Acórdão nº 01287/11.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução17 de Junho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO ACBJ e outros melhor identificados nos autos vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 11 de Dezembro de 2013, e do Acórdão de 20 de Junho de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta contra o Ministério da Justiça, a Caixa Geral de Aposentações IP e o Instituto da Segurança Social IP, e onde era solicitado que devia: “ ser anulado o acto emitido pela DGAJ, por padecer dos vícios supra descritos, e, cumulativamente declarado que as funções de perito avaliador não constituem funções públicas, não se aplicando aos Autores o disposto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação” Em alegações os recorrentes concluíram assim: A) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo TAF do Porto, em 11.12.2013, o qual se pronunciou quanto à apreciação e decisão dos pedidos formulados pelos Autores, a saber, a) pedido de anulação do acto emitido pela DGAJ corporizado no “Comunicado” de 24.01.2011, por padecer dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios da legalidade e da boa-fé; e b) pedido de reconhecimento de situação jurídica subjectiva, no sentido de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores não constituem “funções públicas” e, consequentemente, não lhes é aplicável o estatuído nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação; B) Sucede, porém, que o Tribunal de 1.ª instância decidiu no sentido de julgar a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido, decisão com a qual os autores ora recorrentes não se podem conformar; C) Na verdade, no âmbito dos presentes autos, a questão fundamental que cumpre deslindar consiste em perceber se a actividade exercida pelos peritos avaliadores consubstancia ou não o exercício de “funções públicas” no sentido que a esta expressão é dado pelos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação; D) Para o efeito, podemos, desde logo, apontar a dicotomia existente entre “funções públicas” e “funções privadas”, sendo que estas últimas podem ser “funções privadas de interesse público” ou “funções privadas de interesse privado” (cfr. PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, O exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas, reimpressão da edição de Outubro/2005, Almedina, 2008, pp. 140-145); E) Note-se que a prossecução do interesse público já não constitui um monopólio do Estado e das demais entidades públicas, pelo que também os privados podem concorrer para a sua satisfação (cfr. Idem, Ibidem, pp. 144-145; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Interesse Público” in DJAP, Vol. V, Lisboa, 1193, p. 275); F) Todavia, «trata-se de entidades privadas que exercem actividades da mais alta relevância pública, com indiscutíveis notas de “publicidade” mas que, apesar disso, não deixam de ser actividades privadas, que pertencem à esfera da Sociedade (dos direitos e das liberdades), e não à esfera do Estado» (cfr. Idem, Ibidem, pp. 145-146); G) Ora, a actividade desenvolvida pelos peritos avaliadores não consubstancia uma forma de exercício de “funções públicas”, mas antes uma forma de exercício de “funções privadas de interesse público”; H) Com efeito, ao contrário do que o Tribunal recorrido pretende fazer crer, a “correlação entre as funções periciais e a administração da justiça” não é um indicador de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores assumem o cariz de “funções públicas”, mas antes um indicador do interesse público que lhes subjaz; I) Ou seja, a colaboração prestada pelos peritos avaliadores no âmbito dos processos em que intervêm na qualidade de técnicos, cujos conhecimentos são convocados para melhor esclarecimento do Tribunal ou quando actuam como fiel da balança em face das posições adoptadas pelos peritos nomeados pelas partes, compreende uma importante dimensão de interesse público ao participarem activamente na administração da justiça; J) Note-se, aliás, que algo de semelhante sucede com a profissão do Advogado – profissional liberal por excelência – o qual se assume como um dos actores principais da cena da justiça, mas cujas funções são privadas, ou melhor, privadas de interesse público (cfr. Idem, Ibidem, p. 148); K) Salvo o devido respeito por melhor opinião, não faz por isso qualquer sentido a conclusão que o acórdão recorrido pretende retirar da afirmação de que “as funções dos PA são de interesse e relevância pública, pois, se assim não fosse, o Estado não teria avançado com legislação específica para tais profissionais”, quando é precisamente a dimensão de interesse público de tais funções que reclama e impõe “uma específica interferência e uma reforçada regulação do Estado”, sujeitando-as “a específicos sistemas públicos de controlo (tal como acontece com os advogados, médicos, revisores de contas, etc.); L) Acresce que as funções desenvolvidas pelos peritos