Acórdão nº 03095/11.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução04 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO JMGPG vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 3 de Junho de 2014, e que julgou improcedente a presente acção administrativa comum intentada contra o Município do Porto, tendo como interveniente acessória a IB- Companhia de Seguros SA, onde se solicitava que fosse o Réu condenado: “ (…) ao pagamento, a título de indemnização pela incapacidade e pelos danos não patrimoniais, da quantia de € 100.000,00, bem como de danos patrimoniais no valor de € 4.041,50, quantias essas acrescidas de juros à taxa legal em vigor, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”.

Em alegações o recorrente concluiu assim: 1. A douta decisão agora proferida nos autos, da qual vem interposto o presente recurso, que julga improcedente a acção administrativa comum interposta pelo Autor, e simultaneamente absolve as Rés do pedido, fez uma desajustada aplicação do direito ao caso sub juditio.

  1. O tribunal a quo no que se refere aos itens 16) a 21), 23), 29), 37) e 38) considera as respostas circunscritas na medida em que considera que não houve prova integral da factualidade neles vertida, nomeadamente, qual o desnível da tampa de saneamento onde o Recorrente tropeçou e que motivou a queda.

  2. A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se pode ou não ser imputada à Ré “Câmara Municipal do Porto”, assegurada pela co-Ré “F... – Companhia de Seguros, S.A.”, a responsabilidade pelos danos sofridos pelo Autor em virtude dos factos descritos nos autos, através da prova que a própria Ré teria de fazer do cumprimento dos deveres impostos pela lei.

  3. O tribunal a quo partiu para a análise dos pressupostos que preenchem a responsabilidade civil extracontratual com base apenas nos actos das funções administrativa, legislativa e judicial, aplicável ao presente caso dos autos.

  4. Para o tribunal a quo importava analisar se, perante a factualidade descrita nos autos, se podia atribuir-se tal conjugação de factos à violação dos deveres que incumbiam à Ré “Câmara Municipal do Porto”, nomeadamente os deveres de conservação das vias públicas a seu cargo.

  5. No modesto entendimento aqui Recorrente, a interpretação e enquadramento da actuação daquela Ré deveria ter sido feita com base nessa análise, MAS NÃO SÓ, porquanto deveria ter ido um pouco mais além.

  6. Mal andou a sentença do tribunal a quo ao restringir a análise dos factos à luz da responsabilidade civil extracontratual única e exclusivamente inserida na violação de tais pressupostos.

  7. O tribunal a quo optou pela não realização da inspecção ao local, apesar de ter sido requerida como diligência de prova, quando tal tinha sido requerido pelo Autor, e nem se pronunciou formalmente sobre tal pedido.

  8. A Ré “Câmara Municipal do Porto” já havia realizado algumas operações de “disfarce” ou de “maquilhagem” da referida tampa de saneamento onde o Autor tropeçou, colocando cimento ou material semelhante em volta da referida tampa, de forma a diminuir o desnível visível nas fotos juntas com a petição inicial.

  9. A inspecção ao local permitiria ao tribunal ter uma real noção da medida do desnível, porventura por referência à altura da tampa em relação ao solo.

  10. O tribunal entendeu que não seria necessário, e preferiu considerar o desnível acentuado da tampa, sem contudo saber precisar a altura desse desnível em relação ao solo.

  11. Impunha-se uma análise mais extensa dos deveres da Ré, que não foram sequer considerados pelo tribunal a quo, e que são hoje amplamente sustentados pela doutrina dos tribunais superiores.

  12. Confrontando o depoimento unânime das duas testemunhas do Recorrente, pese embora não se tenha realizado inspecção ao local, ainda assim é e seria possível afirmar pelo tribunal recorrido, que o desnível da tampa de saneamento onde o Recorrente caiu apresentava uma altura de entre 5 a 10 cm em relação ao solo.

  13. Tal posição é corroborada pelas imagens juntas aos autos, sobretudo pelas fotos constantes dos doc. n.º 4 e 5 juntos aos autos.

  14. Tendo com conta que a zona onde se encontra a tampa de saneamento onde o Recorrente caiu, este desnível até poderia não ser problemático, ou até mesmo irrelevante se funcionasse apenas como zona de passagem de veículos, o que não era o caso.

  15. O referido parque de estacionamento, à entrada do qual o Recorrente caiu, não dispunha de passeio para a circulação de peões, e assim, os transeuntes, tal como o Recorrente, eram obrigados a utilizar a zona de circulação de veículos para fazer o atravessamento do parque.

