Acórdão nº 02690/10.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Dezembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório GAPC, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município do P..., tendente, em síntese, a impugnar “o ato administrativo emanado por Edital nº CE-GPH-07558-2010” emitido por Vereadora da Câmara Municipal do P..., que decidiu que “teria de se retirar da habitação social”, inconformado com o Acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2015 (Cfr. fls. 237 a 256 Procº físico) que julgou a ação “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula a aqui Recorrente/GAPC nas suas alegações de recurso, apresentadas em 10 de Março de 2015, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 284 a 296 Procº físico): “1. Após ouvir o relato dos factos das testemunhas deparamo-nos com duas realidades distintas: uma realidade que traduz que a Recorrente veio transferida do Bairro do Cl... para o Bairro das C..., juntamente com a família, tendo vivido neste fogo desde aproximadamente 1967, conforme testemunho MSPG, MEJL, AACF, MASRF, outra realidade é a consta do processo administrativo e do testemunho de OSP e MCVS, a de que a Recorrente nunca residiu no Bairro das C..., tendo cessado a sua coabitação no Bairro do Cl....

  1. De duas uma: ou as testemunhas da Recorrente mentiram descaradamente em tribunal quando afirmaram que a Recorrente sempre viveu nas C... até aos dias de hoje, ou o processo administrativo não traduz a realidade dos factos.

  2. Na verdade o Tribunal a quo deparou-se com esta dificuldade, não se pronunciando como chegou à conclusão que a Recorrente desde 2000 que reside no referido imóvel.

  3. Se o depoimento das testemunhas MSPG, MEJL, AACF, MASRF foi credível para o Tribunal chegar à conclusão que a Recorrente reside no imóvel desde 2000, também o depoimento das mesmas deveria ter sido valorado para dar como assente que a Recorrente sempre viveu no imóvel.

  4. Teria sido importante que o Tribunal a quo se pronunciasse, fundamentando quanto à forma como chegou à referida conclusão, porque, senão, não se passa das especulações, tentando colocarmo-nos na cabeça do julgador para tentar equacionar o seu pensamento.

  5. Seria útil que o processo baixasse à 1ª instância para o Tribunal a quo fundamentar, como retirou a conclusão que a Recorrente vive nas C... apenas desde 2000.

  6. De qualquer modo, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a Recorrente vive desde 1967 no Bairro das C... tendo em conta, fundamentalmente, o testemunho de MSPG, MEJL, porque se tratam das testemunhas mais antigas da vizinhança e que depuseram de forma credível.

  7. As aludidas testemunhas, a dada altura, no seu depoimento, afirmam ao m 11.09 e m 25.48, perentoriamente, que a irmã da Recorrente nunca viveu nas C... e que o seu filho Nelson inclusivamente nasceu em França.

  8. Contrariamente ao que defende a Recorrida no processo administrativo que, segundo o seu entendimento, apenas a irmã RP fazia parte do agregado familiar.

  9. Este processo inquina por uma serie de dúvidas que se colocam e que ficaram sem resposta por parte do Tribunal a quo.

  10. A outra questão que se coloca, é a falta de autorização para habitar o imóvel que, aliás, é invocada pelo Tribunal a quo, para justificar a atuação da Recorrida, com a consequente absolvição da instância.

  11. Na verdade, o alvará nº 11.362, ab inicio, foi emitido em nome de HSP, pai da aqui Recorrente 13. Segundo a Câmara Municipal do P..., o agregado autorizado a residir era composto por HSP, EDA, e RP, filha.

  12. No entanto, de acordo com o depoimento das testemunhas MSPG, MEJL, que referem respetivamente ao m 11.09 e m 25.48, categoricamente, que a filha RP nunca morou nas C....

  13. Mais. Referem as aludidas testemunhas ao m 4.07 15.40 que o agregado familiar era composto pela Recorrente, seus filhos e pais.

  14. Não se pondo em causa a informação prestada pela Recorrida, que segundo o alvará concedido pela Câmara a HPC constava a irmã RP e não a GAPC.

  15. O certo é que quem sempre viveu nas C..., desde a transferência do Bairro do Cl... para as C..., foi a GAPC e não a RP, conforme afirma à R.

  16. Assim sendo, terá forçosamente de se concluir que HPC, pai da Recorrente, prestou deRPCAPções inexatas quanto a composição do seu agregado familiar.

  17. Competia a HPC ter informado os serviços da Recorrida da verdadeira composição do seu agregado familiar.

  18. Não podendo ser imputável à Recorrente falta de autorização para morar no Bairro.

  19. Porém, quer o HSP, quer a EDA, quer a RP, testemunhas cruciais num julgamento com estes contornos, não foram chamadas a depor porque já terem falecido.

  20. Nem pode vingar a tese da Recorrida que a Recorrente era uma pessoa conflituosa, que originou uma contenda com vizinhança, que inclusivamente, dava maus tratos ao pai, porque que cuidou destes na hora da sua morte, com prejuízo dos seus maridos e filhos foi a Recorrente 23. A Recorrente comunicou à Câmara a morte da mãe de uma morada francesa porque, se encontrava a prestar cuidados ao seu marido que padecia de uma doença grave.

