Acórdão nº 01862/10.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelAna Paula Santos
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório F..., Lda.

, com sede na Zona Industrial…, freguesia de Amorim, concelho da Póvoa de Varzim, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 04.10.2012, que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima, no valor de €3.725,22, acrescido das custas processuais no montante de € 51,00, a cujo pagamento foi condenada por falta de entrega de prestação tributária de IVA, relativa ao mês de Dezembro de 2009, juntamente com a apresentação da Declaração Periódica do IVA, pela infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1. A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto, da decisão do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim que lhe aplicou uma coima no montante de 3.725,22€, acrescido das custas processuais no montante de 51,00 €, por falta de pagamento do IVA referente ao mês de Dezembro de 2009, no valor de 17.739,15 € (após dedução do imposto suportado), dentro do prazo de pagamento voluntário, o qual terminou no dia 10/02/2010.

  1. O presente recurso circunscreve-se à aplicação do artigo 114.° do RGIT e à interpretação do artigo 114.°, n.° 1, alínea a) do RGIT, na redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.°64-A/2008 de 31/12.

  2. Em sede de recurso, a Recorrente alegou que o IVA, não entregue à Administração tributária dentro do prazo de pagamento voluntário, não havia sido recebido pelos seus clientes e, como tal, a sua conduta não seria susceptível de ser punida como contra-ordenação.

  3. O Tribunal a quo, porém, entendeu que com a Lei de Orçamento de Estado para 2009, o legislador optou por clarificar o artigo 114.° do RGIT, no sentido de considerar que basta que o IVA seja liquidado em factura ou documento equivalente, mesmo que não tenha sido recebido pelo contribuinte, deve ser por ele entregue ao Estado, sob pena de incorrer em ilícito contra-ordenacional.

  4. Ora, o que aqui está em causa é punir a Recorrente com uma coima, pela falta de entrega de IVA, quando esse montante não foi efectivamente recebido dos seus clientes.

  5. No entanto, para haver responsabilização do agente não basta a realização por este de um tipo de ilícito, sendo também necessário que aquela realização lhe possa ser censurada em razão da culpa - princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa).

  6. Mas, para que exista culpabilidade do agente no cometimento de um facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou de negligência.

  7. No caso sub judice, a falta de entrega do IVA, dentro do prazo de pagamento voluntário, foi motivado pela falta de pagamento dos bens e prestação de serviços e, consequentemente, pela falta de pagamento do NA referentes aos mesmos, por parte dos seus clientes.

  8. Quem criou e despoletou a situação de incumprimento da Recorrente foram aqueles que verdadeiramente têm que suportar o imposto, pois, ao não efectuarem o pagamento dos bens fornecidos e dos serviços prestados, nem o IVA correspondente aos mesmos, a Recorrente ficou sem meios económicos para conseguir pagar o valor do IVA, tendo, aliás, sido forçado a requerer à Administração tributária o pagamento em prestações do IVA, já que no prazo de pagamento voluntário era incomportável pagar valores não recebidos.

  9. O não pagamento do IVA não derivou da vontade da Recorrente, mas tão só pelo facto de não ter dinheiro “para adiantar” à Administração tributária um imposto que não havia ainda recebido. Apraz não esquecer que, num contexto de crise financeira em que se vivia e se vive, em que as instituições bancárias simplesmente cortaram o crédito bancário às empresas, desamparando-as no momento que mais necessitavam, a Recorrente nem sequer pôde recorrer a empréstimos bancários para pagar uma “conta que não era sua”, tendo sido compelida a deixar transitar para cobrança coerciva, para aí, pedir o pagamento em prestações 11. O comportamento da Recorrente foi uma consequência inevitável, fruto do incumprimento dos verdadeiros responsáveis pelo pagamento do imposto.

  10. Por conseguinte, não se pode entender que a Recorrente agiu com falta de cuidado que lhe era devido, nem pode ser censurável a sua conduta.

  11. Portanto, não tendo agido com culpa, a conduta da Recorrente não pode ser punida nos termos do artigo 114.° do RGIT.

    Ademais, 14. A interpretação dada pelo Tribunal a quo ao artigo 114°, n.° 5, alínea a) do RGIT, com a redacção dada pelo artigo 113.° da Lei n.° 64-A/2008 de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, estribada num acórdão deste Tribunal, no sentido de que basta que o IVA seja liquidado em factura ou documento equivalente, mesmo que não tenha sido recebido pelo contribuinte, deve ser por ele entregue ao Estado, sob pena de incorrer em ilícito contra-ordenacional, com o devido respeito e salvo melhor opinião, é manifestamente inconstitucional.

  12. A Constituição da República Portuguesa 6 o garante dos direitos dos contribuintes, consagrando-se como princípios constitucionais a igualdade, a equidade, a proporcionalidade e a justiça.

  13. Entender-se que a Recorrente tem que ser sancionada com uma coima, pela falta de entrega de IVA, dentro do prazo de pagamento voluntário, quando este imposto não foi recebido pelos clientes, em virtude da falta de pagamento das facturas vencidas, não é justo, pois, não se está a punir o verdadeiro responsável, o real devedor do imposto.

  14. Tal entendimento prejudica a neutralidade do sistema de IVA, penalizando os meros “intermediários” e não os incumpridores de facto.

  15. No modesto entendimento da Recorrente, não é válido argumentar que se o cliente não pagou, os sujeitos passivos de imposto podem vir a reaver o IVA, quando se sabe perfeitamente que nos tempos em que correm é extremamente difícil, moroso (os processos executivos c os processos de insolvência arrastam-se pelos tribunais) e dispendioso cobrar créditos, sendo certo que. a dedução do IVA não recebido, só será feita muito tempo depois de o sujeito passivo ter sido compelido a pagar pela Administração tributária.

  16. Mais, é o sujeito passivo de imposto, a aqui Recorrente, que tem que fazer um esforço e ginástica orçamental, para entregar, ou melhor, “adiantar” à Administração tributária um imposto que nem é seu encargo e não foi recebido.

  17. É ao sujeito passivo que é instaurado um processo executivo, para pagamento de um valor que efectivamente não recebeu, mas que tem que pagar, com todas as consequências que daí advêm (pagar juros, custas, prestar garantias para suspensão do processo executivo).

  18. Isto tudo, quando o verdadeiro prevaricador, o contribuinte de facto, que não pagou os bens e serviços à Recorrente e, consequentemente o IVA, vai poder deduzir ou pedir reembolso desse mesmo IVA que não pagou! O que significa que para além de não pagar, incumprindo com o seu dever de pagar impostos, é ainda premiado com a possibilidade de deduzir ou pedir reembolso do imposto! 22. Pelo que, ao se entender que o sujeito passivo, como a Recorrente, deve ser punida com uma contra-ordenação, independentemente de ter recebido ou não o imposto, tal interpretação representa uma injustiça fiscal tremenda (não recebe, tem que pagar, nas limitadas condições impostas no processo executivo, e ainda é punida com coima por facto que não deu causa).

  19. Constitui igualmente uma violação do princípio da igualdade e equidade, já que nada se exige ao verdadeiro incumpridor de facto, ao verdadeiro devedor do imposto, aliás, pelo contrário, até o beneficiam, recompensando o incumprimento com a dedução ou reembolso de algo que não pagou.

  20. Tal interpretação, fere ainda o princípio da proporcionalidade, na medida em que os sacrifícios e sanções impostos à Recorrente são demasiado penosos, onerosos e inadequados à satisfação dos fins que visam atingir, mormente quando se deixa impune o...

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