Acórdão nº 00294/16.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | H |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Junta de Freguesia de Molelos Recorrido: LFCF Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que indeferiu requerida providência cautelar de intimação do Requerido e ora Recorrido a “abster-se de gravar e colher imagens da assembleia de freguesia de Molelos, concelho de Tondela, por qualquer meio ou recurso a quaisquer equipamentos, eletrónicos, manuais ou artesanais, deixando de perturbar o normal andamento da mesma e respeitando o seu funcionamento da Assembleia, quando nela está como na qualidade de eleito local e membro da mesma, tudo acrescido das demais consequências legais”.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): 1.
“A Providência requerida não visa coartar a liberdade jornalística ou o direito de informação mas sim impedir as concretas perturbações geradas pelo Réu quando persiste, em desafio ao ordenado pelo Presidente da Assembleia e em desrespeito ao órgão, exercer em simultâneo as funções de jornalista e de membro local desse órgão autárquico.
2.
Ao indeferir a providência, o Tribunal a quo lança mão de argumentos e entendimentos legais que manifestamente carecem de qualquer sustentação e que violam o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva ínsito no art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
3.
A doutrina e a Jurisprudência admitem que, em certos casos, a antecipação de um determinado efeito possa ter carácter definitivo.
4.
No caso dos autos, o recurso à providência cautelar, com os efeitos pretendidos, é o único meio de salvaguardar o direito da Autora.
5.
Devia o Tribunal ter intimado a requerida nos termos peticionados, ainda que admitindo a definitividade dos seus efeitos.
6.
A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.
7.
A provisoriedade da providência cessa perante o periculum in mora.
8.
Ainda que não cesse, cabe ao Tribunal, para o minimizar, lançar mão do mecanismo do nº 3 do art 120º do CPTA.
9.
A decisão recorrida violou s normas dos art.ºs 112º/1 e 120º/1, c) do CPTA e, ainda as normas dos art.ºs 20º, nº 1, 2 e 4 da Constituição da Republica Portuguesa.
Nos termos expostos e nos melhores de direito aplicável, deve o presente recurso ser admitido e como tal revogada a decisão, ordenando-se o decretamento da providência, tudo acrescido das demais consequências legais.
”.
O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.
De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos imputados erros de julgamento, comportados pelas conclusões das alegações de recurso, designadamente, com violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e das normas dos artigos 112º, nº 1, e 120, nº 1, alínea c), do CPTA e artigo 20º, nºs 1, 2 e 4, da CRP.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte: «1º - Na sequência das eleições autárquicas do ano de 2013, foram eleitos, entre outros, na Freguesia de Molelos, concelho de Tondela, o aqui réu, pelo Partido Socialista, que exerce as funções de membro da Assembleia de Freguesia e os Senhores JAOD, que exerce as de Presidente de Junta e o Senhor HGR, que exerce as funções de Presidente da Assembleia de Freguesia, estes dois pelo Partido Social Democrata.
-
- Desde então e nos termos do art.º11, nº1 da Lei 75/2013 de 12 de Setembro, que a Assembleia de Freguesia tem reunido ordinariamente nos meses de Abril, Junho, Setembro e Novembro ou Dezembro.
-
- Em 21 de Dezembro de 2013, os eleitos locais daquela freguesia aprovaram nos termos do artº 10º nº 1, al. a) daquela lei, o Regimento da Assembleia de Freguesia de Molelos, que se junta como Doc. n.º 1 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.
-
- Que regula e tem regulado desde então o funcionamento daquele órgão.
-
- Desde que foi eleito em 2013 que o Réu tem exercido as suas funções de eleito local, vogal da Assembleia de Freguesia de Molelos.
-
- O Réu é também diretor da publicação trimestral gratuita propriedade da Casa do Povo de Molelos, AUGACIAR, Doc nº 2 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.
-
- Acontece porém que em Dezembro de 2015, na Assembleia ordinária da Assembleia do dia 21, o réu montou e colocou a funcionar para colheita de som e imagem uma câmara de filmar, para gravar a assembleia.
-
- Nenhum pedido de gravação foi feito chegar ao presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto, 9º - O presidente daquela Assembleia, HGR, na sua qualidade de presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto questionou de quem era a máquina.
-
- Ao que o Reu responder ser dele.
-
- O presidente da Assembleia de Freguesia pediu-lhe que a desligasse e este recusou fazê-lo, alegando ser “diretor do AUGACIAR”.
-
O presidente da Junta, no uso da palavra informou que não dava autorização pessoal para ser filmado.
