Acórdão nº 01549/06.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município de S. João da Madeira, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada pela Sociedade de Construções SC, SA, tendente à condenação daquele das seguintes quantias: “a) 110.341,29 €, que entregou ao R. com o intuito de evitar que este acionasse as garantidas prestadas pela A. em sede de contrato de empreitada de obras públicas; b) a quantia de 23.432,57 € a título de custos e encargos financeiros suportados com as referidas garantias; c) a quantia de 6.883,48 € a título de juros moratórios, contados desde 3 de Março de 2006”, inconformado com a Sentença proferida em 21 de Novembro de 2013, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 4 de Fevereiro de 2014 (Cfr. fls. 421 a 451 Procº físico).
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 440 a 450 Procº físico): “1 - A autora fundamenta o seu pedido de condenação do réu, às importâncias que peticiona, na exata medida do seu empobrecimento à custa do igual enriquecimento, sem causa justificada, do réu.
2 - Isto é, de acordo com a fundamentação de facto ou causa de pedir levada á base instrutória, a autora apelada fundamenta de direito o seu pedido, no instituto do enriquecimento sem causa, no âmbito da execução dum contrato administrativo de empreitada de obras públicas.
3 - Cuja natureza é subsidiária, pelo que só é aplicável quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, conforme o disposto no artigo 474º do Código Civil.
4- O que não seria o caso, pois toda a causa de pedir decorre da execução da empreitada de obras públicas designada por “Conceção/Construção de 298 Fogos de Habitação Social no Orreiro”. Perfeitamente subsumível ao contencioso dos contratos, ainda que através duma ação administrativa comum.
5- Porém o Meritíssimo Juiz a quo circunscreve a causa de pedir, na sequência da execução do contrato, ao facto da autora apelada, para evitar a execução da garantia prestada por parte do réu apelante lhe entregou a quantia peticionada em a) do pedido, pedindo assim a sua condenação na sua restituição, acrescida dos encargos financeiros com a garantia prestada, pois o réu sempre teria violado o disposto no artigo 104 n,º 2 do DL n.º 405/93 de 10 de dezembro, inexistindo fundamento legal para a libertação da garantia apenas ter ocorrido em 11 de janeiro de 2006.
6- Desde logo parece-nos evidente que, do modo como a autora prefigura o seu pedido e causa de pedir, no âmbito da execução dum contrato administrativo de empreitada de obras públicas, então regulado pelo DL 405/93 de 10 de dezembro, a procedência do seu pedido de condenação ao reembolso das quantias peticionadas, por força da ameaça por parte da entidade contratante, em fazer-se pagar por força da execução do seguro caução prestado pelo empreiteiro como garantia da boa execução da obra, independentemente da legalidade ou licitude dessa mesma ameaça e que este pagou, não de forma livre e consciente, mas por temer graves e nefastas consequências e repercussões que seria fonte de descrédito e prestígio para a autora alvo dessa medida, e dada a prévia consignação no depósito que efetuou em nome do réu que iria exigir deste o posterior reembolso da quantia em causa, com o fundamento de direito da aplicação subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, não tinha qualquer tipo de sustentabilidade, o que deveria conduzir logo no despacho do saneador a uma decisão de total improcedência da ação.
7 - No domínio da contratualização pública a relação contratual sempre se teve de conformar com um acervo de poderes de autoridade do contraente público, como os poderes de dirigir o modo de execução das prestações, fiscalizar o modo de execução do contrato, modificar unilateralmente as cláusulas contratuais por razões de interesse público, aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato e resolver unilateralmente o contrato.
8 - Daqui decorre que as decisões do contraente público em matéria de execução de contratos administrativo em que se inclui obviamente os de empreitada de obras públicas têm por génese a formação de atos administrativos enquanto manifestação do poder público contratual que enquanto atos administrativos destacáveis eram impostos e mesmo coercivamente exigíveis ao cocontratante particular.
9 - Sendo pois este tipo de contratos passível de atos administrativos, ser-lhe-ão aplicável o regime de invalidade previsto para ato que não o regime consagrado no direito civil.
10 - Concretamente á situação a que os autos se reportam, a entidade contratante tinha como tem poderes bastantes para, independentemente de decisão que tomou por entender recorrer à caução - o que no caso não se veio a consumar - sem recurso a decisão judicial por o empreiteiro não querer pagar ou não ter querido cumprir com as obrigações legais ou contratuais líquidas e certas e em que o dono da obra tinha todo o direito de impor, no âmbito dos seus poderes de fiscalização das anomalias detetadas, mesmo após a receção provisória da obra.
