Acórdão nº 00728/17.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A Herança Jacente de MVNC, representada pela cabeça-de-casal MAVSCR, residente na Rua …, Maia, requereu o decretamento de providência cautelar contra PMSCS, residente na Travessa …, Porto, pedindo que seja condenada a abster-se de praticar quaisquer actos sobre o jazigo em causa e a devolver à herança quaisquer chaves que detenha que permitam o acesso às urnas, bem como a pagar uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a 100€ por cada dia de atraso na entrega das chaves que possua e por cada acto praticado sobre o jazigo.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto e com fundamento na incompetência em razão da matéria do Tribunal, foi rejeitado liminarmente o requerimento inicial.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões: 1) A decisão ora recorrida viola as normas constantes dos artigos 3.º, 96.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) do CPC, 2.º, n.ºs 1 e 2, als. f), h) e q), 112.º, 113.º, 114.º, n.ºs 3, al. f) e 5, e 116.º, n.ºs 1 e 2, als. d) e f), do CPTA, 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF, 20.º, 209.º, 211.º, n.º1 e 212.º, n.º 3 da CRP.

2) Com efeito, não existe fundamento para a rejeição liminar do requerimento apresentado pela Apelante por via do artigo 116.º, n.ºs 1, als. d) e f) do CPTA.

3) A jurisdição administrativa e fiscal é verdadeiramente a jurisdição competente para a presente controvérsia.

4) Na verdade, ao contrário do que defende a sentença recorrida, não é “inequívoca” a titularidade da Apelante sobre o jazigo em litígio.

5) A R. tem vindo a arrogar-se de proprietária do mesmo, o que resulta claramente dos factos invocados no requerimento, e do documento que ora se junta ao abrigo do artigo 425.º do CPC, ex vi art. 140.º, n.º 3, do CPTA.

6) Desta forma, verifica-se dúvida sobre a validade de um título atribuído pela Junta de Freguesia de Milheirós, ao abrigo da sua competência prevista no artigo 16.º, n.º 1, al. gg), da Lei 75/2013.

7) Manifestando a Apelante, no seu requerimento inicial, a intenção de propor acção administrativa comum de modo a ficar resolvido de modo definitivo o conflito, e convencida a R. da titularidade do direito.

8) Tal acção será sempre da competência da jurisdição administrativa e fiscal, ao abrigo dos artigos 212.º da CRP, 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF e 2.º, n.º 2, als. f) e h) do CPTA.

9) Com efeito, estar-se-á perante relação juridica administrativa, uma vez que a legitimidade do direito da Apelante depende da validade e certeza de um título emanado pela Autoridade competente, título esse cuja força vinculativa se encontra posto em causa pelas atitudes e comportamentos da R.

10) Na verdade, os cemitérios são sempre domínio público, devido à sua natureza própria de afectação a fins de interesse da colectividade.

11) O que não invalida que possam partes dos mesmos ser cedidos a título perpétuo a particulares, nos termos da já referida Lei 75/2013.

12) Tem sido porém entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência nacionais (cf. os autores e arestos citados nas alegações que antecedem) que esta cedência constitui para o particular um direito real de natureza administrativa, não podendo os mesmos ser adquiridos por usucapião ou por qualquer outra forma de aquisição derivada ou originária, por não se tratar de um verdadeiro direito de propriedade em termos civis.

13) Isto porque os mesmos não são sequer susceptíveis de posse.

14) Não faz assim sentido a fundamentação avançada pela Senhora Juiz a quo, no sentido de que a pretensão, da forma como foi configurada e desenhada pela Apelante, deveria redundar numa acção de manutenção de posse ao abrigo do artigo 1281.º do Código Civil.

15) Não é este o expediente adequado, na medida em que não existe posse a defender, nem norma expressa que legitime a defesa da posse por mero detentor (v.g. artigos 1037.º, n.º 2 e 1133.º, n.º 2, do Código Civil), mas sim dúvida nascente do comportamento da R. sobre a titularidade derivada de concessão administrativa do direito, que urge trazer a juízo para que a mesma se quede por convencida.

16) Nestes termos, e de acordo com a doutrina exarada nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos que a própria sentença faz relevar, a jurisdição competente para julgar acção em que ambas as partes, ainda que particulares, se arroguem titulares de um direito de gozo sobre um jazigo localizado em cemitério público, por banda de título de concessão emitido pela administração pública a favor de um deles, é a jurisdição administrativa, ao abrigo da Lei 75/2013, do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF, e do art. 2.º, n.º 2, al. f) do CPTA.

17) Assim, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, al. q) do CPTA, também terá de ser necessariamente esta jurisdição a competente para julgar os procedimentos cautelares formados na dependência desta acção.

18) Conforme dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 11-09-2012, citado nas alegações, é aquela jurisdição competente para conhecer desta questão, bem como de todas as pretensões dela dependentes.

19) Tal não é mais que o afloramento de um princípio geral, de que o tribunal competente ratione materiae para a acção principal será necessariamente competente para conhecer também do procedimento cautelar – cf. por exemplo os artigos 117.º, n.º 1, al. c) da LOSJ, ou 32.º e ss. do Código de Processo do Trabalho.

20) Qualquer outra interpretação equivale a desrespeitar o direito constitucionalmente consagrado do acesso a uma decisão judicial que em tempo útil acautele os interesses do cidadão, nos termos do artigo 20.º da CRP, e a desrespeitar o princípio da economia processual.

21) Nem faria sentido intentar o procedimento cautelar para manutenção da posse, que já se argumentou ser impossível, perante o tribunal comum, para depois vir debater a titularidade do direito ao uso do jazigo perante o tribunal administrativo! 22) Até porque tal actuação causaria inevitavelmente a caducidade do procedimento cautelar cível, nos termos do artigo 373.º, n.º 1, al. a) do CPC.

23) E se a Senhora Juiz a quo entendesse que era necessário pedir também o reconhecimento, ainda que provisoriamente, do direito da Apelante sobre o jazigo, em cumulação com as restantes providências requeridas, sempre deveria ter recorrido ao expediente do artigo 114.º, n.º 3, al. f) e n.º 5 do CPTA, ordenando o aperfeiçoamento do articulado, e não ter de imediato rejeitado liminarmente o mesmo.

24) O que constitui violação de um princípio processual atinente ao processo civil, mas com necessárias ramificações para o contencioso administrativo – o da prevalência do fundo sobre a forma.

25) Não se verifica assim in casu a excepção de incompetência absoluta, que o tribunal recorrido invoca ao abrigo do artigo 96.º do CPC, nem qualquer razão para a decisão de indeferimento...

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