avaliadores inscritos na Lista Oficial assumem um carácter meramente técnico, em nada se distinguindo, desde logo, da dos peritos avaliadores indicados pelas partes nos procedimentos expropriativos, por exemplo, verificando-se, assim, que aqueles não exercem, sequer, quaisquer poderes públicos, muito menos poderes públicos de autoridade (constatando-se, a propósito, que os seus laudos e relatórios não vinculam sequer o juiz, que poderá decidir o pleito, se assim o entender, com base nos laudos e relatórios do(s) perito(s) indicado(s) pela entidade expropriante ou pelo particular, gozando aqueles, tão-só de uma maior presunção de imparcialidade perante o Tribunal); M) Concomitantemente, a exigência perpetrada pelo artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de Maio, nos termos do qual só podem candidatar-se a peritos avaliadores os indivíduos que não estejam inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o respectivo exercício, só pode ser interpretada no sentido de que o legislador pretendeu fixar um critério de (máxima) idoneidade moral, assumindo por referência o critério estabelecido para o exercício de funções públicas, carecendo o Tribunal a quo de razão ao inferir que “se não podem estar inibidos do exercício de funções públicas, é porque as vão exercer enquanto peritos avaliadores”, isto porque, conforme já demostrado à saciedade, os peritos avaliadores não exercem funções públicas, mas antes exercem funções privadas de inegável interesse público; N) Olhando agora a questão da “função pública” na perspectiva do trabalho em funções públicas ou emprego público, atente-se que os peritos avaliadores, para além de exercerem as suas funções de forma autónoma e sem qualquer dependência hierárquica, não têm horários, nem local definido para exercer essas funções, não havendo qualquer regularidade ou previsibilidade temporal da actividade desenvolvida, verificando-se que o Estado não assegura aos mesmos qualquer remuneração fixa (estando a mesma dependente da existência de nomeações nos processos, que não estão garantidas, bem como da prestação efectiva do serviço); O) Na verdade, as funções de perito avaliador não são exercidas, nem ao abrigo de uma relação de emprego público (susceptível de ser estabelecida através do contrato de trabalho em funções públicas, da nomeação e da comissão de serviço), nem sequer ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo forçoso concluir que os peritos avaliadores não desenvolvem qualquer trabalho em funções públicas; P) O mesmo já não sucede – diferentemente do reportado no acórdão recorrido – com os Juízes, que exercem efectivamente “funções públicas”, encabeçando órgãos de soberania (os Tribunais), ao abrigo de uma relação de emprego público titulada por um acto de nomeação, visto que, de acordo com um conceito lato de “função pública” (leia-se “emprego público”), o mesmo compreende “não só todos os funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público mas também os titulares de cargos públicos, incluindo os próprios titulares dos órgãos de soberania”; Q) Pedro Gonçalves, abordando o assunto do ponto de vista do relacionamento dos particulares com a Administração Pública (e não propriamente com a Justiça), aponta quatro modelos de “envolvimento de particulares enquanto tais na execução de tarefas ou funções da Administração”, a saber: (i) participação orgânica; (ii) associação; (iii) cooperação e (iv) colaboração; R) Ora, o papel desempenhado pelos peritos avaliadores, nomeadamente quando estes actuam na qualidade de árbitros nas Comissões Arbitrais, é enquadrável, mutatis mutandis, no modelo da “participação orgânica” daqueles particulares enquanto tais no domínio da administração da justiça, o que significa que o perito «é um “estranho”, um indivíduo que, em certas circunstâncias, ocupa um órgão público, mas que, apesar disso, não passa a pertencer à Administração»; S) Enfim, as normas contidas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não podem ampliar o conceito de funções públicas ou de relação de emprego público ou de modalidades de constituição da relação de emprego público, sob pena de inconstitucionalidade orgânica (violando a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, uma vez que o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, foi aprovado ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP – matérias não reservadas à Assembleia da República); T) Por outro lado, ainda que, como refere o Tribunal recorrido, se possa admitir que “a alteração legislativa ao Estatuto da Aposentação, [se] enquadr[a] no esforço de redução do défice orçamental”, não se aceita que esse esforço ou intuito passe necessariamente pelo alargamento – inconstitucional – do conceito de funções públicas ou de relação de emprego público ou de modalidades de constituição da relação de emprego público; U) Na realidade, o papel desempenhado pelos peritos...

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