Acórdão nº 01703/05.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO AOFN e outros melhor identificados nos autos vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 30 de Agosto de 2015 e que julgou improcedente a presente acção administrativa comum intentada contra Estradas de Portugal EPE, actualmente Infraestruturas de Portugal SA, INAG, actualmente Agência Portuguesa do Ambiente, Município de Anadia, MMCA e mulher, MACC e mulher, e onde concluem: “ …b. Pela Condenação solidária dos RR. a pagar aos Autores a quantia global de cento e trinta e sete euros e oitenta e dois cêntimos, para indemnização e ressarcimento integral de todos os danos morais e patrimoniais sofridos e a sofrer pelos Autores em consequência dos actos que vão descritos acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento… d. Pela condenação de todos os RR na medida das suas atribuições e competências a realizarem as obras necessárias a assegurarem o aumento do caudal necessário de escoamento, colocando mais manilhas com maiores dimensões sob a EN- 235.

e) Pela condenação dos casais A.. e C… a realizarem as obras necessárias para adequado e desafogado escoamento das ditas águas, condenando ainda estes casais a demolir todo o muro de vedação e a reporem o nível anterior do terreno para as cotas 21,6 a 21,9 por forma a que jamais possam voltar a impedir o escoamento natural e imediato das referidas águas que passam pela povoação de Canha e que deva escoar-se prosseguindo naturalmente para norte primeiro sob a EN 235 e de imediato sobre o prédio dos casais (A... e C...) ….

”.

Em alegações os recorrentes concluíram assim: 1 – Os ora recorrentes vieram pedir a condenação solidária dos réus, entre outros pedidos, no pagamento aos autores da quantia global de oitenta e seis mil euros, a título de indemnização e ressarcimento integral de todos os danos morais e patrimoniais sofridos em consequência dos prejuízos sofridos na sua residência, em janeiro de 2003, devido à subida das águas do rio Cértima e das águas pluviais.

2 – Isto porque, a Ré Estradas de Portugal, passou a implantação da EN1 / IC-2 para nascente do seu anterior traçado e implantação e subiu o nível da nova implantação em cerca de 1,35 metros, sem deixar qualquer tipo de aqueduto que permitisse assegurar o escoamento natural das águas pluviais e das provindas da eventual transbordância do rio Cértima.

3 - A mesma entidade procedeu à alteração do traçado e implantação da EN-235, que deixou de passar pelo centro da dita povoação de Canha, tendo até cortado o respectivo acesso ao actual traçado e implantação do EN-1/IC-2, e, em alternativa, foi implantado a norte de tal povoação, cruzando aí com a EN-1/IC-2 e que provinda de Aveiro (a EN-235) evolui até ao Luso, igualmente ao nível de cerca de um metro e trinta e cinco centímetros acima do nível dos terrenos adjacentes quer do lado sul quer do lado norte e sob a qual foi colocada só uma conduta de manilhas e apenas com o diâmetro de cerca de 60 cms.

4 - Com a construção do referido novo troço da EN-235, a norte da povoação de Canha, foi erguida uma barragem ao escoamento natural das águas de cerca de um metro e trinta e cinco centímetros de altura, ao longo de todo o topo norte de tal povoação.

5 - Este efeito de barragem só foi atenuado com a instalação de um tubo de manilhas com cerca de 60 cm de diâmetro com a entrada no topo sul a um nível de cerca de 20 cms acima do leito de uma regueira que contorna o prédio dos Autores a norte junta à EN-235 e que para aí conduz as águas cujo nível inferior (a sul) se situa 16 cms abaixo do nível de saída (a norte), contra o muro de vedação do dito prédio dos casais A... e C....

6 - Com o aterro do prédio dos casais A... e C... e com a construção do dito muro foi reforçado o efeito da dita barragem, quer porque o referido muro foi erguido sobre o talude lateral norte da EN-235 consumindo totalmente a ribanceira que existia para poente da saída das ditas manilhas, de tal modo que desse lado não restou espaço para qualquer regueira, quer sobre o talude lateral nascente, seja o adjacente à EN-235 e o adjacente à EN-1/IC-2 e assim (apenas para nascente da saída das ditas manilhas), deixaram um espaço entre tal muro e as ribanceiras da EN. 235 e do IC-2, manifestamente estreito que à data de 03.01.03 não permitia sequer uma inclinação de 45º de tais ribanceiras, sendo por isso insuficiente para assegurar o escoamento natural e imediato de tais águas pluviais, o que antes de tais obras nunca tinha acontecido.

7 - Os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento de Anadia enterraram as condutas de abastecimento de água a Sangalhos e a Avelãs de Caminho a cerca de 10 -15 cms abaixo do nível do leito da dita regueira que contorna o dito muro dos casais A... e C... junto à EN-235 e à EN-1/IC-2 e em pleno leito da regueira, junto à EN-1/IC-2 colocaram duas caixas em tijolo para controlo da rede pública de abastecimento de água a Sangalhos e a Avelãs de Caminho, o que também servia de barragem ao escoamento natural de tais águas.