-
- Após a abertura dos trabalhos da Assembleia o eleito local AF e RS usaram da palavra e questionaram sobre a qualidade em que o réu gravava, isto é, se enquanto eleito local ou enquanto diretor do Augaciar e se era ou não jornalista.
-
- Pela mesa da Assembleia ter dúvidas sobre a legalidade da gravação e filmagem, a sua eventual dupla qualidade de jornalista e eleito local e a falta de autorização da mesa para filmar, 15º - O presidente da mesa da Assembleia suspendeu então os trabalhos.
-
- Tudo conforme ata que se junta como doc nº 3 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.
-
- No dia 29 de dezembro, na continuação da AF, o réu persistiu no comportamento de montar uma máquina de filmar e começou a gravar, colhendo imagens e som dos trabalhos, ainda antes do início da assembleia.
-
- Informando que iria gravar na qualidade de diretor do Augaciar.
-
- Questionado sobre se estava identificado como jornalista, respondeu que não o era, mas sim diretor do Augaciar.
-
- Questionado sobre em que qualidade está na assembleia, se enquanto jornalista ou eleito local, remeteu sempre as suas respostas para “diretor do Augaciar”.
-
- O presidente da mesa, face às dúvidas que demonstrou ter sobre a legalidade da gravação e colheita de imagens, decidiu colocar o assunto à votação da assembleia, nos seguintes termos: “Quem é que é a favor que seja filmada ou gravada a reunião?”.
-
- Votação essa que obteve um voto a favor da eleita EP e os votos contra de HGR, RS, RC, AF e RL.
-
- O réu recusou-se a votar a questão, por considerar se tratar de uma proposta ilegal.
-
- E continuou a gravar e colher imagens com a câmara de filmar.
-
- Face a tal deliberação e porque o Reu/requerido persistia em continuar a filmar, contrariando a deliberação, e por entender o Presidente da Assembleia que os trabalhos estavam a ser perturbados, solicitou a presença da GNR.
-
- Que compareceu no local.
-
- E questionaram os agentes ao eleito local, ora réu nos presentes autos, se tinha credencial para poder gravar e filmar.
-
- A GNR procedeu à sua detenção, com apreensão do material.
-
- E o réu acompanhou a GNR, saindo em conjunto da sala da Junta, onde decorriam os trabalhos da Assembleia.
-
- Tendo corrido posteriormente um inquérito judicial nessa sequência, na Comarca de Viseu, Tondela, com o nº 447/15.8GCTND, conforme melhor identificação no Doc nº 4 que se junta.
-
- Em que o réu foi acusado do crime de desobediência e condenado naquela comarca, havendo entretanto recorrido para o tribunal superior, da Relação de Coimbra, dessa sentença, aguardando a consequente decisão.
-
- Daquela reunião foi lavrada ata, que se junta como doc. nº 5 e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido.
-
- Aconteceu ainda que o Presidente da Assembleia de Freguesia de Molelos, convocou uma reunião ordinária para o dia 23 de Abril de 2016.
34 º - E novamente nessa Assembleia o réu montou e colocou a funcionar, para colheita de som e imagem, uma câmara de filmar, para gravar a assembleia, ainda antes do seu início.
-
- O presidente daquela Assembleia, HGR, por nenhum pedido de gravação lhe ter sido feito chegar, na sua qualidade de presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto, 36º - Questionou de quem era a máquina.
-
- Ao que o Réu acabou por responder ser dele.
-
- O presidente da Assembleia de Freguesia questionou o Réu se tinha credencial de jornalista, à semelhança de outros jornalistas que ali se encontravam, nomeadamente a Sra. D. MCR e o Senhor AP.
-
- Ao que o Réu respondeu que o presidente não sabia o que era uma credencial, acabando por nunca se identificar sobre a qualidade em que gravava e colhia imagens.
-
- Informado pelo presidente da Assembleia que se tivesse identificação de jornalista podia continuar com a gravação e se não e tivesse e estivesse ali na qualidade de eleito local, deveria desligar a máquina.
-
- Recusou desligar o equipamento, respondendo que estava na qualidade de eleito local.
-
- e que “o senhor presidente e o juiz de Tondela nada sabiam sobre incompatibilidade de estatutos e órgãos de soberania.” 43º - Alegando que os dois cargos são compatíveis, não havendo incompatibilidade.
-
- O presidente retorquiu, informando que tem consigo um parecer da Anafre, a solicitação da Junta, e outro da CCDRC que confirmam a impossibilidade legal da gravação que o réu pretendia efetuar, na qualidade de eleito local, exibindo-os, conforme doc nºs 6 e 7, que se juntam e cujo conteúdo de dá aqui como integralmente...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO