Acórdão nº 00158/10.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução04 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: G... – Valorização dos Lixos, Protecção do Ambiente, Ldª, e DV – Recolha Local, Exploração, Saneamento e Limpezas, Ldª (ambas com sede …) interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Mirandela que, em acção administrativa comum intentada contra EMARVR – Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Vila Real, E.M.

(Avª…), a absolveu da instância relativamente a um dos pedidos e julgou improcedentes outros.

Concluem as recorrentes:

  1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que determinou a absolvição da Recorrida da instância, relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 446.045,85, e julgou a ação improcedente relativamente ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 20.000,00 referentes a despesas com assessoria jurídica, e ao pedido de condenação no pagamento do valor de € 30.000,00, a título de despesas com a preparação, elaboração e apresentação da proposta apresentada ao concurso público.

  2. Julgou o Mmo. Tribunal a quo que existe coincidência entre os sujeitos, o pedido e a causa de pedir entre os presentes autos e no processo 79/05.9BEMDL, pelo que se verifica a exceção de caso julgado referente ao pedido na condenação no montante de € 446.045,85.

  3. Contudo, as Recorrentes não submeteram à apreciação do Mmo. Tribunal a quo a pretensão que viram já apreciada na ação que correu termos sob o n.º 79/05.9BEMDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na medida em que as Recorrentes não pretenderam com a presente ação a declaração da nulidade do ato ou a adjudicação da prestação de serviços posta a concurso.

  4. O que as Recorrentes pretendem com os presentes autos é, antes, a efetivação do seu direito de indemnização pela conduta ilícita praticada pela Administração, e da qual lhe resultaram prejuízos.

  5. Ora, se, como foi dado como assente na factualidade provada, a Recorrida não cumpriu os deveres que para ela decorreram do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, optando antes, e em desrespeito pelo doutamente decidido, por manter na ordem jurídica o ato ilegal por ela praticado – e consubstanciado na criação de subcritérios e grelhas de pontuação numérica não previstas em fase anterior às propostas e na posterior omissão de reposição da ordem jurídica, conforme judicialmente ordenado, a prática desse ato ilegal subsume-se ao conceito de ilicitude, conforme este vem definido no artigo 6º do Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, vigente à data da prática dos factos.

    ŀϺ F) Esta ilicitude foi reconhecida pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão proferido em 29 de Março de 2007, mas não foi, como deveria ter sido, sanada, nos termos legais, pela Recorrida, pelo que os efeitos do acto ilícito, não havendo sido sanados, permanecem na ordem jurídica.

  6. O ato ilícito da Recorrida foi praticado com culpa, uma vez que, se a Recorrida tivesse usado da diligência que lhe é exigível – diligência exigível a um homem médio, o que, adaptado às circunstâncias da responsabilidade dos entes públicos, se traduz na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, respeitador da lei e dos regulamentos e das leges artis aplicáveis aos atos ou operações materiais que tem o dever de praticar- não teria deixado de se aperceber das ilegalidades cometidas durante o procedimento concursal que supra se elencaram, e da consequente invalidade da deliberação de adjudicação; e, usando dessa diligência, poderia tê-las evitado.

  7. Esta ilicitude permite e é bastante para suportar com êxito a pretensão indemnizatória formulada pelas Recorrentes, porquanto, com a sua conduta ilícita (na qual optou por permanecer ainda depois da ordem judicial de anulação pelo Tribunal Central Administrativo), a Recorrida causou às Recorrentes os danos elencados e melhor justificados na petição inicial.

  8. Ou seja, apesar de haver identidade de sujeitos entre estes autos e o referido processo 79/05.9BEMDL, essa identidade não se estende à causa de pedir – que naquele processo consistia nas ilegalidades do procedimento concursal suscetíveis de fundamentar a anulação da deliberação de adjudicação e nestes autos se consubstanciam no facto ilícito danoso praticado pela Recorrida e nos prejuízos por este causados na esfera das Recorrentes – nem ao pedido – que aqui se cinge à pretensão indemnizatória das Recorrentes, enquanto naqueles autos se limitava à petição de anulação da deliberação de adjudicação e a condenação da Recorrida a adjudicar às Recorrentes a prestação de serviços objeto do concurso público.

  9. A causa de pedir na presente ação é constituída pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito indemnizatório das Recorrentes – assim, a prática do facto ilícito e danoso, com culpa, e os prejuízos por este gerados na esfera daquelas, sendo certo que a jurisprudência é unânime ao considerar que, no domínio da responsabilidade civil, “a vertente dos prejuízos – a par do evento e da culpa/risco – faz parte integrante da causa de pedir (complexa) - «origo petitionis»” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07/042005, disponível em http://www.dgsi.pt).

