Acórdão nº 0963/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução27 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO [MP] interpõe recurso de revista do acórdão pelo qual o Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], em 27.06.2014, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], de 04.04.2014, e julgou como improcedente a acção administrativa especial de «perda de mandato» que foi por ele intentada contra A……… .

    Conclui assim as suas alegações: Dos Pressupostos de Admissão do Recurso 1- Mostram-se preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 150º, nº1, para a admissão do presente recurso; 2- Com efeito, o caso em apreço reveste-se de relevância social fundamental, pois é conhecido o impacto mediático deste tipo de casos, nomeadamente por se tratar de situações que se prendem com a organização e gestão de organismos que directamente administram bens e serviços públicos; 3- O caso em apreço relaciona-se com a perda de mandato do actual Presidente da Junta de Freguesia resultante da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória. Trata-se de uma freguesia com enorme espaço geográfico, e que envolve dezenas de milhares de fregueses; 4- Existe, por esta razão, disseminação do interesse orientador da intervenção do STA relativamente a futuros casos análogos ou do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio; 5- Por outro lado, no que concerne à relevância jurídica e à admissibilidade do recurso para uma melhor aplicação do direito, constata-se que não existe jurisprudência firmada sobre a matéria em discussão. O caso é novo, assim como a posição que foi adoptada no acórdão é completamente inovadora; 6- Na verdade, os casos em que já houve pronúncia dos tribunais, reportam-se a situações em que os insolventes beneficiaram da exoneração do passivo restante, e onde se discutia se a respectiva inelegibilidade cessava de imediato com o encerramento do processo, ou no termo do período de cessão com a decisão final da concessão da exoneração do passivo restante; 7- Por isso, justifica-se a intervenção do STA, para que esse Venerando Tribunal tenha oportunidade de se pronunciar e para uma melhor aplicação do direito.

    Do Recurso 8- Este recurso vem interposto do acórdão do TCAN que concedeu provimento ao recurso do réu, determinando que este, à data em que apresentou a sua candidatura, não se encontrava na situação de inelegibilidade face ao que dispõe o artigo 6º, nº 2, alínea a), da LEOAL; 9- Para enquadramento do recurso e das questões nele suscitadas impõe-se delinear o quadro legal do regime da inelegibilidade e perda de mandato, nomeadamente no caso da declaração de falência/insolvência de pessoa singular; 10- Importa transpor para aqui o disposto na Lei Orgânica nº1/2001, de 14.08, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Assume particular pertinência no caso em apreço o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º, pois são igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados; 11- Quando esta Lei Orgânica entrou em vigor, estava em perfeita sintonia com o então vigente Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência [CPEREF] - DL nº132/93, de 23.04 - que, em situações específicas e a pedido do interessado, previa a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, referindo-se especificamente, o artigo 239º, à reabilitação do falido; 12- Porém, com a entrada em vigor do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE] - DL 53/2004, de 18.03 - deixou de, expressamente, se fazer qualquer referência ao conceito específico de reabilitação. Porém, no tratamento dispensado às pessoas singulares, destacam-se os regimes da exoneração do passivo restante e do plano de pagamentos; 13- A «exoneração do passivo restante» abrange, assim, as dívidas do insolvente que não lograram obter pagamento no processo de insolvência ou no período de cessão [ver artigo 235º do CIRE]; 14- O objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, aprendida a lição, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica; 15- Confrontando os 2 diplomas, não podemos deixar de concluir, que o regime da reabilitação, tal como configurado no CPEREF deixou de estar previsto no CIRE. No entanto, não alinhamos no entendimento de que deve ser feita uma interpretação ab-rogante, no sentido em que a declaração de insolvência deixou de constituir causa de inelegibilidade; 16- Com efeito, impõe-se efectuar uma interpretação dinâmica e actualista do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a), desta Lei, por referência às regras e regimes entretanto vigentes com o CIRE; 17- O disposto na alínea a), do nº 2, do artigo 6º da Lei Orgânica nº1/2001, de 14.08, mantém-se em vigor, impedindo a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais, dos falidos e insolventes, salvo se «reabilitados»; 18- Esta questão foi recentemente apreciada no Tribunal Constitucional [Acórdãos nºs 553/2013 e 588/2013] e no Acórdão do STA de 21.11.2013, Processo nº01260/13. No sumário deste aresto refere-se: I- De acordo com o preceituado no artigo 6º nº2 alínea a) da LEOAL [Lei Orgânica nº1/2001, de 14.8], o cidadão declarado insolvente, em insolvência aí qualificada como fortuita, considera-se inelegível até ocorrer a decisão final de exoneração prevista no artigo 244º do CIRE.

