Acórdão nº 02575/16.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução24 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: LD (R. …), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, inconformado com a improcedência da acção intentada contra Ministério da Administração Interna (Praça …), acção para impugnação de decisão do Secretário de Estado da Administração Interna, de 16/05/2016, versando concessão de pedido de protecção internacional apresentado pelo Requerente.

O recorrente formula as seguintes conclusões: 1º A decisão recorrida fixou a sua apreciação no facto de saber se deve, ou não, considerar-se que o Requerente reúne os requisitos para a concessão de asilo, na modalidade de proteção subsidiária ou por razões humanitárias.

  1. A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, revogando as Leis n.ºs 15/98, de 26 de Março, e 20/2006, de 23 de Junho.

  2. De acordo com o disposto no artigo 3.º, da Lei n.º 27/2008 de 30 de Junho, na redação dada pela Lei n.º 26/2014, de 05 de Maio, o direito de asilo é garantido aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

  3. Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento, ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.

  4. A concessão da autorização de residência por razões humanitárias depende da verificação dos pressupostos previstos no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redação dada pela Lei n.º 26/2014, de 05 de Maio, norma que, sob a epígrafe “proteção subsidiária”, estabelece o seguinte: «1 - É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

    2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

    3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior» Por seu turno, refere o artigo 5.° da Lei n.°27/2008, de 30 de Junho no n.° 1 que “Para efeitos do artigo 3.°, os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.” Estabelecem o n.° 2 e 4 do indicado preceito legal, designadamente, o seguinte: “2- Os actos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as formas: de actos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual ou actos cometidos especificamente em razão do género.

    (…) 4. Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os actos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de protecção em relação a tais actos”.

  5. O artigo 6.º, sob a epígrafe “Agentes da perseguição”, para o qual remete o n.º 3, do supra transcrito artigo 7.º, estipula: «1 - São agentes de perseguição: a) O Estado; b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território; c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b), são incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.

    2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adoptem medidas adequadas para impedir, de forma efectiva e não temporária, a prática de actos de perseguição, por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva.» 7º Quanto ao ónus da prova, o artigo 18º, nº 4 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, estabelece, como regra geral, que as declarações do Requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito.

  6. Analisada a decisão que recaiu sobre o pedido de asilo formulado pelo Requerente, constata-se que o pedido foi objeto de indeferimento, por se considerar que a situação relatada pelo Requerente, atentas as declarações prestadas, não poderia ser subsumida às situações previstas nos art.ºs 3º e 7º da Lei n.º 27/2008, o que não pode suceder tendo em conta os relatos do próprio Recorrente e o conhecimento da situação política existente na Gâmbia.

  7. Entendeu-se, para tanto, que apesar de a Gâmbia se revelar frágil em matéria de proteção dos direitos humanos, os motivos invocados pelo Requerente para o abandono do seu país de origem, prendiam-se essencialmente com o receio de ser preso, em resultado de aplicação de medida punitiva por ato considerado negligente no exercício das suas funções policiais, dado não ter permitido a fuga de presos detidos no seu período de turno policial, sem no entanto valorizar o facto de o Recorrente ter referido de forma clara que não tinha qualquer problema em assumir as suas responsabilidades, mas que sabe perfeitamente que foi objeto de uma cilada, com vista à sua punição pelo facto de ser apoiante e familiar dos opositores ao regime.

  8. Como se salientou, um dos pressupostos de concessão da autorização de residência por razões humanitárias, prevista no normativo supra citado, respeita, assim, à sistemática violação dos direitos humanos ou ao risco de sofrer ofensa grave.

  9. Ora, a mera circunstância de o Requerente poder vir a responder perante as instituições legais da Gâmbia por eventual falha no cumprimento dos seus deveres profissionais enquanto polícia, não permite, por si só, concluir pela verificação dos requisitos impostos quer pelo art.º 3º quer também pelo art.º 7º da Lei n.º 27/2008, mas a aferição do facto de o mesmo ter sido objeto de uma cilada, por ser um familiar e apoiante dos opositores ao regime deveriam ao abrigo das regras de experiência comum ter sido suficientes para com convicção decidir em sentido contrário.

  10. É certo que, entretanto, e já por via da presente ação, procurou o Requerente conexionar os factos inicialmente relatados perante as autoridades administrativas, com um eventual intuito de perseguição política, subjacente à situação de fuga de detidos, apresentando em Tribunal a tese de que os eventos relatados (fuga dos detidos e a responsabilização do Requerente pelo sucedido) teriam sido – por assim dizer – engendrados pelos superiores hierárquicos do Requerente, por forma a o incriminar, tudo por razões políticas, e por parte do regime do presidente YJ, em virtude de familiares do Requerente serem opositores políticos de tal regime.

  11. Porém, a decisão recorrida entende quanto a esta tese, para lá de as declarações inicialmente prestadas pelo Autor não terem ido nesse sentido (o Autor limitou-se a afirmar que, apesar de ser militante de um partido, não era um militante ativo, nada resultando das declarações prestadas que a sua responsabilização pela fuga dos detidos tivesse qualquer correlação com eventuais razões de perseguição política), certo é que não foi oferecida qualquer prova tendente a demonstrar a tese que o Autor procurou fazer valer em Tribunal, tanto mais que as declarações inicialmente prestadas pelo Autor em sede administrativa se mostraram globalmente congruentes e credíveis.

  12. Para além deste circunstancialismo, a decisão recorrida de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT