Acórdão nº 00240/07.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório C… - Produtos Alimentares, Ldª., NIPC 5…, melhor identificada nestes autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 13/03/2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002, no valor global de €303.341,23, e que tiveram na sua origem uma acção de inspecção, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Braga, no ano de 2005.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1ª São três as questões a decidir no presente recurso: 1 - Se a douta sentença do Tribunal “a quo” é nula por omissão de pronúncia e/ou ausência de fundamentação conforme art° 668° n° 1 alíneas b) e/ou d) do CPC, na parte que faz referência à errónea quantificação da matéria tributária.

2 - Se as correcções técnicas efectuadas pela Administração Fiscal (AF) têm justificação.

3 - Se estão reunidos os pressupostos para a AF tributar a Recorrente através dos chamados métodos indirectos.

  1. Uma das questões levantadas pela Recorrente, na sua petição inicial, era a da “errónea quantificação da matéria tributária”. Isto na eventualidade de ser entendido que existiam pressupostos para a tributação da Recorrente através dos chamados métodos indirectos, sendo certo que tais pressupostos não existiam, como se alegou supra.

  2. Sucede que o Tribunal “a quo”, subscrevendo o entendimento da Fazenda Pública, e com o fundamento “… que (a recorrente) ao recusar-se discutir a quantificação da matéria colectável em sede graciosa, abdicou de, a posteriori, discutir tal temática”, não se pronunciou sobre a quantificação da matéria tributária, especialmente no que concerne às exageradas, se não impossíveis, margens brutas calculadas pela inspecção, embora acabe por concluir, sem especificar os fundamentos, que a matéria está bem quantificada.

  3. Só que… a Recorrente não se recusou a discutir tal matéria em sede graciosa. Basta atentar no ponto 19 dos factos provados e ainda no relatório do perito nomeado pela AF (fls. 187 dos autos) onde se constata à evidência que não existiu qualquer recusa por parte do perito nomeado pela Recorrente, tendo sido antes uma decisão da própria comissão.

  4. Assim, ao não analisar a questão das margens brutas, e ao não fundamentar suficientemente essa questão, terminando a sua exígua fundamentação em nítida e absoluta adesão ao conteúdo do relatório da Inspecção, o Tribunal “a quo” cometeu a nulidade de omissão de pronúncia ou, caso assim não se entenda, de vício de ausência de fundamentação, pelo que, nessa parte, a sentença é nula nos termos do art° 668° n° 1 alíneas b) e/ou d) do CPC, nulidade essa que desde já se invoca.

  5. No entanto, apesar da ausência de fundamentação, a douta sentença acabou por concluir que a matéria tributável está bem quantificada, aderindo à tese da AF no sentido de que a valorimetria das existências foi feita com base em documentos internos os quais, ainda segundo a douta sentença, indicam o valor dos produtos vendidos.

  6. A questão é mais profunda do que aquilo que parece. É que desde o início do presente processo - que teve início com a inspecção - ainda ninguém entendeu o que significa o facto das fichas de custeio” ou “mapas de custeio” serem elaboradas em termos líquidos, apesar da Recorrente ter feito esforços no sentido de explicar que as “fichas de custeio” são elaboradas numa fase já adiantada da produção, numa altura em que o bacalhau perdeu humidade e lhe foram retirados desperdícios.

  7. Sobre a questão da humidade, todas as testemunhas inquiridas confirmaram que o bacalhau traz sempre humidade (apenas variando na percentagem) pelo que nunca poderia ter ficado provado o que consta no ponto 12 dos factos provados onde se diz que o bacalhau “pode”’ trazer humidade.

  8. Aliás, precisamente por o bacalhau trazer sempre humidade, existe legislação a regular os níveis de humidade permitidos, níveis esses que não deverão ser inferiores a 51% (VD DL 25/2005 de 28/1 junto aos autos a fls. 165 a 172).

  9. Tais “fichas de custeio”, como foi exaustivamente explicado pela testemunha João Rocha Ferreira, apenas tinham como função a valorimetria das existências finais, mas não serviam para avaliar o custo dos produtos vendidos.

  10. Daí se vê o despropósito da Inspecção ter calculado margens brutas completamente irrealistas de 82,59% (pág. 75 do relatório - fls. 120 dos autos) o que significa que, no entender da Inspecção, a Recorrente vende por 100 aquilo que compra por 17,41. Como se isso fosse possível em alguma actividade económica ou em algum lugar do universo.

    Mas sobre esta questão a sentença nada refere.

  11. Pelo que, embora o Tribunal “a quo” tenha concluído ser desnecessário pronunciar-se sobre a quantificação, deveria ter ficado provado na douta sentença que as “fichas de custeio”, fornecidas pela Recorrente à Inspecção Tributária, são líquidas nas matérias-primas utilizadas.

