Acórdão nº 02366/14.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução08 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A A... Portugal – Transportes Lda, no âmbito do identificado Processo de Contencioso Pré-Contratual intentado contra o Município de Guimarães, tendente, em síntese, à “anulação dos atos de adjudicação dos lotes 7 e 8 praticados no âmbito do ajuste direto nº 23/14, (aquisição de serviços de transporte escolar de alunos em carreira pública para o ano letivo de 2014/2015) e a condenação do R. a excluir as propostas apresentadas pelas 1ª e 2ª contrainteressadas”, não se conformando com a decisão proferida no TAF de Braga, em 19 de Março de 2015, que veio a julgar a ação “totalmente improcedente”, veio em 8 de Abril de 2015, recorrer jurisdicionalmente da mesmo (Cfr. Fls. 707 a 726 Procº físico).

Formulou a aqui Recorrente/A...

nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 720 a 726 Procº físico): “I. O Tribunal a quo, não obstante reconhecer a invalidade do ato de adjudicação impugnado, negou provimento à pretensão impugnatória da Recorrente, invocando, por apelo ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que “(…) a anulação parcial do ato de adjudicação não obstaria, em sede de execução de julgado, à adjudicação às contra interessadas dos lotes 7 e 8 mediante procedimento de ajuste direto. Daí que se verifique que, claramente, inexiste em concreto qualquer utilidade prática e efetiva para a impugnante em operar a anulação, pois dessa anulação não resultaria qualquer sentido ou alcance em virtude de o vício não obstar à prática, em sede de execução, de um ato com igual conteúdo”.

  1. Tal decisão carece de total fundamentação e sentido.

  2. Nos termos do artigo 283, n.º 4 do CCP “o efeito anulatório no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral (…) quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”.

  3. Do acórdão recorrido, ou dos próprios autos, não resulta inequivocamente demonstrado que o vício “não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”.

  4. O aproveitamento judicial dos atos administrativos inválidos obedece a requisitos estreitos e apenas pode ser determinado quando não resultem prejudicados os princípios que, com tal procedimento, se visam prosseguir – o que, no caso, não ocorre, só podendo o mesmo aproveitamento ser determinado se, à luz da lei aplicável, o conteúdo de ato válido que pudesse vir a substituir o ato impugnado fosse necessariamente igual ao deste.

  5. A verificação dos pressupostos para o aproveitamento dos atos inválidos depende de um juízo judicial de natureza semelhante ao que determina o comando de condenação à prática de um ato devido, no tipo de ação com o mesmo nome.

  6. No caso concreto do acórdão recorrido, o Tribunal a quo errou na formulação de tal juízo assentando a sua decisão num pressuposto não verificado nem demonstrado.

  7. Neste contexto, e tendo sido – e bem – decidido pelo Tribunal a quo estar o procedimento pré-contratual inquinado de ilegalidade quanto à escolha de procedimento de ajuste direto para adjudicação dos lotes 7 e 8, pelo que não há qualquer obstáculo à anulação do ato de adjudicação praticado pela Câmara Municipal de Guimarães em apenas na parte em que adjudicou o lote 7 à Dp... por €8.200,40 e o lote 8 à Dx... por €48.807,20, deverá, em conformidade, ser determinada a anulação do referido ato de adjudicação.

  8. Sem prescindir, a emissão de títulos de transporte, nomeadamente os designados bilhetes de assinatura (passes escolares), está estritamente limitada às sociedades concessionárias de carreiras de transporte público de passageiros.

  9. As contrainteressadas Dp..., Ensino, Técnica de Educação, Lda. e Dx... – Cooperativa de Ensino CRL são estabelecimentos de ensino que não são detentores de alvará/licença de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros, não se encontrando, portanto, habilitadas legalmente para emitir bilhetes de assinatura (passes escolares).

  10. Não obstante tal facto, a verdade é que, no caso em apreço, o Réu, ora Recorrido, fez constar no Caderno de Encargos que “(…) o preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço do passe de linha mensal para número ilimitado de viagens pela quantidade de passes requisitados para cada um dos itinerários constantes do Anexo A1 para o período de setembro a dezembro de 2014 e de janeiro a julho de 2015 (…)” – cláusula 5º , n.º 1 do Caderno de Encargos, constando expressamente do referido Anexo A1 a “Previsão do Número de Passes Escolares a Requisitar para o Ensino Básico e Secundário” .

  11. Resulta, assim, inequivocamente do Caderno de Encargos que a entidade adjudicante estabeleceu como critério decisivo na fixação do preço contratual a requisição de passes escolares, tendo ficado tal expressamente plasmado no respetivo Caderno de Encargos.

  12. Tendo optado por tal critério (e não outro, como poderia ter feito) e tendo dirigido um convite às contrainteressadas Dp..., Ensino, Técnica de Educação, Lda. e Dx... – Cooperativa de Ensino CRL para a celebração do contrato, violou a Lei (artigo 11º do DL 299/84, de 5 de Setembro) e a cláusula 5.ª do Caderno de Encargos.