    II- Nos termos do artigo 8º, nº 1, alínea b), da Lei nº27/96, de 01.08, perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que «Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis».

    19- Conclui-se, deste modo, que o preceito da alínea a), do nº2, do artigo 6º, da Lei Orgânica nº1/2001, de 14.08, mantém-se em vigor, impedindo a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais dos falidos e insolventes, salvo se reabilitados, ou no contexto actual, salvo se «limpos», «purificados» ou «perdoados», pelo instituto da exoneração do passivo restante; 20- No entanto, no caso presente o recorrente não requereu a exoneração do passivo restante, nem sequer do plano de pagamento aos credores, tendo antes optado por deixar encerrar o processo de insolvência sem mais, por insuficiência da massa insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 39º, nº7, alínea b), do CIRE. E daí o verdadeiro cerne da questão; 21- Será que, com o encerramento do processo nos termos do artigo anterior, o insolvente deixa de sofrer da inelegibilidade prevista na alínea a) do artigo 6º da Lei Orgânica 1/2001, de 14.08? Ou seja, será que, com este encerramento, o aqui recorrente ficou «limpo»,«purificado», isto é reabilitado? Cremos que não.

    22- Sustenta-se no acórdão recorrido que «Encerrado o processo cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte»[artigo 233º, nº1, alínea a), do CIRE]; E «Sempre que ocorra o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto incidente de qualificação por aplicação do disposto na alínea i) do nº1 do artigo 36º [como não foi], deve o juiz declarar expressamente na decisão prevista no artigo 230º o carácter fortuito da insolvência.» [artigo 233º, nº 6, do CIRE], Assim, e no que é o caso do recorrente, temos como certo que cessados estão os [substanciais] efeitos da falência [que interessam a razão de ser da inelegibilidade]».

    23- Não podemos, porém, concordar com este entendimento, sobretudo tendo em conta os efeitos que aqui nos interessam. Vejamos: 24- É certo que, como se refere na al a), do nº7, do artigo 39º, do CIRE «o devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste código». E também como se dispõe na alínea a), do nº1, do artigo 233º, «cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte»; 25- Mas que efeitos são esses? São apenas os efeitos previstos no plano interno do CIRE. Ou seja, a partir do encerramento, o insolvente passa a poder gerir o seu património [artigo 233º, nº1, alínea a)] e, em contrapartida, os credores podem exercer os seus créditos sem as restrições constantes dos artigos 85º e seguintes[artigo 233ºnº1 alínea c)]; 26- Diversamente, porém, são as coisas no plano externo, ou seja fora do âmbito do CIRE. Aí, o insolvente continua inibido da prática de certos actos, em virtude da declaração de insolvência, nomeadamente a falta de idoneidade para a ocupação de cargo de membro de órgão de administração e fiscalização [artigo 30º, nº3, a), do RGIC] e, concretamente, em nosso entender, mantém-se a inelegibilidade prevista na alínea a) do artigo 6º da Lei Orgânica nº1/2001, de 14.08; 27- Concluir que, com o encerramento do processo, o insolvente readquire o direito de se poder candidatar a órgãos autárquicos, sem ter beneficiado da reabilitação através do instituto da exoneração do passivo restante, seria deixar entrar pela janela aquilo que o legislador proibiu entrar pela porta, pois estava encontrada «a maneira habilidosa de, mesmo sendo judicialmente declarado insolvente, e por insuficiência da massa ter ficado em dívida para com terceiros credores a nível individual, não obstante tal, ficar automaticamente reabilitado a poder gerir o património público»; 28- Ora, a inelegibilidade como fundamento da perda de mandato de quem exerce funções de membro de órgão autárquico justifica-se pela necessidade de garantir a isenção e a...

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