Acórdão nº 00720/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução04 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O... -Imobiliária, S.A.

e OBCOS vieram interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador de 27.11.2012, da resposta à base instrutória de 12.07.2013 e da sentença, de 18.08.2014, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Aveiro, pela qual foi declarada procedente a acção popular tramitada como acção administrativa comum, sob a forma ordinária instaurada por AFMS e Construções A..., Ldª contra estes recorrentes, o Município de Santa Maria da Feira e Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA, I.P).

Invocaram, para tanto, em síntese, quanto ao despacho saneador: verifica-se erro na forma do processo porque os autores não alegaram factos donde se possa verificar que o objectivo principal da acção é a defesa de, pelo menos, um dos bens enumerados no artigo 1º da Lei nº 83/95 de 31.08; a segunda autora Construções A..., Ldª não tem legitimidade para propor acção popular, por se tratar de pessoa colectiva, conforme resulta do disposto nos artigos 1º, 2º e 3º da citada Lei nº 83/95 e do artigo 52º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa; quanto às respostas à base instrutória: verifica-se erro, insuficiência e contradição no julgamento da matéria de facto. Relativamente à decisão final: o ribeiro em causa nos autos não integra o domínio público hídrico; um dos percursos do ribeiro foi construído artificialmente como levada (com “comporta”) para permitir o funcionamento de uma fábrica de papel na altura e outro segue o declive natural do terreno; as obras de consolidação das margens feitas pelos 3º e 4º réus foram licenciadas pela CCDRN; o actual curso do ribeiro não causa qualquer prejuízo a bens do domínio público, antes permitindo, em épocas de maior caudal, uma melhor contensão das águas, evitando cheias nos terrenos confinantes; não fazendo o ribeiro parte do domínio público hídrico, não faz parte da área de salvaguarda do PDM de Santa Maria da Feira, pelo que não há violação do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, não se verificando a nulidade decidida pela sentença recorrida; não ficou provado que os 3º e 4º réus, com as obras que fizeram procederam à mudança do curso do ribeiro, por esse motivo não podia ter havido condenação a julgar procedente a acção no que toca ao reconhecimento da ilegalidade da conduta dos 3º e 4º réus, nem condenação dos 1º e 2º réus a determinarem aos 3º e 4º réus a reposição da legalidade quanto ao retorno do curso da ribeira de Rio Maior ao leito originário.

Os recorridos AFMS e Construções A..., Ldª contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decidido e juntando, para melhor esclarecimento do Tribunal de recurso, seis documentos extraídos do Google.

*O Município de Santa Maria da Feira apresentou também RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 18.08.2014.

Invocou para tanto e em síntese que: não foi violada nenhuma servidão de domínio público regulada pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 05.11, pelo que mal andou a sentença recorrida quando integrou no domínio público uma linha de água com base apenas num traço e numa legenda aposta na carta de condicionantes do PDM, como mal andou ao considerar que esse traço é a Ribeira do Rio Maior, porque tal não resulta da carta, confinando tal Ribeira e atravessando sempre e apenas propriedades privadas, pelo que não se verificou a violação dos artigos 6º e 41º do PDM, nem o artigo 103º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, nem do ponto 2 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 468/71; mais invoca que a Ribeira do Rio Maior é centenária e o PDM foi publicado em 1993; da Carta de Condicionantes não resulta que foi sempre esse o percurso da linha de água; são inconstitucionais as referidas normas, quando interpretadas como transferência automática de bens privados no domínio público; não foi cumprido o disposto no artigo 10º do Decreto-Lei nº 468/71; há limitações quanto às utilizações como resulta do Decreto-Lei nº 46/94, de 22.02; não há violação dos artigos 3º, 4º e 55º do citado Decreto-Lei 46/94 que rege a utilização de todo o domínio hídrico, incluindo o domínio hídrico privado estabelecido nos artigos 1385 e seguintes do Código Civil (vide nº 2 do artigo 2º); a sentença recorrida não imputou um único vício ao acto de licenciamento da CCDR-N proferido ao abrigo do citado Decreto-Lei nº 46/94; a sentença recorrida não atendeu à cartografia junta pelo aqui recorrente que retrata as linhas de água desde 1977 até 2005, não tendo sido posta em causa a sua validade e credibilidade; a mesma sentença fundamenta-se em erros, insuficiências, integração e quantificação das normas e regimes jurídicos, fazendo, portanto, errada quantificação da Lei; não foi produzida prova de que o ribeiro, levada ou rio novo fosse a primitiva, originária e centenária Ribeira de Rio Maior e qual o seu leito. Conclui, por fim, que não existem factos concretos integradores dos preceitos em que se alicerça a sentença recorrida, ficando o Tribunal impedido de conhecer dos alegados vícios.