  13. Em sede de interpretação da ratio da cláusula 5ª, n.º 1 do Caderno de Encargos, não pode deixar de considerar-se o que está efetiva e expressamente previsto no seu próprio texto, ainda mais sendo certo que a estipulação da entidade adjudicante poderia ter sido outra diferente, mas não foi.

  14. Não poderá fazer-se uma interpretação da cláusula 5ª do Caderno de Encargos apoiada na “unidade do sistema jurídico e na consagração das soluções mais acertadas”, conforme é referido no acórdão recorrido, em manifesta contradição com a letra e o texto da própria cláusula do Caderno de Encargos.

  15. O douto acórdão recorrido invoca uma forçada e injustificada “(…) necessidade de se interpretar devidamente a cláusula 5ª do Caderno de Encargos”, o que faz por considerar ser a natural consequência da “inexigibilidade de emissão e concessão de bilhetes de assinatura no âmbito da realização dos circuitos especiais a que se refere o artigo 6.º, n.º 3 do DL 299/84, designadamente por transporte particular ou por conta própria (artigo 2º, n.º 1, alínea f) do DL 3/2001), no pressuposto, patente na fundamentação apresentada e expressamente referido na decisão em crise, de que “(…) não faria sentido que a Entidade Demandada ignorasse que no caso da realização dos circuitos especiais não há lugar à emissão de passes escolares e, consequentemente, fizesse depender o preço unicamente do preço e requisição de passe “.

  16. Ora, no caso dos autos, - e por mais sem sentido que tal se revele, como efetivamente revela – a verdade é que o Réu, ora Recorrido, o ignorou, tendo desconsiderado totalmente as disposições legais supra identificadas, fazendo depender o preço unicamente do preço e requisição de passes.

  17. A requisição de passes escolares não é – em abstrato – decisiva na fixação do preço contratual, nem o poderia ser, aliás.

  18. Mas foi o que ocorreu, no caso em concreto, sem qualquer margem para dúvida e não obstante o quão sem sentido tal possa resultar, revelando-se - com todo o respeito - forçada e injustificada a interpretação apresentada para a ratio da cláusula 5.ª, n.º 1 do Caderno de Encargos e o invocado apoio da mesma na “unidade do sistema jurídico e na consagração das soluções mais acertadas” .

  19. Os estabelecimentos de ensino, aqui contrainteressadas, apresentam preços para a emissão e concessão do número de passes constantes das suas propostas, - como se para tal estivessem habilitadas - constando das listagens dos anexos B para os Lotes 7 e 8, para além da previsão do número de passes a requisitar, a previsão unitária do passe, o seu valor mensal e o total mensal por itinerário.

  20. Por outro lado, em nenhum ponto o Caderno de Encargos se reporta às hipóteses em que não há lugar à emissão de passes escolares.

  21. O estatuído na cláusula 5ª, n.º 1 do Caderno de Encargos e do Anexo 1 – designadamente a “previsão do número de passes escolares a requisitar” – sublinhado nosso - não pode, de forma alguma, deixar de considerar-se condição contratual, expressa, clara e inequívoca.

  22. Inexiste razão válida ou objetiva que justifique o enquadramento de tal condição de contratar como se de um mero critério de referência se tratasse, como, salvo o devido respeito, parece ser o entendimento que resulta da decisão posta em causa.

  23. Tanto assim é que, na efetiva execução do contrato, o que tem acontecido é a requisição de passes escolares por parte das contrainteressadas adjudicatárias, numa clara, manifesta e reiterada violação da lei.

  24. A execução do contrato tem-se pautado pela conduta das contrainteressadas, no que à requisição de passes escolares diz respeito, como se de sociedades concessionárias de carreiras de transporte público de passageiros se tratassem.

  25. A manutenção da decisão de adjudicação colocada em crise significaria, na prática, a reiteração da violação da lei por parte das contrainteressadas, que – suportadas nas condições contratuais previstas no Caderno de Encargos do procedimento de Ajuste Direto n.º 23/14 no qual foram adjudicatárias dos lotes 7 e 8 -, têm vindo a proceder à requisição/emissão de passes escolares, o que fazem de forma abusiva e em clara violação da lei.

  26. A realização dos circuitos especiais a que se reportam os artigos 6, n.º 3 e 15º a 17º do DL 299/84, de 5 de setembro, obedece a determinados requisitos, designadamente, relativos a trajetos, pontos de paragem, horários, distâncias e tarifas aprovadas – o que não sucedeu no caso dos autos.

  27. O Município de Guimarães, ora Recorrido, em estrito cumprimento dos requisitos supra mencionados - e ao invés do que fez no caso da adjudicação dos Lotes 7 e 8 a que os presentes autos se referem -, abriu para o corrente ano letivo...

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