Acórdão nº 02516/15.3BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | H |
Data da Resolução | 10 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Freguesia de Riba D’Ave Recorrido: AMC e outros Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que deferiu providência cautelar, impondo à Freguesia de Riba D’Ave o dever de “abster-se de proceder à utilização do espaço correspondente à área de alargamento do cemitério para fins cemiteriais”.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “Conclusões 130.
A sentença recorrida – salvo o devido respeito - parece querer percorrer o caminho mais fácil, que é dar como provado o primeiro requisito cautelar, relativo ao fumus boni iuris, ao considerar que a Recorrente procedeu à ampliação do cemitério sem que previamente tivesse praticado o acto administrativo de escolha e afectação do terreno para essa finalidade, evitando assim ter se pronunciar sobre os requisitos do periculum in mora e, não menos importante no caso em apreço, sobre a ponderação dos interesse em jogo.
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E apesar de a Lei considerar a aplicação deste requisito manifestamente excepcional, a sentença recorrida fê-lo, dispensando a produção de prova testemunhal e a inspecção judicial ao local.
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Tanto a jurisprudência como a doutrina entendem que, nesta sede de ilegalidade simples e evidente, deve ser recusada a providência cautelar se o tribunal concluir que existe o risco sério de a mesma causar um prejuízo excepcional ao interesse público (art.º s 45.º, n.º 1, e 120.º, n.º 5 do CPTA) ou se a entidade requerida demonstrar que existe o risco sério de se provocar um grave prejuízo àquele interesse (art.º s 163.º, n.º 1 e 120.º, n.º 5 do CPTA) (Por todos, o Acórdão. do STA de 6.3.2007, Rec. n.º 01143/06).
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Não se compreenderia, dum ponto de vista lógico e ao abrigo do art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil, que fosse possível desconsiderar na tutela cautelar um excepcional ou grave prejuízo para o interesse público que se teria de considerar na tutela principal.
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Ora, no caso em apreço, não só inexiste esta evidência de invalidade ostensiva ou grosseira, na medida em que, como se demonstrará, foram diversos os actos praticados pela Recorrente – dados como provados – que confirmam a legalidade da sua actuação, como se verifica um grave prejuízo para o interesse público que não foi considerado na sentença recorrida.
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Resulta dos factos dados como provados que a Recorrente cumpriu de forma escrupulosa todos os procedimentos exigidos legalmente; ou seja, não só praticou os actos necessários à escolha do terreno, como praticou sucessivos actos administrativos de afectação do terreno para a finalidade pretendida.
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E resulta ainda que o actual espaço do cemitério implicou um enorme investimento para a Freguesia e é o único que tem lugares disponíveis para sepultar os cidadãos da Vila de Riba D´Ave que venham a necessitar.
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A sentença recorrida dá como provados um elenco de 26 factos que descrevem a actuação da Recorrente para implementar o alargamento do cemitério da Freguesia. No fundo, a própria sentença descreve o procedimento administrativo seguido pela Recorrente como sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação, manifestação e execução da sua vontade, (art.º 1 do CPA de 1991).
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Sendo o primeiro facto dado como provado, a aquisição, por escritura pública de 15 de Outubro de 2008, de um prédio urbano sito no Lugar da Igreja, contíguo ao cemitério, para uma futura ampliação deste.
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Não há dúvida que essa deliberação se caracteriza como um acto administrativo; pelo que – com o devido respeito – não se compreende a conclusão a que chegou a decisão recorrida, “ (…) sem que previamente tivesse praticado o acto administrativo que legalmente se impunha de escolha e afectação do terreno a essas mesmas finalidades”.
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E mais, através destas deliberações, concretizadas na escritura pública de compra e venda, a Junta de Freguesia auto vinculou-se a destinar aquele terreno, em exclusivo, para aquela finalidade que é de interesse público.
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Na Constituição da República Portuguesa, o art. 84º aludindo ao domínio público, prevê no n.º 1 bens que pertencem a esse domínio, permitindo o n.º 2 que a lei defina quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.
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Ou seja, a dominialidade de certos bens pode resultar, desde logo, de disposição legal. A lei não contém qualquer definição de domínio ou coisa pública, ao contrário do que acontecia no art. 380.º do Código Civil de 1867.
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O art. 202.º, n.º 2 do Código civil limita-se a prescrever que as coisas do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de direitos privados.
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Segundo MARCELO CAETANO, “as coisas públicas são as coisas submetidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público e subtraídas ao comércio jurídico privado em razão da sua primacial utilidade colectiva”(2).