  21. Na referida carta refere ser emigrante em França, mas obviamente nunca o foi.

  22. Trata-se uma senhora, quase analfabeta, que, à data dos factos, tinha 70 anos de idade, que se encontrava perturbada pela morte de 3 familiares próximos, como é normal.

  23. A Recorrente não tem a compreensão do verdadeiro sentido da palavra emigrante quando a utiliza na referida carta.

  24. Se tivesse a perceção da palavra emigrante, como é óbvio, omitia por tal facto lhe ser desfavorável.

  25. A Recorrente tentou retificar a situação mas, obviamente, que a Recorrida não quis.

  26. Mais ainda que a Recorrente tivesse emigrado para França com o seu marido e quisesse regressar, após a morte de seus pais, para Portugal é perfeitamente legítimo.

  27. Não se entende atitude persecutória da Recorrida que tem obrigação de dar de arrendamento imóveis a quem deles careça, como é o caso.

  28. A primeira questão que se coloca é a de saber, afinal, qual o regime jurídico que se aplica a este caso em concreto.

  29. Esse tipo de Licenças Camarárias, emitidas pelo responsável do departamento habitacional, mais não são que verdadeiros contratos de arrendamento, camuflados com a designação de Alvará ou Licença de Habitação; 33. Entende-se por contrato de arrendamento, a cedência do gozo temporário de um bem imóvel para fins habitacionais, por parte de quem dá de arrendamento, neste caso concreto, um Ente Público, a um inquilino que se compromete a pagar uma renda.

  30. Ou seja, tal e qual como num contrato de arrendamento tout court, no presente caso, chamem-lhe Alvará, Licença, Concessão – inventem uma nova nomenclatura, se quiserem –, o que é certo é que existe um inquilino, um senhorio e uma renda.

  31. Daí que, com o nome que lhe quiserem dar, este arrendamento, diretamente ou por analogia, terá sempre que ser regido e os diferendos dirimidos pelo RAU – Regime do Arrendamento Urbano.

  32. Neste sentido, vide Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 1994, proferido no âmbito do processo n.º 084968.

  33. Pelo que, sem margem para dúvidas, estamos perante um contrato de arrendamento, embora formalmente se possa remotamente entender que não o seja, o certo é que o seu conteúdo é o de um contrato sinalagmático, preenchendo a factualidade acima descrita, o tipo Legal de contrato de arrendamento, sendo que, em caso de divergência entre o conteúdo e a forma de um determinado contrato, prevalece o conteúdo à forma; 38. No entanto, o recurso à analogia permite-nos concluir que quando estamos perante um caso concreto em que a Lei é omissa, aplicamos o mesmo regime jurídico a uma situação prevista com semelhanças ao caso que se encontra por regulamentar; 39. Mais. O acórdão do STJ nº JSTJ00021550, de 20/01/1994 diz-nos que em questões relacionadas com Licenças de Habitação é aplicável o regime do CC, mais especificamente o RAU.

  34. Como sublinham os Ilustres Conselheiros naquele aresto, “I - O decreto-lei n.º 23.465, de 18 de Janeiro de 1934 conferiu ao Estado o direito de despedir os arrendatários dos seus prédios, rústicos e urbanos ou mistos, antes de o arrendamento acabar, quando isso lhe convier.

    II - Face ao Decreto-Lei n. 507-A/79, de 24 de Dezembro, tem-se como fundamental a ideia de que em matéria de arrendamento dos bens do Estado, as soluções da Lei Civil só devem ser derrogadas nos casos, extremos, em que seja manifesta incompatibilidade com as exigências de realização oportuna do interesse público. Não se vê razão, face aos motivos que levaram à revogação do Decreto-Lei n.º 23.465 e à ideia que presidiu à formulação das normas integradas no novo diploma, a que deve considerar-se que estas normas não são aplicáveis aos arrendamentos celebrados por corpos administrativos, como as revogadas o vinham sendo”; 41. Apesar do Dec-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, ter sido revogado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, tem que se ter em consideração o princípio da não retroatividade da Lei e, consequentemente, a Nova Lei só é aplicável aos litígios posteriores à sua entrada em vigor.

  35. Pelo que, neste caso em concreto, é aplicável o Dec-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, porque era a legislação que estava em vigor à data da concessão da “Licença” e, por outro lado, é também o regime jurídico aplicável à sucessão mortis causa da primitiva arrendatária à Autora.

  36. Efetivamente, o artigo 85º nº 1- b do Dec-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, diz expressamente: “O arrendamento para a habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele em que tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver: descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano”.

  37. Este último segmento normativo significa que a Recorrente sucedeu na posição contratual, por morte da primitiva arrendatária, tendo em conta que a Recorrente tinha residência permanente e vivia, há mais de um ano, na casa da s/...

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