Acórdão nº 00473/07.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: AMFOFC Recorridos: Hospital Distrital da Figueira da Foz; FMRB.

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, absolvendo os Réus dos pedidos de condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia global de 165.000,00€, acrescido de juros de mora à taxa legal, a título de indemnização por danos materiais e não patrimoniais.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1. A Recorrente pretende a alteração da resposta dada aos quesitos constante dos itens 20.º, 48.º, 60.º, 82.º e 112.º. Mais se pretende a rectificação da sentença que não incluiu os quesitos 19.º e 35.º que considerou provados no despacho que respondeu à base instrutória.

2. Quanto ao quesito 20, a perícia realizada a 15 de Dezembro de 2011 respondeu que “não é possível afirmá-lo em absoluto, apenas referindo que haveria probabilidade, sendo impossível quantificar percentualmente a funcionalidade que poderia ser expectável.

3. A sentença recorrida considerar o quesito como não provado, fundamentando que «o Ex.mo Perito embora admita a probabilidade de alguma recuperação, acaba por deixar dito que é impossível quantificar a percentagem desta. Assim, não só a existência de alguma recuperação é apenas provável, como o grau da mesma, caso ocorresse, poderia ser maior ou menor do que aquele que, em maior ou menor medida, se verificou na realidade».

4. Não se pode concordar com esta argumentação na medida em que o Sr. Perito não relacionou a probabilidade de recuperação da autora caso a mesma tivesse sido tratada de imediato à lesão do nervo radial com a “evolução funcional conseguida, embora pequena, que também se deveu aos tratamentos fisiátricos” (veja-se resposta pericial ao quesito 52.º).

5. A concatenação das respostas periciais dadas aos quesitos 20.º e 52.º permite concluir que além da pequena melhoria da mobilidade do cotovelo e da mão da Autora para a qual contribuiu também a fisioterapia, era provavelmente superior se o 2.º Réu tivesse de imediato tratado a lesão do nervo radial que provocou à Autora.

6. Pelo que, o quesito 20.º deveria ter sido respondido de forma restritiva: Era provável que a autora tivesse conseguido recuperar parte da funcionalidade do membro superior direito, se o 2.º Réu tivesse desde logo tratado da lesão do nervo radial, por ele ou com a ajuda de alguém mais habilitado, com recurso a uma microcirugia.

7. Passemos agora à análise conjunta dos quesitos 48.º e 60.º: a sentença decidiu que ficou provado que “os procedimentos levados a cabo quer pelo Réu Hospital quer pelo 2.º Réu foram adequados a situações patológicas como a apresentada pela A.”; bem como que “a exérese da tacícula era um tratamento adequado de uma fractura proximal do rádio”.

8. Na perspectiva da recorrente, o relatório pericial impunha resposta diferente à factualidade descrita nos itens 48.º e 60.º da base instrutória.

9. Vejamos, em primeiro lugar o preâmbulo da consulta técnico-científica onde se afirma que “tendo sido efectuada uma taciculectomia com ressecção excessiva da diáfise do rádio associada a lesão iatrogénica grave do nervo radial com sequelas definitivas no punho e mão em termos funcionais.

10. Há a referir que a opção cirúrgica da exérese da cabeça do rádio pode não ter sido a mais adequada nesta situação concreta baseados nos exames radiográficos presentes nos autos. A osteossíntese reconstrutiva com placa e parafusos teria sido, em nosso entender, indicada. Optar por uma ressecção tão alargada numa doente jovem e num membro dominante é, face aos elementos de imagem que nos são presentes, muito questionável».

11. Acrescenta ainda o Ex.mo Perito, quando responde directamente ao quesito 48.º (12.º do objecto da perícia) que os procedimentos levados a cabo quer pelo Réu Hospital quer pelos seus funcionários, nomeadamente o 2.º Réu não foram os adequados a situações patológicas como aquela que a autora apresentava. Reafirma-se que a osteossíntese da tacícula radial teria sido a atitude terapêutica mais adequada».

12. Ora, decorre inequivocamente do relatório pericial que a opção tomada pelo 2.º Réu, quando estava sob as ordens, direcção e fiscalização do 1.º Réu, da exérese da cabeça do rádio não foi a mais adequada, no caso concreto onde a paciente era jovem e com uma lesão no membro dominante. O 2.º Réu deveria ter optado pela osteossíntese da tacícula radial.

13. É certo que o Ex.mo Perito na resposta ao quesito 49.º - O procedimento cirúrgico correu dentro da normalidade, tendo sido respeitados os protocolos de actuação, bem como os protocolos de intervenção e foram cumpridas todas as leges artis – apesar de reafirmar que a resseção da tacícula radial não foi a atitude terapêutica mais adequada, refere que a exérese da tacícula radial é uma atitude terapêutica adequada em determinadas circunstâncias e condições, pelo que não se pode afirmar que não foram cumpridas as leges artis.