Os recorridos AFMS e Construções A..., Ldª contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decidido.

* A APA apresentou RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 18.08.2014.

Invocou para tanto e em síntese que: as obras postas em causa fora licenciadas, dentro do âmbito da competência desta recorrida, para o que contribuiu de forma decisiva a cartografia junta aos autos e que não foi valorada na sentença recorrida, que esta confunde a legislação da qualidade da água com a do domínio hídrico, a legislação da qualidade da água com a do domínio hídrico, a jurisdição com a propriedade, que tais águas não integram o domínio público, que o rio novo foi sempre uma levada, com a única e exclusiva função de levar a água para que a fábrica de papel pudesse laborar, pelo que quando esta deixou de laborar, tal levada foi naturalmente inutilizada, ficando só o curso normal do rio Velho, aderindo em tudo o resto às alegações apresentadas pelos recorrentes Município de Santa Maria da Feira, O... -Imobiliária, S.A. e OBCOS. Conclui, pedindo a improcedência total da acção.

Os autores contra-alegaram, no essencial, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

* AFMS e Construções A..., Ldª vieram de igual modo interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 18.08.2014.

Invocaram para tanto em síntese que: a sentença recorrida ao decidir pela inexistência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, fez menos correcta aplicação do disposto na norma ínsita no artigo 483º do Código Civil, e concluíram pedindo a revogação da decisão nos seus pontos 2 e 3 de folhas 20 do aresto e substituindo-se por outra que julgue procedente a condenação dos Réus com uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento das condenações ínsitas sob as alíneas (I) e (II) do ponto (1) da decisão em apreço e que julgue procedente o pedido indemnizatório formulado em último lugar na petição inicial.

Os recorridos O... e OBCOS contra-alegaram pedindo a manutenção do decidido nesta parte.

A recorrida APA, I.P. também contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido nesta parte.

* O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer sobre qualquer dos recursos.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional da O...-Imobiliária, S.A e de OBCOS: I – Inadmissibilidade da acção popular e ilegitimidade da segunda autora.

  1. – Não se verificam os pressupostos de uma acção popular. Os autores não alegaram factos donde se possa verificar que o objectivo principal da acção é a defesa de, pelo menos, um dos bens enumerados no artº 1º da Lei nº 83/95 de 31 de Agosto.

  2. – Ainda que a defesa desses bens possa reflexamente proteger interesses individuais, não pode a acção popular ter lugar quando o interesse particular é o principal (senão único) objecto da acção, como acontece nos presentes autos.

  3. – A acção popular tem sobretudo incidência nos interesses difusos e não no interesse individual, no interesse público ou geral ou no interesse colectivo; 4ª – A segunda autora Construções A..., Lda. não tem legitimidade para propor acção popular. Trata-se de uma sociedade comercial e as pessoas colectivas que têm competência para esse tipo de acções são apenas as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artº 1º da citada Lei 83/95; 5ª – Não devia ter sido proferida decisão no douto despacho saneador a aceitar a presente acção como acção popular nem decidida que a segunda autora tinha legitimidade para a acção. Dessa forma foi violado o disposto nos artigos, 2º e 3º da Lei 83/95 de 31 de Agosto, e artigo 52º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa; II – MATÉRIA DE FACTO 6ª – A resposta ao nº 8 da base instrutória deve ser alterada, se se considerar que tal quesito não integra uma conclusão.

  4. – A resposta a dar esse nº 8 da base instrutória deve ser a de não provado.

  5. – Essa resposta a dar tem por base a conjugação crítica com as respostas restritivas dadas aos quesitos 5º e 9º (e respectiva fundamentação) bem como ao facto de os dois cursos de água se encontrarem cartografados no PDM.

  6. – Essa resposta a dar tem também por base o depoimento gravado das testemunhas: a) RRA nos segmentos 01:14:23, 01:25:32, 01:25:50, 01:26:55, 01:27:36, 01:28:16, 01:28:57 b) ASCF nos segmentos 01:00:38, 01:01:01, 01:01:55 c) AMM nos segmentos 00:04:28 00:08:45, 00:10:12, 00:10:14, 00:12:22 e 00:13:10 d) MJAC (04:28, 05:09, 06:02, 07:45, 06:09, 07:47 e 13:09).

  7. – Da conjugação crítica desses meios de prova conclui-se que não houve mudança do curso do ribeiro. Mas apenas desactivação de uma levada que foi construída artificialmente há cerca de 70 anos com o único objectivo de conduzir água para permitir o funcionamento de uma fábrica de papel.

    III – MATÉRIA DE DIREITO 11ª – Como resulta dos factos alegados por autores e réus a questão fundamental é a de saber se o leito do...

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