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Portanto, a lei ordinária, por deferência da Constituição, pode, desde logo, definir os bens que integram o domínio público. Não sendo o bem classificado por lei como pertencente ao domínio público, importa averiguar se o bem está afectado à utilidade pública que consiste na aptidão para satisfazer necessidades colectivas.
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Destarte, a atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários dos seguintes requisitos: a) a existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público; b) a declaração que certa e determinada coisa pertence a essa classe; c) a afectação dessa coisa à utilidade pública, ou seja, aplicação do imóvel ao fim de utilidade pública justificativo da dominialidade (no caso, aquisição para alargamento do cemitério)(3) 8.
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Assim, como afirma o distinto Professor, a afectação é o acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública. E pode resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a inauguração) ou numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.
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No mesmo sentido, DURVAL FERREIRA, ao considerar que, para além dos bens de domínio público por natureza (segundo a Constituição ou a Lei), um bem ingressa no domínio público se, correspondendo a um tipo legal, estiver afectado de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhe está inerente; por acto de afectação da Administração (expresso ou tácito) ou ainda por posse imemorial (4).
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E mais: “Se o ingresso radica num acto expresso ou tácito da Administração (incluindo um apoderamento possessório ou dicatio ad patriam), tal afectação é um poder discricionário da Administração, não cabendo aos Tribunais sindicar a conveniência ou oportunidade do interesse colectivo ou público a ser satisfeito.” O grau de interesse determinante do acto administrativo da afectação entra na esfera da discricionariedade administrativa.
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Ora, no caso em apreço, a afectação do terreno para fins cemiteriais iniciou-se com o acto aquisitivo para esse fim, mas, subsequentemente, a Junta de Freguesia praticou um conjunto de actos – dados como provados na sentença recorrida – que concretizaram a referida afectação.
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E daí a nossa discordância com a douta sentença recorrida, ao considerar que este bem integrará o domínio privado da Freguesia! 152.
Destarte, não se pode afirmar, como o faz o Tribunal a quo, “(…) que toda esta actividade é desenrolada sem que tenha existido qualquer acto administrativo determinando a afectação do terreno que havia sido adquirido à utilização para fins cemiteriais (…)”.
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A jurisprudência, bem como a doutrina, têm considerado, de forma consensual e em sentido oposto ao da sentença recorrida, que a afectação e a integração de um terreno com fins cemiteriais no domínio público não carece da prática de qualquer acto específico, mas que opera com a prática de actos próprios dessa finalidade, como a realização de enterros, etc. (processo n.º 790/08.2 TVPRT.P2).
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É assim pacífico - tanto na doutrina como na jurisprudência - o entendimento de que os cemitérios - quer os municipais quer os paroquiais - são bens do domínio público, qualidade essa que resulta dos mesmos pertencerem a uma autarquia local, de se destinarem à inumação de todos aqueles que falecerem na circunscrição onde se situam e de serem de acesso livre: “ É certo que a lei atribui aos municípios, através das câmaras municipais, ou às freguesias, através das respectivas juntas, conforme se trate de cemitérios municipais ou de cemitérios paroquiais, a competência para conceder terrenos nos cemitérios para jazigos, mausoléus ou sepulturas perpétuas (art.º s 34.º, n.º 6, alínea d) e 68.º, n.º 2, alínea r), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/1). Os cemitérios são, assim, bens do domínio público da respectiva autarquia (…) ” (5).
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Por outro lado, a sentença recorrida dá como provado que, em 11 de Maio de 2010, a Junta de Freguesia, (no cumprimento do disposto no art.º 1 do Decreto n.º 44220, de 3 de Março) solicita, à CCDRN, uma vistoria que avalie o terreno adquirido para fins cemiteriais. (Ponto 5) 156.
Tendo a Recorrente praticado todos os actos exigidos por Lei para a escolha e implantação das estruturas necessárias às actividades cemiteriais, seguindo um verdadeiro procedimento administrativo (art.º 1 do CPA), devidamente organizado e encadeado, que a sentença dá como provado, mas que não reconhece:
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A aquisição do terreno foi feita em 15 de Junho de 2008 na sequência das deliberações da Junta e Assembleia de Freguesia. Presidiu à sua escolha a sua centralidade e a proximidade ao cemitério actual e à capela mortuária, que dista a 3m e à Igreja, que dista a 50m.
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Com vista à prossecução desta obra, aos dias 5 de Maio de 2010, a...
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