  10. De todo o modo, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a eficácia do caso julgado apenas se torna “extensiva à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva, desde que se verifiquem os restantes requisitos do caso julgado” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.1990, disponível em http://www.dgsi.pt) L) No presente caso, e ainda que se entendesse que existe identidade da causa de pedir, no que não se prescinde nem concede, é absolutamente indiscutível e manifesto que não existe identidade de pedidos.

  11. No processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela sob o número 79/05.9BEMDL, os pedidos formulados pelas Recorrentes eram, por um lado, a anulação do ato praticado pelo Conselho de Administração da Recorrida, que adjudicou a prestação de serviços de recolha, transporte e limpeza de resíduos sólidos urbanos do concelho de Vila Real ao consórcio constituído pelas sociedades FCC/F...; e por outro lado, a condenação da Recorrida a adjudicar a prestação de serviços objeto do presente concurso público às Recorrentes.

  12. Na presente ação, o pedido formulado pelas Recorrentes consubstancia-se apenas na condenação da Recorrida a pagar às Recorrentes os prejuízos que, pela sua conduta ilícita e culposa, lhes causou.

  13. Trata-se de uma pretensão indemnizatória simples, insuscetível de pôr em causa a decisão judicial firmada no Acórdão do TCA Norte.

  14. Refira-se que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Tribunal a quo, não pretendem as Recorrentes receber o montante referente à adjudicação da prestação de serviços que foi objecto do concurso público em causa nos autos 79/05.9BEMDL.

  15. O montante peticionado de € 446.045,85 corresponde apenas a um resultado do critério utilizado pelas Recorrentes para a fixação do quantum indemnizatório, de acordo com o princípio da reconstituição natural e da teoria da diferença, consagrados nos artigos 562º, 564º e 566º do Código Civil.

  16. Pelo exposto, a douta sentença recorrida deveria ter julgado improcedente a exceção de caso julgado.

  17. Considerou o Mmo. Tribunal a quo a existência de erro na forma do processo, uma vez que “a ação adequada a reconhecer o direito [das Recorrentes] é a prevista no art.º 176º do CPTA de acordo com a fundamentação e justificação dada pelos Autores citados [Aroso de Almeida e Carlos cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos], a que se adere, e não a ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual”.

  18. Antes de mais, refira-se que o Mmo. Tribunal a quo sustenta este entendimento numa incorreta interpretação dos factos alegados pelas Recorrentes, uma vez que estas não peticionam uma indemnização fundada no não cumprimento da ordem de anulação do contrato ou da falta de notificação da existência de uma causa legítima de inexecução.

  19. As Recorrentes sustentam a sua pretensão indemnizatória na existência de uma conduta ilícita - pois que contrária à Lei, e especificamente aos artigos 8º, 9º, 11º, 13º, e 14º, todos do Decreto-Lei 197/99 de 8 de Junho; e ao estabelecido nos documentos concursais - e culposa – porque não conformada com a diligência exigível à R. - da Recorrida, que gerou um dever de indemnizar, na medida dos danos causados às Recorrentes.

  20. Não pretendem as Recorrentes que a Recorrida execute a decisão contida no Acórdão proferido pelo TCA Norte em 29/03/2007, no âmbito do processo 79/05.9BEMDL, nem a atribuição da indemnização por causa legítima de inexecução, prevista no artigo 178º do CPTA – causa essa que, ademais, nunca foi invocada.

  21. O Acórdão não fez surgir na ordem jurídica uma qualquer obrigação na esfera jurídica das Recorrentes – antes se impondo à Recorrida, em toda a plenitude, os efeitos dessa condenação, sendo certo que decorre do próprio teor literal da disposição legal contida no artigo 176º do CPTA que esta confere uma faculdade às Recorrentes e não uma imposição legal.

  22. Neste enquadramento, o que decorre do acórdão de anulação não é uma obrigação de execução que impenda sobre as Recorrentes, mas diversamente, a obrigação, para a Recorrida, de, por respeito ao princípio da legalidade que deve conformar a sua atuação e em obediência às decisões judiciais validamente tomadas, de executar a sentença, nos termos do artigo 175º do CPTA.

  23. O não cumprimento pela Recorrida das obrigações que para si emergiram da decisão judicial proferida teve como efeito o não saneamento da ordem jurídica de um ato (judicialmente considerado) ilícito, bem como dos seus efeitos.

  24. Assim, os fundamentos da presente ação de responsabilidade são, logicamente, os prejuízos emergentes...

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