Acórdão nº 00839/2001-Porto de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução08 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório VMS, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação ordinária, que intentou contra a REFER EPE e Município de V...

tendente a que lhe fosse paga uma indemnização de 16.000.000$00 (79.807,66€) “por danos patrimoniais causados pela conduta das Rés”, inconformado com a Sentença proferida em 18 de Fevereiro de 2014, no TAF do Porto, que julgou “a ação improcedente, por não provada”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença (Cfr. fls. 533 a 547v Procº físico).

Formula o aqui Recorrente/VMS nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 544v a 547v Procº físico).

“1) O caso concreto submetido a juízo tem contornos importantes e factos elucidativos, que, aliás, a douta sentença identificou na matéria de facto dada como provada, embora esta tenha um âmbito manifestamente insuficiente, daí o recurso versar igualmente sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

2) Para o que importa para o caso sub judice, cumpre destacar que o Autor obteve do Réu Município de V..., entidade legalmente competente para o efeito, a aprovação do projeto de arquitetura e respetiva licença de construção, bem como a licença de utilização do seu prédio sito na Rua Rodrigues de Freitas, V..., com os direitos inerentes e consolidação na ordem jurídica – cfr. factos A) a C) da matéria dada como provada e docs. de fls. 12 a 19 destes autos.

3) Todos estes atos administrativos consolidaram-se no ordenamento jurídico, a ponto de o edifício ter sido totalmente construído, nos termos licenciados, merecendo, face a isso, a competente licença de utilização.

4) Alguns anos depois, veio a 2.ª Ré (em 2001) construir um arruamento encostado ao edifício do Autor [factos provados N) e O)], 5) Criando a seguinte situação de facto dada como provada:

  1. O piso térreo destinado a garagem do edifício do Autor, há anos construído e existente no local e com licença de utilização paga a 4 de março de 1999 e datada de 8 de setembro de 1999, “encontra-se enterrado, correspondendo a uma cave sobrelevada” [facto provado P)]; b) “Com a consequente inutilização do piso de garagem do prédio do A.” [facto provado U)]; c) Que não poderá no futuro ser utilizado enquanto tal [facto provado AA)]; d) O que, para além do mais, “importa ainda a desvalorização das respectivas fracções” [facto provado AB)].

    6) Ora, bastará esta situação dada como provada [a que acresce o facto U)], para perceber que terá de haver responsabilidade extracontratual, ressarcindo-se justamente o Autor por tamanho prejuízo.

    7) Daí o primeiro erro grosseiro de julgamento… 8) É que a questão dos autos é claramente “simples”: o arruamento e o respetivo passeio foram construídos à cota 98,24m, até junto da fachada poente do edifício do Autor, ou seja, 1,25m acima do nível da respetiva garagem (2011), muito depois da edificação CONCLUÍDA E LICENCIADA (2009)… 9) Portanto, a questão estará na concretização do tipo de responsabilidade: por factos ilícitos ou lícitos, e é aqui que a sentença recorrida enferma de mais um erro grave, gerador, inclusivamente, da respetiva nulidade, por contradição e obscuridade da decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

    10) Efetivamente, se atentarmos à fundamentação ínsita na sentença recorrida, percebemos que o Exmo. Senhor Juiz a quo identificou como sendo o mesmo o “fato ilícito” e o “facto lícito”!!: a construção do arruamento de acesso à nova estação de caminhos-de-ferro de Ermesinde a uma cota superior à cota anteriormente existente… 11) Para além destes erros, necessário será atentar a outra prova efectuada, mas não atendida pelo Exmo. Senhor Juiz a quo, da qual resulta a prova do facto ilícito alegado: “a construção do arruamento de acesso à estação dos caminhos-de-ferro de Ermesinde a uma cota superior à cota anteriormente existente…”.

    12) A resposta aos quesitos 2.º, 4.º e 6.º-A deveria ter sido diferente, sempre afirmativa na totalidade, concluindo-se que “a construção do arruamento ocorreu a uma cota superior à anteriormente existente”, 13) Devendo, ainda, ser esse facto qualificado como ilícito.

    14) Mas, independentemente da prova do facto ilícito (construção do arruamento acima da cota anteriormente existente), o que é certo e resulta evidente da situação de facto, é que, pelo menos, o arruamento foi posteriormente construído (em 2001), sem projecto e sem licenciamento camarário, acima do nível da respectiva garagem pré-existente, construída e devidamente licenciada (em 1999) pela entidade competente (a Câmara Municipal de V...), impedindo a sua utilização presente e futura, com os prejuízos inerentes e dados como provados.

