de Reserva Agrícola (que se tornou supervenientemente inútil).

  19. Em face do exposto, e em homenagem aos princípios da proporcionalidade, da proibição do excesso, da justiça, da boa-fé e da protecção da confiança, não se justifica hoje o decretamento da anulação e declaração de nulidade dos actos impugnados. E a tal não se opõe o princípio da legalidade urbanística, nem tão-pouco o princípio da prossecução do interesse público.

  20. Em razão do quadro normativo actualmente vigente, as eventuais e hipotéticas causas de invalidade dos actos impugnados acham-se afastadas, pelo que deve e impõe-se concluir pelo aproveitamento jurídico dos actos praticados ou no limite pela manutenção ou não destruição dos efeitos por eles produzidos.

  21. No caso em apreço, por virtude de um facto superveniente – alteração do PDM -, o pressuposto da anulação da deliberação da contra-interessada e da nulidade do despacho do Réu – situação do solo em RAN – deixou de se verificar. É o que a doutrina designa por “validação, revalidação ou convalidação do negócio”.

  22. CARVALHO FERNANDES, referindo-se ao tema – Convalescença do Negócio Jurídico Inválido -, dando o exemplo da venda de coisa alheia como própria, refere: Há, pois, em casos como este, uma clara validação (…). A validação do negócio consiste na eliminação do próprio vício (in casu, a falta de legitimidade), pela verificação superveniente do elemento em falta”. Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, tomo II, 3ª ed., pág. 482.

  23. “O acto administrativo nulo não corresponde a um não-acto administrativo ou a um acto administrativo inexistente, já que, apesar de tudo, tem autonomia jurídica própria – podendo ser objecto de um procedimento administrativo ou de um processo judicial (…). O princípio da improdutividade jurídica dos efeitos típicos do acto nulo não elimina, portanto, toda a sua produtividade, já que, em muitas situações, não se trata apenas de uma aparência de acto administrativo.” 26.

    Assim, a manter-se o entendimento de que os actos impugnados estão eivados de vício ao qual abstractamente corresponderia a sanção jurídica menos grave – anulabilidade – e a mais grave – nulidade –, o que não se concebe, nem concede, a declaração judicial dessa anulabilidade/nulidade afrontaria, na situação sub judicie, os princípios da proporcionalidade ou da proibição do excesso, da justiça, da boa-fé e da protecção da confiança.”.

    ...

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