Acórdão nº 01495/07.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Viseu que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por J…, Lda.

contra as liquidações de IVA relativas a vários períodos de 2003 e 2004, dela interpôs recurso terminando as alegações com as seguintes conclusões: A.

Vem o presente recurso interposto do segmento decisório que decorre do conhecimento, pelo tribunal a quo, da questão relativa à errónea quantificação da matéria tributável, na sentença de 12/06/2016, que julgou parcialmente procedente a impugnação das liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2003 e 2004 (e respetivos juros compensatórios), anulando-as na parte referente às correções por métodos indiretos, por ilegalidade da quantificação da matéria tributável.

B.

É consabido que o procedimento de avaliação indiciária da matéria tributável assenta em duas fases: a da qualificação e a da quantificação. A fase da qualificação traduz-se na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiciários e agrega todo o processo de validação ou invalidação dos dados disponibilizados pelo contribuinte, incluindo a avaliação da qualidade das omissões ou incorreções verificadas, do ponto de vista da sua importância e extensão e a avaliação da credibilidade da escrita face a tais omissões ou incorreções e, consequentemente, da sua capacidade de transmitir ou emanar a verdade fiscal daquele contribuinte. Por sua vez, a fase da qualificação reporta-se à escolha de um método de quantificação da matéria coletável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes.

C.

Decorre da sentença ora em apreço, em sede de erro sobre os pressupostos para o recurso a métodos indiretos: “…a Administração Tributária cumpriu o seu ónus de demonstrar que estava legitimada a recorrer à avaliação por métodos indiretos, coligindo indícios objetivos e seguros de que a contabilidade da impugnante não merece credibilidade e não dispunha de elementos para apurar o valor das vendas omitidas…”.

D.

No que tange à alegada falta de fundamentação, esclarece a sentença ora em apreço: “… a Administração Tributária explicitou de forma clara e suficiente as razões pelas quais considerou que a contabilidade da impugnante não merecia credibilidade, as quais se reconduzem a: (i) omissão de compras e vendas; (ii) lançamentos financeiros não justificados; (iii) conta “Caixa” com um saldo credor em diversos momentos dos exercícios inspecionados; (iv) suprimentos não suportados em documentos idóneos… também explanou os motivos pelos quais estas irregularidades na contabilidade da impugnante impossibilitaram a comprovação e quantificação da matéria tributável, tendo sido necessário o recurso a métodos indiretos…De igual modo…enunciou e especificou os critérios de quantificação da matéria coletável em termos suficientes, precisos e sem qualquer obscuridade.” (o sublinhado é nosso).

E.

No que à fase da quantificação concerne, conclui a Mma Juíza a quo (que não vislumbra irregularidades na fase da qualificação), que “quanto à premissa utilizada para apurar o valor de realização – considerar que os montantes supostamente contabilizados como suprimentos dos sócios correspondem, na realidade, a vendas omitidas e, como tal, valor de realização – e que constitui um elemento essencial no apuramento da matéria tributável, a Administração Tributária não apresentou qualquer justificação.” F.

Atente-se, contudo, nos pontos 2.2 a 2.6 do item IV do relatório inspetivo (págs. 7/11 e 8/11 do dito, transcritos, alias, a fls. 8 e 9 da sentença aqui em apreço), nos quais se descreve pormenorizadamente como era artificiosamente movimentada a conta de caixa para obstar à existência de saldos credores; ou seja, a contabilidade da impugnante apenas revela a transferência de determinadas quantias (origem) mas não se faz prova da natureza dessas quantias, o que, aliado à envolvente do caso concreto em que está assente que houve efetivamente omissão de proveitos, afasta qualquer fundada dúvida sobre a quantificação.

G.