14. No entanto, esta asserção não significa, como interpretou o Meritíssimo Juiz a quo que os procedimentos levados a cabo pelos Réus foram adequados e que a atitude terapêutica mais adequada de osteossíntese da tacícula radial era apenas um procedimento alternativo, segundo o critério médico (veja-se fundamentação à resposta dada ao art. 48.º).

15. O Sr. Perito disse algo muito diferente no relatório em análise. O que aqui é afirma é que, em determinadas circunstâncias e condições, a ressecção da tacícula radial pode ser a atitude terapêutica mais adequada, no entanto, no caso concreto, não era a terapêutica mais adequada, ou seja, não era a mais adequada à situação patológica como a que era apresentada pela autora.

16. Assim sendo, atendendo ao relatório pericial subscrito pelo Sr. Dr. JM, a sentença recorrida deveria ter considerada matéria fáctica do quesito 48.º totalmente não provado, explicitando ainda que a atitude terapêutica adequada à situação patológica apresentada pela A. era a osteossíntese da tacícula radial.

17. Chamando à colação o que foi expendido supra, também se constata que o quesito 60.º devia ter sido respondido como consta do relatório pericial, ou seja, a exérese da tacícula radial é um tratamento adequado em determinadas circunstâncias e condições.

18. Relativamente ao quesito 82.º, importa referir que a resposta constante do despacho que respondeu à base instrutória é demasiado restritiva, permitindo interpretá-lo de forma diametralmente oposta àquela que foi respondida pelo Ex.º Perito.

19. Com efeito, no relatório consta inicialmente que não foram fornecidos os elementos necessários para a elaboração da resposta, esclarecendo depois que a documentação clínica disponível nos autos não revela que o 2.º Réu tenha praticado ou omitido algum procedimento que fosse vedado ou recomendado, respectivamente, pelas leges artis.

20. Tal não significa que o 2.º Réu tenha cumprido todas as leges artis da medicina, aliás é que decorre da circunstância de o quesito 49.º ter sido considerado como não provado. O que a perícia esclareceu foi que não existe documentação suficiente para concluir num sentido ou noutro, ou seja, que foram ou que não foram cumpridos todos os procedimentos previstos nas leges artis da medicina. Tanto mais que apesar de a lesão do nervo radial constituir um acidente intraoperatório, inexistem durante a intervenção cirúrgica referências ao modo como sucedeu tal lesão.

21. Face ao exposto, inexistindo documentação clínica suficiente para responder ao quesitado no item 82.º, bem como a resposta dada ao quesito 49.º, aquele deveria ter sido considerada não provado.

22. Finalmente, requer-se a alteração da resposta ao quesito 112.º que deveria ter sido dado como provado.

23. Na verdade, concatenando a facticidade descrita nos pontos A, B, J, K, L, M, N, R, Y, Z, AA, BB, NN, 2.º, 3.º, 4.º, 25.º, 28.º, sobretudo atendendo à declaração constante de NN, impõe-se concluir que os representantes legais do 1.º Réu estavam cientes da sua responsabilidade pelos danos causados à autora.

24. Com efeito, por que outra razão assinaria o Director Clínico do 1.º Réu o termo de responsabilidade constante de NN onde assumia o pagamento da consulta de microcirurgia a efectuar à autora? 25. Requer-se ainda a inclusão na fundamentação de facto da sentença dos factos descritos nos quesitos 19.º e 35.º que foram considerados provados na resposta à base instrutória e não foram incluídos na sentença.

26. A modificabilidade dos pontos de factos supra identificados poderá ser realizada pelo Tribunal de 2.ª instância nos termos previstos no art. 712.º do C.P.C. aplicável ao presente recurso.: 27. Importa agora analisar a responsabilidade civil dos Réus, à luz da matéria de facto cuja alteração se peticionou, bem como daquela que a sentença já considerou provada.

28. Antes de mais cumpre explicitar que, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo não interpretou correctamente o normativo do art. 3.º, n.º 1 do DL 48051.

29. Na verdade, aquele normativo basta-se para responsabilizar civilmente perante terceiros que os agentes administrativos tenham praticado actos ilícitos que ofendam direitos daqueles, à semelhança do previsto no art. 483.º do Código Civil. A exigência de os agentes administrativos actuarem de forma dolosa apenas se aplica quando estes no desempenho das suas funções tenham procedido dolosamente, mesmo quando não ofendam direitos de terceiro, mas apenas disposições legais destinadas a proteger os seus interesses.

30. No caso concreto, apurou-se que o 2.º Réu é médico ortopedista dos quadros profissionais do 1.º Réu, nele prestando serviço sob as suas ordens, direcção e fiscalização, tendo intervencionado a autora a 28 de Julho de 2004, nas instalações do 1.º Réu, decidindo realizar...

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