11 - É essa a natureza da própria caução prestada, como obrigação autónoma nos termos legais a que a entidade prestadora da caução deverá dar cumprimento à primeira solicitação da entidade contratante dela benificiária, sem que possa ser discutida a relação subjacente à decisão.
12 - Quer a receção provisória da obra quer a definitiva constituem atos administrativos cujo conteúdo ou densificação, encontra-se perfeitamente regulamentada mo respetivo regime de empreitadas de obras públicas que o DL n. 405/93, consagra.
13 - Como no próprio regime se consagra igualmente os próprios direitos do cocontratante particular em matéria de reclamações contra as ordens recebidas do dono da obra, direito a indemnização, suspensão dos trabalhos e maxime à própria rescisão do contrato por iniciativa do empreiteiro e respetivo processo de rescisão que lhe conferiam garantias contenciosas adequadas à salvaguarda e tutela efetiva dos seus direitos, como os que invoca na presente ação.
14 - A receção provisória da obra ocorreu após a conclusão da mesma, certamente após previa vistoria recebendo o réu do empreiteiro todas as habitações construídas, nos finais do ano de 1999, sem qualquer reserva ou reclamação – vide matéria de facto assente em 4 do douto despacho de saneador e levada à “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em C) in douta sentença recorrida.
15 - Isso não obstou que após a receção provisória e atribuídas pelo réu aos respetivos beneficiários as mesmas por estes ocupadas e habitadas, tenham sido por parte deles apresentadas reclamações quanto a anomalias e patologias de origem diversa que a autora foi corrigindo e eliminando, conforme igualmente matéria de facto assente em 5 do saneador e levada à “II – MATÉRIA DE FACTO APURADA” em D) in douta sentença recorrida.
16 - Trataram-se de deficiências de projeto ou execução da obra, não visíveis ou ocultas, após a sua receção provisória e que ocorreram durante o prazo de garantia da mesma.
18 -Porém, o Meritíssimo Juiz a quo in dota sentença recorrida, no pressuposto de direito que a apelada, enquanto empreiteiro da obra, terá requerido a sua receção provisória termo do prazo de garantia, nos termos do n.º 1 do art. 208º do sempre citado DL n.º 405/93 e que por força da aplicação analógica ao regime da receção provisória, e remetendo-se o réu apelante, como dono da obra, ao silêncio nos 22 dias subsequentes à notificação por carta regista com aviso de receção, considerar-se-ia a obra recebida definitivamente no termo desse prazo, conforme o n.º 5 do art. 198º.
19 – Dando assim como provado os quesitos contidos em A) e B) da base instrutória, exclusivamente com base nos documentos de folhas 262/263 e 264 junto aos autos.
20 - Ora, desde logo o apelante dono da obra não foi notificado para que procedesse à vistoria de todos os trabalhos realizados da empreitada, conforme determina o invocado normativo do n.º 1 do art. 228º - vide documento a folhas 262/263.
21 - Vistoria essa que obrigatoriamente precede a receção definitiva da obra.
22 - E a receção definitiva só ocorrerá se se verificar que as obras não apresentam deficiências ou deteriorações – vide n.º 2 do art. 208.
23 – Sendo que algumas das deficiências ocorridas após a receção provisória da obra, a apelada não se eximiu de as reparar quando instada pelo apelante dono da obra a fazê-lo.
24 – Como igualmente ocorreram outras deteriorações em parte considerável das habitações, após a receção provisória com o aparecimento de humidades em paredes e tetos de grande parte delas, conforme “7” da matéria de facto assente, 25 – Que não são outra coisa que não deteriorações, subsumíveis a “Deficiências de execução”, na conceptualização contida no artigo 209º até por que é não constituíam o resultado duma depreciação normal consequente do seu uso.
26 - Aliás, é inquestionável na doutrina que a ratio legis do dispositivo constante no n.º 5 do art. 198º aplicável á receção definitiva por remissão do n.º 3 do art. 208º, reside no facto de não se considerar razoável retardar a receção e o início do prazo de garantia, por facto inteiramente imputável ao dono da obra e de todo em todo injustificável.
27 - Ora, na situação sub facto et jure, é provado á saciedade pelos ofícios referenciados como doc. 1 junto à contestação e os documentos 1, 3,5, 7, 9 junto aos autos em audiência de julgamento de 20 de outubro de 2001, cujo conteúdo não foi impugnado pela autora, o que igualmente deverá ser dado como matéria assente, que as deficiências decorrentes do aparecimento das humidades nos tetos e paredes das habitações ocorridas após a receção provisória da obra e vistoriadas pelos representantes da autora e ré, deveriam ser solucionadas no âmbito da execução da...
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