Poderia (e devia) a impugnante ter aproveitado para carrear matéria que permitisse melhorar o procedimento utilizado pela AT no projeto de relatório, fornecendo quaisquer outros dados que permitissem recurso a melhor métodos ou critério para atingir o objetivo da determinação da matéria tributável, provando eventual excesso na respetiva quantificação bem como outras ocorrências relevantes, mas, tendo tido essa oportunidade para o fazer, não parece tê-lo feito cabalmente nem da melhor forma:  não exerceu o direito de audição;  em sede de pedido de revisão da matéria tributável (Doc. 5 junto com a PI) e sem acrescentar qualquer prova documental, limita-se a afirmar que os suprimentos estão bem documentados (2003) e que os documentos em substância revelam a verdade material, de empréstimos de sócios à sociedade (2004);  juntou à PI o doc. nº 6 (entrada de caixa € 16500,00, valor entregue pelos sócios para reforço de tesouraria); contudo, como bem se faz notar na sentença aqui em apreço (fls. 27) “a impugnante não comprova que as quantias contabilizadas como suprimentos tenham sido efetivamente efetuadas, já que os documentos onde a impugnante alicerça a prova desses suprimentos [apenas junta um documento interno – folha de caixa e apenas relativamente aos efetuados no exercício de 2003], bem como a prova testemunhal não permitem aferir da veracidade desses suprimentos.” H.

Assim, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT neste assunto afigura-se, na generalidade e na circunstância, como consequência lógica, necessária, coerente e pertinente, pese embora melhorável.

I.

Não desconhece a Fazenda Pública o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o qual o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. art. 607º, nº 5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6); J.

Não podemos esquecer, contudo, que o contribuinte teria o ónus de provar a inexistência dos pressupostos legais para a tributação por métodos indiciários ou que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das regras apontadas pela fiscalização, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

K.

No caso dos autos a Impugnante não questiona o critério de quantificação utilizado; limitando-se a insistir que os sócios fizeram suprimentos à impugnante, destinando-se tais suprimentos a colmatar as dificuldades financeiras da dita.

L.

Da prova testemunhal produzida ressalta terem sido efetuadas várias entradas em dinheiro na conta caixa sem qualquer justificação, senão os designados suprimentos; não sendo possível aferir da veracidade de tais suprimentos, como se retira de fls. 27 da sentença aqui em apreço.

M.

Não se mostram igualmente registados na contabilidade nem tão pouco foram demonstrados acontecimentos relevantes a ponto de justificar uma acorrência de suprimentos à impugnante. Daí que a premissa de partida da AT se revele, atentas as particulares circunstâncias do caso, perfeitamente coerente com as regras da experiência comum: se entrou dinheiro na empresa (entradas concretamente reveladas na contra caixa), nada mais razoável do que assumi-lo como procedente da atividade efetivamente por esta exercida (compra e venda de veículos), mormente se tivermos presente o único documento apresentado pela impugnante para suporte da contabilização dos ditos suprimentos.

N.

Contudo, ainda que assumindo um valor de realização (com IVA incluído – cujo valor foi o considerado nas liquidações aqui impugnadas) coincidente com o dos alegados suprimentos, sempre teria a AT que alcançar (ainda que por métodos indiretos) o valor do proveito omitido, o que faz aplicando ao valor de realização (expurgado do IVA) o rácio da margem bruta da venda de mercadorias da impugnante para os exercícios em questão.

O.

Como se escreveu no Ac. do STA de 19/11/2014, P. 0407/12 “não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam.” Assim sendo, in casu, o que cabia também provar no âmbito do excesso na quantificação é que aqueles valores correspondiam efetivamente a suprimentos e para além disso, que tais valores estavam corretamente inscritos na contabilidade enquanto suprimentos de tal modo que a AT tinha perfeito conhecimento daqueles valores e da sua origem, e nessa medida, poderia e deveria ter sido considerado pela AT e excluído do cálculo.

P.

Também teria razão a Impugnante se em sede de comissão de revisão tivesse feito prova do excesso da quantificação e a AT não quisesse corrigir o apuramento da matéria coletável, passando a ser-lhe imputável tal erro.

Q.

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