Acórdão nº 00902/07.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO ASL e mulher, ACS, residentes na TM, Lote 23, nº 81, lugar do A..., freguesia de Q..., Fafe, instauraram acção administrativa comum, com processo ordinário, contra EP-Instituto de Estradas de Portugal, AENOR-Estradas do Norte, e NORACE-Construtora das Auto estradas do Norte, A.C.E., formulando os seguintes pedidos: “a) Serem as Rés condenadas a reparar, solidariamente, os danos supra alegados provocados no prédio dos Autores; ou b) Serem as Rés condenadas a pagar aos Autores a quantia de 10.164 € a título de danos patrimoniais destinada a reparar os danos supra descritos causados no prédio daqueles; c) Ser a Ré condenada a pagar a quantia de 10.000€ aos Autores, pelos danos não patrimoniais sofridos durante a execução das obras de reparação dos prédios; d) Ser a Ré condenada no pagamento das custas e demais encargos legais.” Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões: 1 – De acordo com o teor da matéria assente, resultou provado a existência de um conjunto de patologias no prédio dos recorrentes – pontos 20 e 21 da matéria assente; a boa qualidade e características da construção do prédio dos recorrentes – ponto 19 da matéria assente; o desgosto e tristeza dos recorrentes em face das patologias assim como os incómodos que irão sofrer com a sua reparação – pontos 22 e 23 da matéria assente; o Mm.º Juiz “a quo” teria que ter decidido de forma diversa; 2- As recorridas apenas provaram que “a actividade de desmonte de rochas foi objecto de acompanhamento permanente por um coordenador de segurança, que verificou o cumprimento integral de todos os procedimentos de segurança” – ponto 29 da matéria assente – não é suficiente para se concluir que aqueles conseguiram demonstrar as causas de exclusão da culpa, a que, respectivamente, fazem referência a parte final dos n.ºs 1 e 2 do art.º 493.º do Código Civil; 3 – Assim, as recorridas não provaram que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos – existentes na habitação dos recorrentes – se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua; 4 – Não provaram também que empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir; 5 - E nem o facto de a actividade de desmonte ter sido acompanhada por um coordenador de segurança, que verificou o cumprimento integral de todos os procedimentos de segurança, é suficiente para demonstrar que tais procedimentos foram observados; 6 - Pelo que, as recorrentes não conseguiram ilidir a presunção de culpa que sobre aquelas recaía, e por isso a acção teria que proceder; 7 - Atento o disposto no art.º 22.º da CRP, o art.º 8.º, do Decreto 48051, de 21 de Novembro de 1967, o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes da actividades excepcionalmente perigosas; 8 – Tal responsabilidade apenas não ocorrerá se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um; 9 - A responsabilidade pelo risco do Estado e demais pessoas colectivas pública existe desde que se verifiquem os seguintes elementos especificados naquele preceito; 10 – A ocorrência de prejuízos especiais ou anormais; que tais prejuízos sejam devidos ao funcionamento de serviços ou ao exercício de actividades excepcionalmente perigosas; e, que ocorra inexistência de caso de força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades; 11 – Assim, merecem tutela os danos provocados por uma actividade que, objectivamente, encerre um perigo que exceda o que é normal na actividade administrativa e que recaiam apenas sobre um único cidadão ou um grupo restrito de cidadãos e que pela sua intensidade ou volume se distingue dos que são normalmente suportados pelo cidadão comum; 12 - Outrossim, para que exista responsabilidade pelo risco é também necessária a consciência desse risco pelo agente causador dos danos, com imposição lícita de sacrifícios, com vista à prossecução de um interesse público mais valioso do que o interesse privado sacrificado; 13 - Assim, com a fundamentação de facto contida na sentença recorrida, impunha-se que a questão sub judice fosse apreciada pela Mm.ª juiz “a quo” à luz das regras da responsabilidade civil objectiva; 14 – A actividade desenvolvida pelas recorridas – a qual recorre a uma intensa e esforçada utilização de máquinas de grande força e porte, com vista a alterar o relevo de uma determinada zona, desmontando maciços rochosos duros e consistentes, usando para o efeito explosivos em várias ocasiões – configura, inelutavelmente, uma actividade perigosa pela sua própria natureza e dos meios que emprega; 16 - A remissão expressa do art. 4°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 48.051 para o art. 487° do CC abrange também o n.° 1 deste último artigo e daí a admissão de presunções legais de culpa, entre as quais se inclui a do art. 493°, n.° 2 do CC, pelo que há responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública; 17 - Sendo certo que, para beneficiar dessa presunção basta ficar demonstrada a realidade dos factos que servem de base aquela para que se dê como provada a culpa a quem é imputada a prática dos factos causadores dos alegados danos, cabendo-lhes ilidir tal presunção mediante a prova do contrário; 18 - As recorridas tinham o ónus de provar a adopção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem susceptíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, e que não conseguiram; 19 - Ora, de acordo com a fundamentação de facto adoptada pela sentença, e a sua plena integração nos conceitos expostos de anormalidade e especialidade que assumiram os prejuízos sofridos pelos recorrentes, os quais se demonstraram, impunha-se a condenação das recorridas e não a sua absolvição; 20 – Por outro lado, os direitos de personalidade, conforme dispõe o art° 70 do C.C. e art° 66° n° 1 da C.R.P., gozam de protecção legal, mormente o direito ao repouso e a um ambiente sadio, sendo certo que a sua ofensa poderá dar lugar a indemnização, ou outro tipo de prestação de facto, a favor da pessoa ofendida, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual - art° 70° e art° 483° n° 1, ambos do C.C. - definindo este último os pressupostos da obrigação de indemnizar; 21 - Sendo certo que quando se fala de saúde não se pode deixar de ter em vista também as realidades que lhe são co-envolventes, como o sossego, o descanso, o lazer, o sono reparador, o ar puro, o ambiente sadio; 22 - A sentença recorrida, cingindo-se à apreciação da licitude da conduta das recorridas, não ponderou os efeitos que verdadeiramente decorrem dos sacrifícios nos seus direitos fundamentais que os recorrentes padeceram; 23 - Sendo certo que tais sacrifícios implicam o dever de indemnizar os recorrentes, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967; 24 - Assim, a sentença recorrida violou, para além de outros, o disposto nos art.ºs 22.º da CRP, 4.º, 8.º e 9.º do Decreto 48051, de 21 de Novembro de 1967, 664.º do CPC, 70.º, 72.º, 483.º, n.º 1, 487° e 493.º, do CC 6º, e 29º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Termos em que deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a acção procedente, por provada, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão JUSTIÇA As Rés contra-alegaram e concluíram que: 1. O alegado pelos Recorrentes, no que se refere à existência de erro judiciário, encontra-se clamorosamente carenciado de qualquer fundamento, porquanto, a circunstância de o Tribunal a quo não se ter pronunciado, expressamente, sobre o mencionado pedido não determina, de todo, a violação do artigo 664º CPC. Não só o tribunal a quo, expressa e meticulosamente, examinou a existência de todos os institutos de responsabilidade legal como analisou, a existência/ou não, de todos os possíveis requisitos de qualquer desses institutos.

  1. Pelo que, falecendo, em sede probatória, os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo causal, ficou esvaziada de todo e qualquer conteúdo útil a hipótese de existência de responsabilidade extracontratual das aqui Recorridas, por factos ilícitos, por factos lícitos e pelo risco.

  2. Como competia aos Recorrentes, na qualidade de alegados lesados, demonstrar a existência de todos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil (artigo 342º do Código Civil), e não o lograram fazer, não existe fundamento para a existência de responsabilidade por factos ilícitos.

  3. No que concerne à alegada existência de danos não patrimoniais, sublinhamos que este é apenas um dos requisitos cumulativos que têm de se encontrar preenchidos para que existisse qualquer tipo de responsabilidade, o que não se verifica no caso. Não obstante, importa atender ao regime específico previsto no artigo 496º, nº 1 do Código Civil. Decorre do referido preceito legal que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos (ou seja, de uma sensibilidade particular ou especialmente requintada).

  4. Nesse sentido, os meros desconfortos, incómodos ou contrariedades não legitimam uma indemnização por danos não patrimoniais. Dos factos provados, não resulta sequer uma mínima ofensa ao bem-estar ideal dos mesmos. De facto, quanto muito estaríamos perante...

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