  16. A zona onde o Recorrente caiu foi na zona de acesso ao parque, utilizada sobretudo para saída de veículos e simultaneamente de circulação de peões.

  17. Da única testemunha da Ré resulta, sem sombra de dúvidas, que a Ré Câmara Municipal fazia intervenções pontuais ao nível da manutenção do parque de estacionamento, com funcionários do próprio município, com recurso a meios próprios, sem efectuar intervenções de fundo, e apenas com materiais sobrantes de outras obras, porquanto de outro modo, teria de haver um grande investimento da Ré nesse sentido.

  18. A mesma testemunha da Ré admite no seu depoimento que efectivamente não existe um passeio por onde os peões possam circular e aceder ou sair do parque de estacionamento, e como tal, a circulação de peões e de veículos faz-se exactamente pelos mesmos locais.

  19. Ou seja, a zona onde se encontra a tampa onde o Recorrente caiu, serve simultaneamente para circulação de veículo e de pessoas, porquanto estas últimas não têm alternativa.

  20. Havendo um desgaste acentuado provocado essencialmente pela circulação dos automóveis, conjugada com o efeito das chuvas, sendo uma zona de circulação simultânea de pessoas e veículos, entende o Autor/Recorrente que se impunham à Ré outros deveres de manutenção do referido parque de estacionamento, que não se coadunam com simples intervenções esporádicas.

  21. E, admitindo que era frequente verificar-se o desgaste das tampas de saneamento por força quer da erosão provocada pelas chuvas, quer ainda da própria circulação automóvel, impunha-se uma de duas soluções: ou a Câmara Municipal do Porto criava de facto uma zona de passeio para os peões a fim de estes acederem em condições de segurança ao interior do parque, ou então impunha-se a vigilância mais frequentes e manutenção mais assíduas dessas zonas de circulação simultânea de pessoas e veículos, a fim de evitar eventuais acidentes.

  22. Mas sempre se imporia à Ré a obrigação de, pelo menos, sinalizar o obstáculo de múltiplas maneiras.

  23. Entende o Recorrente que a Ré não fez prova de que tenha empregue todos os esforços para diminuir os riscos de um qualquer acidente, como o descrito nos autos.

  24. A zona onde o Autor/recorrente caiu, apesar do desgaste acentuado reconhecido pela Ré, nem sequer apresenta qualquer tipo de sinalização, ainda hoje.

  25. O tribunal recorrido admite que o que está em causa nos presentes autos é apenas e tão só o dever de conservação das vias públicas a cargo da Ré, contentando-se com manutenções esporádicas e do tipo “low cost” para justificar o cumprimento de um dever imposto por lei, descurando todas as outras obrigações que recaem sobre a Câmara Municipal do Porto, nomeadamente, o dever de sinalização de obstáculos, sobretudo quando estes ponham ou possam por em causa a segurança das pessoas e veículos.

  26. Estamos perante a responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual, nos termos da qual, segundo o disposto no art.º 483.º do CC.

  27. Mal andou a sentença agora em crise ao considerar não preenchidos os critérios da ilicitude e da culpa por parte da Ré Câmara Municipal do Porto.

  28. A responsabilidade da Ré assenta numa presunção de culpa nos termos do disposto no artigo 493.º n.º 1 do CC, cabendo à Ré, como tal, ilidir tal presunção, demonstrando que agiu como lhe era suposto e exigível actuar, afastando a referida presunção através da concretização de actos e diligências que tenha adoptado de forma a obviar situações como a descrita dos autos.

  29. A Ré apenas provou em tribunal através da única testemunha, que o pavimento do parque de estacionamento é em terra batida, com zonas de asfalto, e de vez em quando (sem referir a periodicidade), eram feitas pequenas operações por operários da própria Ré, a expensas desta, com meios próprios e com uso de matérias sobrantes de outras obras.

  30. Ao contrário do que foi entendimento do tribunal recorrido, à Ré Câmara Municipal não bastava fazer pequenas obras e pontuais para minimizar problemas com os carros.

  31. A Ré teria de ter ido um pouco mais além nos esforços utilizados e no cumprimento do dever legal de conservação e manutenção, tendo em conta que o local onde o Recorrente/autor caiu é zona de circulação simultânea de veículos e peões, sem qualquer passeio para servir de alternativa à passagem, e ter provado em tribunal que cumpriu os deveres impostos pelo artigo 66.º n.º 2 al. a), b) e f) da Lei n.º 169/99, de 18.09.

  32. A sentença de que ora se recorre, viola assim o disposto no artigo 66.º n.º 2 a), b), f) da Lei n.º 169/99, de...

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