    15) E é determinante perceber os direitos adquiridos e consolidados do Autor à data da construção do arruamento, bastando atentar ao (revogado) regime jurídico do licenciamento de obras particulares e ao artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (em vigor à data dos factos) para concluir que a licença de utilização concedida comprova “a conformidade da obra concluída com o projeto aprovado e condicionamentos do licenciamento e com o uso previsto no alvará de licença de construção”.

    16) Trata-se, portanto, de um ato constitutivo de direitos, com todas as consequência legais.

    17) Assim, bastam os factos dados como provados pelo Exmo. Senhor Juiz a quo na sentença recorrida para concluir pela existência de um facto ilícito (mesmo que a construção tenha sido efetuada à cota existente): é que tal construção posterior do arruamento, acabou por implicar:

  2. O enterramento do piso térreo destinado a garagem – facto provado P); b) A inutilização do piso de garagem do prédio do A – facto provado U); c) Inclusivamente para o futuro – facto provado AA); d) A desvalorização das respetivas frações – facto provado AB); 18) Desta forma, estando a obra pré-existente do Autor devidamente licenciada e construída (com licença e alvará de construção e licença de utilização), com todos os direitos inerentes e consolidados na ordem jurídica há anos, resulta óbvio que a construção subsequente, do arruamento, se fez (ainda que à cota existente, o que não se concede, como vimos) com violação de direitos consolidados do Autor e em desrespeito pelo respectivo direito de propriedade como tal configurado.

    19) E para tal conclusão bastaria ao Exmo. Senhor Juiz a quo atentar nos factos que deu como provados sob as letras C) (que atesta que a construção foi concluída pelo menos nos inícios de 1999), D) (que atesta que a construção mereceu a respectiva licença de utilização em Setembro de 1999) e N) (que atesta que o arruamento foi construído no ano de 2001), bem como à “conclusão” do facto provado U).

    20) Portanto, mesmo que se entenda, como na sentença, não ter ficado provado que o arruamento está a uma cota superior à cota existente (o que, como demonstramos, é entendimento que não se sufraga e não corresponde à prova efectuada), sempre se terá por ilícito uma construção que viola “direitos adquiridos e consolidados”.

    21) E é este facto ilícito que, no caso concreto, foi efectivamente condição do resultado danoso, pois só deixaria de ser causa adequada se fosse de todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano, o que, conforme se demonstrou e é notório pela experiência comum e ordem natural e cronológica das coisas, não ocorre no caso sub judice.

    22) Ora, como resulta dos factos dados como provados na douta sentença recorrida e resulta do vertido no citado artigo 563.º do Código Civil, foram a ação – construção do arruamento - e omissão – sem a devida cautela e articulação com os direitos do Autor – do Segundo Réu REFER, bem como a falta de fiscalização e cumprimento de regras legais e regulamentares pelo Município de V..., que causaram ao Autor os danos identificados na sentença, nomeadamente os que foram considerados pelo Exmo. Sr. Juiz a quo nos factos provados P), U), AA) e AB).

    23) Daí o facto provado U): “executada a obra pela 2.ª Ré verificou-se um decréscimo da cota da soleira do prédio em relação à cota da via”… 24) O que é natural, pois sendo a obra da 2.ª Ré muito posterior à edificação do Autor e sendo, por conseguinte, esta pré-existente (de facto e de Direito, face a todas as licenças existentes) àquela obra da REFER, forçoso é concluir que foi a obra da 2.ª Ré a causa adequada, na ordem natural das coisas, para a produção dos danos provados sob as letras P), U), AA) e AB).

    25) Portanto, mesmo que não haja construção pela REFER a uma cota superior (como foi entendimento da sentença recorrida e aqui já afastado) ou mesmo que a edificação do Autor esteja a uma cota inferior, existirá sempre facto ilícito, pela ordem natural e cronológica das coisas e respetivas circunstâncias: a edificação do Autor está devidamente licenciada (construção e utilização) com os direitos inerentes e consolidados na ordem jurídica, pelo que a sua violação será sempre ilícita e geradora de responsabilidade extracontratual.

    26) O prédio do autor estava há muito construído, tal como está agora e estava aquando da construção do arruamento: a garagem já lá estava, àquela cota e devidamente licenciada, pelo que só pode ser a obra posterior (da REFER) a causa adequada dos danos, pelo que urge a revogação e correção da sentença recorrida, no sentido da responsabilidade dos Réus por facto ilícito, com as devidas consequências, designadamente indemnizatórias.

    27) Por outro lado, é ilógico, com todo o respeito (que é muito e sincero), afastar-se a responsabilidade extracontratual por facto lícito por inexistir facto “ilícito” (construção a cota superior), pois mesmo que a 2.ª Ré tenha executado a sua obra dentro de todas as regras legais e regulamentares aplicáveis e à cota “correta”, o que é certo é que dela resultaram para o Autor os prejuízos detetados e a violação dos seus direitos adquiridos, urbanísticos e de...

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