  12. Devendo também ficar provado que tais “fichas de custeio” apenas têm como função a valorimetria das existências finais e não a de permitir à empresa conhecer e controlar quais os custos associados a cada um dos produtos fabricados...” como consta no ponto 20 dos factos provados.

  13. Quanto à segunda questão. Saber se as correcções técnicas efectuadas pela AF têm justificação. Entende a Recorrente que não existem razões válidas para as correcções técnicas que foram efectuadas.

  14. No entanto, e independentemente das mesmas serem ou não justificadas, tais correcções vêm demonstrar à evidência que não existem razões para a Recorrente ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos.

  15. Como prova do alegado, e no que aos presentes autos diz respeito, vejam-se as páginas n° 23 a 41 do Relatório (fls. 68 a 86 dos autos) e atente-se na precisão com que a Inspecção detectou as verbas que entendeu não serem aceites como custos do exercício e ainda na minúcia com que descreveu os documentos onde essas verbas estão inscritas.

  16. Sobre a questão das viaturas continua a ser convicção da Recorrente que se trata de um problema mais de cariz psicológico do que propriamente de ordem fiscal. É que, o que fez confusão à inspecção foram as “marcas” das viaturas e não a quantidade das mesmas.

  17. Relativamente aos documentos comprovativos da aquisição de combustíveis, entende a Recorrente que nada na Lei impõe que tais documentos tenham a matrícula da viatura a que o combustível se destina.

  18. Em conclusão entende a Recorrente que, com excepção das correcções que assumiu serem lapsos contabilísticos, lhe devem ser considerados os custos fiscais desconsiderados pela AF associados às viaturas sua propriedade.

  19. Finalmente a terceira e última questão. Saber se estão reunidos os pressupostos para a AF tributar a Recorrente através dos chamados métodos indirectos. No entender da Recorrente trata-se da questão fulcral do presente recurso.

  20. Entendeu o Tribunal “a quo”, sufragando a tese da A.F., que se encontram reunidos os pressupostos para a Recorrente ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos.

  21. Antes de elencar os motivos que, neste particular aspecto, foram aduzidos pelo Tribunal “a quo”, e antes de os contradizer, sempre a Recorrente dirá o seguinte: 23ª O relatório da inspecção tributária que deu origem ao presente processo de impugnação da liquidação de IRC de 2002, deu origem a mais três processos que correram seus termos no mesmo Tribunal, e que se encontram em sede de recurso no TCAN, sendo que em todos eles foi dada razão à aqui Recorrente. (P. 438/06.0BEBRG (IRC de 2001), P. 503/06.3BEBRG (IVA 2001) e P. 1326/06.SBEBRG (IVA 2002).

  22. A Recorrente tem dificuldade em entender porque motivo não lhe foi dada razão nos presentes autos, quando nos restantes três casos lhe foi dada razão, sendo certo que os factos são os mesmos, pois tiveram origem no mesmo relatório e nos mesmos pressupostos, existindo identidade de impostos ou identidade de períodos temporais.

  23. Vejamos, então, quais são os fundamentos que constam na douta sentença em crise e que conduziram a uma decisão em perfeita contradição com as sentenças dos outros três processos que tiveram origem no mesmo relatório da Inspecção Tributária.

  24. Em primeiro lugar a douta sentença transcreve o que consta no relatório da inspecção que condensa as irregularidades detectadas na contabilidade da Recorrente em três grupos, que se podem resumir do modo seguinte: d) Descontrolo ao nível de fluxos financeiros e) Erros na movimentação das contas de clientes e fornecedores f) Sucessivos acertos nas contas de Caixa, Bancos, de terceiros 27ª Sucede que todas as irregularidades supra elencadas não tiveram qualquer influência nas contas de resultados da Recorrente.

  25. Em primeiro lugar porque se trata de acertos em contas de terceiros. Logo nenhum acerto foi feito nas contas de “custos” ou de “proveitos”, nomeadamente nas contas de “compras” e/ou “vendas”.

  26. Em segundo lugar porque, apesar de apontar algumas irregularidades, a Inspecção Tributaria nada diz sobre os eventuais reflexos dessas irregularidades (que foram corrigidas, esclareça-se) e os resultados da Recorrente ou o seu volume de negócios. Ou seja, não existe qualquer nexo de causalidade entre as alegadas irregularidades (ou as suas correcções) e os resultados finais.

  27. Ora, é jurisprudência pacífica (VD entre outros os acórdãos do TCAN – P. 01019/04.8BEBRG de 24-01-2008 e P. 00379/04 de 23-02-2006 e do TCAS - P. 00357/04 de 15/02/2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt) que não chega a existência de irregularidades na contabilidade para que a AF possa deitar mão dos chamados métodos indirectos. É necessário ainda que esses erros inviabilizem a determinação da matéria tributável...

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