Acórdão nº 01687/08.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução18 de Dezembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO MACM vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 16 de Junho de 2014, e que julgou improcedente a acção administrativa comum no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado intentada contra o Hospital CF de T..., onde era solicitado que devia a entidade demandada ser condenada: - a pagar à Autora a quantia de € 169.920,99 … a título de indemnização por danos patrimoniais e morais sofridos causados pela sua conduta ilícita, negligente, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.».

Em alegações, após convite ao aperfeiçoamento, a recorrente concluiu assim: 1- A questão prévia que suscitamos é a de que a douta sentença ora recorrida radica na circunstância de o processo ora submetido à sindicância de Vª.s Exª.s ter sido da responsabilidade de um Sr. Juiz no que tange aos articulados e elaboração do despacho saneador, sendo que outro já foi o Sr. Magistrado que presidiu à audiência de discussão e julgamento, acompanhou a produção da prova e julgou, fundamentando a matéria de facto para, a final, ser uma terceira Magistrada Judicial a responsável pela prolação da sentença.

2- O que levou a M.Mª. Juíza ora recorrida a proferir uma sentença meramente formal, realizando aqui o que designaríamos de JUSTIÇA FORMAL, mas não fez a JUSTIÇA MATERIAL reclamada pela Autora quando veio a Juízo! II 3- O Tribunal a quo, ao caraterizar os atos médicos no hospital réu como atos de gestão pública, errou ao concluir que incumbe ao lesado, sempre e em qualquer circunstância, o ónus probatório da responsabilidade por atos ou omissões (médicos) geradores de responsabilidade civil de regime público.

4- Pois que, será a concreta análise dos factos concretos do caso que nos dirá da inversão (ou não) do ónus probatório.

5- Salienta-se ainda o facto de que, nos nossos dias, releva cada vez mais neste domínio da prestação pública de serviços de saúde uma certa forma jurídica de “responsabilidade pelo risco”, visando pois compensar as vítimas de um acidente médico independente da culpa, fazendo o Tribunal a quo tábua rasa desta linha de orientação.

6- Tal-qualmente a sentença recorrida desvaloriza a figura do cumprimento defeituoso ou da violação contratual positiva.

7- Ignorando mesmo o facto de hoje se colocar a cargo do médico auxiliar de uma instituição pública de saúde o dever de indemnizar os danos da lesão do interesse na integridade do paciente e os danos decorrentes da lesão do interesse na obtenção de um resultado positivo “que segundo as normais técnicas de prestação de cuidados de saúde deveria alcançar-se”.

8- Ora, a douta sentença recorrida limitou-se a encaixar apenas os factos, ou parte deles, que cabiam no modelo teórico pré-selecionado, partindo de uma análise meramente cética.

9- No caso dos autos a questão da prova coloca-se num plano especialíssimo fora do quadro comum das regras da prova, o que não foi atendido pelo Tribunal a quo.

10- Na realidade, a valoração da prova há-de ser feita com especial cuidado pelo julgador, porventura aqui com uma maior latitude de livre apreciação da prova (direta e indireta), sabendo-se como se sabe que o paciente não tem, por regra, conhecimentos técnicos e científicos da medicina e não tem, por regra, acesso à documentação sobre a sua situação clínica, em suma, estará esmagado pela imposição de produzir uma prova a que não tem acesso direto.

11- Factos estes menosprezados na sentença ora recorrida.

12- No caso há, pelo menos, três aspectos em que o ónus da prova não incidia sobre a Recorrente, mas sim sobre o Hospital réu. Pois que, 13- Da Consulta Técnico-Científica respondida pelo Sr. Prof. JLA retira-se que a este eminente perito não foi facultada, para análise e resposta, informação (relatório hospitalar) relativa ao exame histológico na anatomia patológica (HUC).

14- Tal relatório deu entrada em Juízo em 4 de outubro de 2012 e o relatório pericial do Sr. Prof. JLA em 14 de fevereiro de 2014 jamais lhe foi enviado para complemento da sua resposta.

15- A ausência de relatórios operatórios relativos às 1ª e 2ª intervenções cirúrgicas no Hospital réu é uma falta imputável ao Recorrido, já que a Recorrente requereu a junção aos autos de todo o processo clínico da Autora no Hospital réu.

16- Do exposto resulta a inversão do ónus probatório nos termos do n.º 2 do art.º 344º do Cód. Civil, como dispõe o n.º 2 do art.º 417º do Cód. Proc. Civil.

17- O terceiro aspeto tem a ver com a circunstância de que “a A. entrou no Hospital réu para descompressão do nervo mediano no canal cárpico à direita e saiu do Hospital réu com lesão daquele nervo mediano!” 18- Em termos probatórios impendia pois sobre o Hospital réu a prova de que foi por outra razão da Autora (outra razão traumática ou outra) que naquele período (entre as duas intervenções cirúrgicas) ocorreu a lesão do nervo mediano ao nível do canal cárpico direito e não em consequência das intervenções cirúrgicas, em especial da 1ª intervenção cirúrgica de 17 de março de 2006.

