Acórdão nº 00490/16.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução10 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: M... – Sociedade de Empreitadas, SA.

(R. …) e L... – Engenharia e Construções, SA (Edifício Grupo L...,) recorrem de sentença do TAF de Coimbra, que julgou improcedente pretensão em processo cautelar intentado contra Águas de Coimbra, E.M.

(R. ….

).

As recorrentes concluem: 1. Ao contrário do que pressupõe a sentença recorrida, inexiste ato de acionamento das garantias bancárias: o que sucede é que a sua emissão é provável (risco sério, atual e iminente) e, uma vez efetivada, é consumadamente lesiva dos interesses da requerente M... (que prestou as garantias bancárias), logo, impõe-se que seja assegurada a tutela cautelar efetiva da pretensão trazida a juízo.

  1. O Tribunal a quo decide que “(…) o pedido de proibição de acionamento e cumprimento das garantias bancárias terá sempre de ser indeferido (…)”; no entanto, se esse cumprimento, ou seja, o pagamento das garantias bancárias pelo Banco garante, nunca foi solicitado pela Requerida (junto da entidade bancária), somos forçados a concluir que se julga coisa diversa da que foi pedida pelas requerentes.

  2. Aliás, não sendo parte na relação procedimental e material configurada pela atuação da Entidade Requerida de 22/06/2016, que se afronta, o Banco garante nem sequer tem legitimamente para figurar nestes autos como Parte, como sucede nos casos citados pelo Tribunal a quo e sucederia se o nosso caso tivesse idêntico recorte jurídico.

  3. O Tribunal a quo julga, pois, em nulidade, simultaneamente, por deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (mérito ou critérios da ação cautelar), e, assim, por condenar em objeto diverso do pedido - cfr. art. 615.º, n.º 1, als. d) e e), aplicável ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA.

  4. Caso se entenda que a sentença recorrida não é nula, como vimos de afirmar, tem necessariamente que concluir-se que o Tribunal a quo decide em erro manifesto de julgamento, por violação do art. 120.º, n.º 1 do CPTA, já que inexiste qualquer obstáculo processual ao conhecimento do mérito da pretensão cautelar deduzida e o Tribunal a quo devia ter conhecido dos critérios legais das providências cautelares, o que se impõe, em revogação da sentença recorrida.

  5. Sem conceder quanto ao que vimos de expor, não pode olvidar-se que alegámos como causa de pedir a nulidade da atuação administrativa: a um passo, por força da indeterminação e ininteligibilidade da mesma, e, inclusive, alegámos a violação da boa fé e da confiança na execução do contrato, pela Entidade Requerida; 7. A outro passo, por preterição de todas as formalidades legais essenciais à realização da alegada vistoria da obra pela Requerida, que impediram que as requerentes nela participassem e exercessem os seus direitos ao contraditório e defesa, formalidades que são garantias legais essenciais do empreiteiro e cuja omissão implica inclusive a inversão do ónus da prova quanto ao incumprimento contratual invocado para acionar a caução, tudo isto alegado no ri.

  6. Posto isto, em primeiro lugar e nos termos do art. 112.º, n.º 2 do RJEOP, decorre à evidência do alegado que a suposta obrigação contratual que o dono da obra diz estar em falta não é líquida nem certa, porque a Entidade Requerida não concretiza as supostas reparações a efetuar, impedindo com isso que as requerentes possam ajuizar se as mesmas são ou não da sua responsabilidade, nem, por outro lado, quantifica o valor dos trabalhos correspondentes a esses pretensos defeitos da obra.

  7. É, pois, ostensivo que, no caso vertente, nunca poderia nem poderá a Entidade Requerida executar as garantias bancárias existentes a título de caução sem que antes haja decisão judicial definitiva (na ação principal) que decida sobre o mérito do litígio que opõem as partes, tornando-se líquidas e certas, em sede judicial, as alegadas obrigações contratuais em falta.

  8. Assim, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento, por violar ostensivamente os arts. 112.º, n.º 2 do RJEOP e 120.º, n.º 1 do CPTA, merecendo ser revogada.

  9. Sem conceder quanto ao que vimos de alegar, em segundo lugar, não pode admitir-se uma solução de jaez puramente civilista como a que vem vertida na sentença quando estamos perante o exercício da função administrativa, olvidando-se assim toda a dogmática do direito administrativo, mormente de que aquela função é, ao contrário da atividade dos entes privados, balizada, em toda a sua extensão, pela lei e pela Constituição da República (cfr. art. 266.º da CRP) e tem que ser, à luz destas e também em toda a sua extensão, fiscalizada.

  10. Não pode, portanto, entender-se que uma vontade administrativa (pública) formada em nulidade, pelas motivações que se alegam e demonstram (pense-se até, em abstrato, num ato praticado em desvio absoluto de fim, num ato que constitua crime), seja exercida, produza e esgote os seus efeitos sem poder ser sujeita à sindicância jurisdicional que a CRP garante em relação a todas as atuações administrativas – cfr. arts. 266.º e 268.º, n.ºs 3 e 4 da CRP.

  11. Por outras palavras, não pode admitir-se que uma obrigação contratual inexistente – declarada em atuação administrativa que é nula pelos motivos que alegámos à saciedade no ri. – determine inelutavelmente o acionamento das garantias bancárias.

  12. Em suma, atenta a causa de pedir, o Tribunal a quo não podia deixar de considerar estar-se, notoriamente, perante uma situação excecional que obstaculiza ao pretenso caráter imediato e autónomo da garantia bancária, razão pela qual a decisão recorrida incorre em erro de julgamento e viola, a este passo, os arts. 266.º e 268.º, n.ºs 3 e 4 da CRP e 120.º, n.º 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação.

  13. Por fim, temos que a Entidade Requerida invocou, na sua oposição e a título de abuso de direito, a questão da natureza da garantia bancária, enquanto exceção perentória à pretensão das requerentes, à qual estas responderam (mediante requerimento datado de 04/11/2016), vendo, contudo, esse segmento da resposta considerado como não escrito pelo Tribunal a quo (despacho de 08/11/2016), o que não pode conceber-se.

  14. Isto não só porque a matéria em causa revelou-se determinante da decisão recorrida e porque o Tribunal conheceu, ainda que sumariamente, os argumentos trazidos aos autos pela Requerida quanto à mesma, mas ainda e concomitantemente porque não se vislumbra, em concreto, motivo que possa obstar à consideração da resposta das requerentes, mormente uma urgência processual que tal impedisse.

  15. Deste modo, a sentença recorrida configura uma decisão-surpresa e viola os princípios processuais do contraditório e da igualdade de armas e os arts. 6.º do CPTA, 3.º, n.º 3 e 4.º do CPC (ex vi art. 1.º do CPTA) que os consagram e merece ser revogada.

    Contra-alegou o recorrido, acabando por concluir “que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por ser de INTEIRA JUSTIÇA!”.

    *A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de não provimento do recurso.

    *Dispensando vistos, cumpre decidir.

    *Os factos...

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