8 - Na data dos ora em apreciação, estas caixas tinham sido substituídas por dois cilindros com cerca de 80 cms de altura e 20 cms de diâmetro, posicionados no mesmo sítio que foi das ditas caixas e que igualmente serviu de barragem ao escoamento das águas, sendo que nessa mesma data e para norte destes cilindros a regueira já há muito que não era limpa nem roçada, estando com muitas ervas e arbustos que continuam a impedir o escoamento das águas.

9 - O Instituto da Água (INAG) tinha a seu cargo a responsabilidade pela prossecução das políticas nacionais no domínio dos recursos hídricos e do saneamento básico, mas tinha descurado a limpeza do leito e das margens do rio Cértima que à data de 3-01-03 se encontrava a jusante (i. é: a norte) da povoação de Canha com barragens artificiais e inclusive com muitas árvores de grande porte caídas e reenraizadas no respectivo leito, o que impedia a circulação normal das águas e dos detritos que elas arrastaram.

10 - Na noite de 2 para 3 de Janeiro de 2003 choveu intensamente na região de Mealhada e Anadia, o nível das águas do rio Cértima subiu e já na madrugada do dia 03.01.03, numa curva a montante (ou seja: a sul) da povoação de Canha, começou a rebentar a margem de terra solta que aí havia sido colocada durante o Verão anterior e a partir daí, passou a transbordar e a inundar a povoação de Canha que assim em consequência necessária e directa das ditas obras realizadas quer pela C.M.Anadia. quer pelos dois casais A... e C..., quer pelos Serviços Municipalizados de Anadia, foi transformada na albufeira das ditas barragens e respectivos reforços construídos e as águas pluviais (quer as caídas no local, quer as provenientes do transbordo do rio Cértima) atingiram níveis superiores a 1,50 m de altura à frente da residência dos Autores.

11 - Em consequência de tal inundação, os autores ficaram em estado de choque e totalmente impedidos de sair da sua residência, uma vez que a inundação de águas e lamas alcançou o nível 50 a 70 cms, no interior do rés-do-chão da residência e garagem dos autores e atingindo cerca de 1,50 metros sobre o antigo leito da EN-1/IC-2.

12 - O que causou aos autores os danos e prejuízos que se encontram enunciados nos autos e que aqui se dão por integrados.

13 - As Estradas de Portugal, a Câmara Municipal de Anadia, o INAG e os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento de Anadia descuraram os seus deveres de vigilância no que tange às condições e modo como foi construído o dito muro pelos dois casais A... e C..., bem como da limpeza da dita regueira ou valeta que passa entre o prédio dos RR. e as ditas vias EN-235 e EN-1/IC-2.

14 - Ora, como é referido na Sentença em crise, o que está em causa nos presentes autos é aferir da responsabilidade civil extracontratual de entes públicos, sendo que a legislação aplicável à data dos factos era o DL. n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967, uma vez que estamos perante responsabilidade civil extracontratual de entidades públicas, designadamente, o disposto nos arts. 2.ºe 4.º, os quais apresentam como pressupostos, em geral, os estatuídos na lei civil, ou seja, no artigo 483º e seguintes do Código Civil.

15 – O Tribunal a quo absolveu os RR. por entender que não se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que o prédio dos autores estava localizado em área abrangida pelas cheias do rio Cértima e que o que tinha acontecido no dia em que ocorreram as cheias foi a precipitação na bacia do Águeda e do Cértima, anormalmente elevada e que os serviços dos réus, ora recorridos, não cometeram as omissões que lhes eram imputadas pelos recorrentes, absolvendo os mesmos dos pedidos.

16 - Ora, salvo devido respeito, existem nos autos elementos probatórios que “obrigavam” o Tribunal a quo a proferir decisão completamente diferente.

17 – De facto, da conjugação da prova testemunhal, com a prova documental que se encontra junta aos autos resulta, sem margem para dúvida, que para além dos factos dados como provados, o Tribunal a quo deveria ter também dado como assente que os novos traçados das estradas 235 e nacional 1 contribuíram de forma directa para a inundação ocorrida de 2 para 3 de janeiro de 2003, em casa dos autores.

18 - De igual modo, resulta provado que a manilha existente no local em 2003, colocada no âmbito da obra realizada, não tinha dimensão nem capacidade para escoar as águas naquela zona.

19 - Tanto assim é que resulta do depoimento das testemunhas JFC e DFD que, em data posterior à dos factos em apreço, houve nova intervenção na estrada nacional 235, com a colocação de uma manilha de maior dimensão, não tendo desde então, e apesar de novos episódios de muito mau tempo e grande pluviosidade, ocorrido novos episódios de inundações em quaisquer habitações na localidade de Canha.

20 - Este facto, que deveria ter sido...

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