19- O ónus probatório nesta parte impendia sobre o Hospital réu e não sobre a A. que não pode fazer prova sobre factos negativos.

20- Tal-qualmente errou o Tribunal a quo ao dizer que aquela lesão do nervo mediano poderia ter ocorrido nos HUC, pois ficou inteiramente provado pelo Relatório de Perícia Médico-Legal (Clínica Forense) da Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal que a lesão foi confirmada nos HUC por estudo electromiográfico prévio à intervenção cirúrgica de 08/03/2007, sendo que esta confirmou a secção antiga daquele nervo.

21- Tudo o que vem de expor-se encontra expressão na fundamentação da resposta dada ao quesito 32º (FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO).

22- Entre outras considerações indicadas nas Alegações, ali se lê “… relatório dos HUC que indica ter o nervo em causa sofrido secção, sendo que perante ela o Réu não logrou efetuar contra prova que abalasse o que resulta daquele relatório, uma vez que através dos depoimentos das testemunhas que arrolou (o Réu) não afastou a possibilidade de o nervo ter sido seccionado ainda que parcialmente em qualquer das duas primeiras intervenções realizadas no hospital Réu…” 23- Esta parte sufraga por inteiro tudo quanto vimos de expor quanto ao ónus probatório in casu e bastaria para fundamentar uma decisão de quem acompanhou a produção da prova, mas já não serviu para quem não acompanhou a produção da prova mas teve de decidir (por isso mal!) em sentido contrário aquele.

24- Repare-se que também na fundamentação das respostas aos quesitos 6º, 2º, 23º e 30º temos sempre a resposta contrária à conclusão da sentença recorrida.

25- Ora, resulta com meridiana clareza a contradição entre os termos da fundamentação destas respostas, em especial da resposta ao Quesito 32º, com o teor da sentença recorrida.

26- Naquela fundamentação fáctica diz-se uma coisa sobre o ónus probatório – a quem incumbia – e na sentença recorrida lê-se o inverso, o que é causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1 c) do Cód. Proc. Civil.

III 27- Não obstante o supra alegado, na sentença ora recorrida constata-se a pulverização da “Matéria de Facto” em inúmeras alíneas que analisados isoladamente e de per si não retratam a situação dos autos e exibem contradição nos fundamentos fácticos da sentença, o que é causa de nulidade delas nos termos do disposto no art. 615º, n.º1 c) do Cód. Proc. Civil. Vejamos, 28- Na alínea G) da “Matéria de Facto” temos que se não fixa nesta alínea a data do “novo exame electroneuromiográfico” que está fixada na alínea V) “ O electroneuromiográfico realizado em 4/05/2006”.

Ora, a não ser assim completada e não foi verifica-se ambiguidade ou obscuridade da matéria de facto assente, o que é causa de nulidade da sentença (art.º 615.º, n.º 1 c) do Cód. Proc. Civil).

29- Da mesma forma, no que se refere à alínea K) da “Matéria de Facto” em que se deveria ter acrescentado “E na sequência deste seguimento da sua doença foi a autora internada nos HUC e submetida…”.

Isto para fazerem sentido as alíneas J) a T) – acompanhamento nos HUC – isolando-as das alíneas D) a I) – acompanhamento no Hospital réu.

30- Ainda nesta alínea K) dever-se-ia ter acrescentado o que melhor consta das alíneas X) e BB) “… submetida a uma intervenção cirúrgica por apresentar ausência de resposta electroneuromiográfico da condução nervosa daquele nervo” e “por lhe ter sido diagnosticado uma secção antiga do nervo mediano do canal cárpico direito”.

A não ser assim completada a alínea K) verifica-se ambiguidade ou obscuridade da matéria de facto assente, o que é causa de nulidade da sentença (artigo 615º, n.º 1 c) do Cód. Proc. Civil).

31- Também se verifica obscuridade do fundamento fáctico da sentença constante da alínea Z) quando se afirma que “Na situação que se verifica na autora, não é prática corrente…”, pois ficamos sem saber o momento a que se reporta esta resposta fáctica da sentença recorrida.

32- Quanto à alínea QQ) da “Matéria de Facto” há verdadeira contradição com o teor da alínea V) da mesma peça, o que é igualmente causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1 c) do Cód. Proc. Civil.

É que, em QQ) diz-se que “ O exame electroneuromiográfico realizado em 04/05/2006 traduz apenas o sofrimento do nervo em causa” e em V) lê-se que tal exame “revelou lesão (e não sofrimento apenas!!) do nervo mediano a nível do canal cárpico direito em estado sensitivo-motor, muito grave”.

33- Outra contradição insanável retira-se das alíneas AAA) e U) da “Matéria de Facto”, porquanto em AAA) a final diz-se que a A. faltou “à consulta marcada no Hospital réu a 6/9/2006 e desde então não mais ter voltado ao mesmo Hospital para ser acompanhada” e em U) da mesma peça lê-se “… tendo sido atendida em consulta no mesmo Hospital (réu) em...

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