Acórdão nº 0823/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução23 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1- RELATÓRIO GRUPO A……, SGPS, SA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua ………., n.º ….., Porto, deduziu a presente reclamação visando o despacho proferido pela Directora de Finanças Adjunta de 20 de Novembro de 2012, que indeferiu o oferecimento de garantia da dívida exequenda e suspensão da execução mediante o oferecimento de créditos que a sociedade A…….., SA, detém sobre a Região Autónoma da Madeira, até ao montante de €2.743.124,00.

Por sentença de 16/12/2013, foi decidido julgar procedente a reclamação e anulado o despacho reclamado.

Reagiu a Fazenda Pública apresentando recurso para o STA que foi admitido a fls. 178 por despacho de 08/01/2014 com efeito suspensivo.

Reagiu por sua vez, a recorrida insurgindo-se contra o efeito atribuído ao recurso.

O recurso da sentença apresentado pela Fazenda Pública integra alegações com as seguintes conclusões: A Fazenda Pública não se conforma com a decisão anulatória, assacando-lhe na aplicação do direito, na parte em que determinou, a anulação do despacho de 20.11.2012, que não aceitou a garantia oferecida para efeitos de suspensão do PEF 3174201201088327, por haver considerado que a AT, ao não convidar a Reclamante a fornecer as informações necessárias para suprir as deficiências do requerimento, juntando os documentos julgados necessários, para ponderar da idoneidade da garantia oferecida, violou os princípios do inquisitório e da cooperação entre as partes.

  1. Ressalvado todo respeito devido, que é muito, a douta sentença incorre em erro de julgamento de direito, porque o ónus probatório que se impunha à executada, implica a decisão contra a parte que não faz prova dos pressupostos que estava obrigada a provar, não podendo ser valorada contra a AT a falta de prova efectuada pela executada ‘Grupo A…….., SGPS, SA” no seu requerimento, porquanto, a AT não estava obrigada a promover a realização de diligências para suprir as deficiências do mesmo, estando, como considera a sentença recorrida, obrigada à descoberta da verdade material e não se limitando à alegação dos factos por parte da reclamante.

  2. A FP entende que assim decidir, no caso concreto destes autos, equivale à inversão do ónus probatório estabelecido pelo legislador, pelas seguintes razões que de imediato explicita.

  3. Adoptada por Engrácia Antunes e aceite pela generalidade da doutrina, a noção de que o grupo de sociedades consiste em “um conjunto mais ou menos vasto de sociedades que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direcção económica comum e unitária”, comporta três elementos essenciais8 (8 Engrácia Antunes, Estrutura e responsabilidade da empresa: O moderno paradoxo regulatório Texto apresentado no 1º Congresso Ítalo-Luso-Brasileiro de Direito Civil, realizado 2004, Revista Dreito GV, V. 1 N. 2, p. 029-068, Jun-Dez2005): • Independência jurídica das várias sociedades - denotando a ideia de que no grupo as várias entidades componentes têm património, objectivos e organização próprias, apesar de se subordinarem a uma direcção económica comum e unitária.

    • Falta de personalidade autónoma do grupo - sendo as entidades integrantes, dotadas elas próprias de personalidade jurídica, entende a maioria da doutrina não ser juridicamente adequado nem necessária a personalidade jurídica autónoma do grupo.

    • Articulação do grupo através da direcção unitária - apresenta-se como peça chave da noção de grupo, significando que, formalmente, cada uma das sociedades mantem os seus órgãos próprios de definição e execução da sua vontade social. Porém, é o órgão de gestão da sociedade-mãe que procede à gestão dos sectores fulcrais da actividade das entidades agrupadas, designadamente as áreas financeira, fiscal, produtiva e logística 9 (9 Avelãs Nunes A tributação dos grupos de sociedades peio lucro consolidado em sede de IRC, Almedina, 2001) E. O art. 52º da LGT, nos seus nºs 1 e 2, permite a suspensão da cobrança da prestação tributaria efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

  4. Por sua vez, o art. 169º do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia, em conformidade com o art. 195º do mesmo diploma, à sua prestação, nos termos do disposto no art. 199º, também do CPPT ou à penhora em bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido.

  5. A reclamante, não demonstrou a suficiência da garantia apresentada, não sendo essa uma incumbência da AT (que apenas posteriormente avaliará a veracidade do demonstrado e a sua aptidão), de harmonia com o consagrado nos artºs 74º da LGT e 342º do CC, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado pela reclamante incumbe à própria, devendo, no requerimento em que oferece a garantia, demonstrar a idoneidade desta, por via da junção da imprescindível prova.

  6. A regra enunciada no art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário.

    I. A ponderação de interesses baseada nas regras da normalidade que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que deve presidir ao processo judicial, sendo o critério de repartição o mesmo como impõe a coerência valorativa e axiológica o que não foi considerado nesta sentença.

  7. No caso presente, inexistia disposição legal expressa que autorizasse a AT a manter o processo suspenso (em virtude da “suspensão provisória” decorrente da apresentação do pedido), não decidindo o pedido de aceitação da garantia com base nos elementos com que o requerente o instruiu, e portanto a deficiente alegação e instrução probatória do pedido que lhe foi apresentado, apenas podia conduzir ao indeferimento da pretensão por falta de prova dos requisitos estabelecidos na lei, resultando tal como exarado na decisão.

  8. Por entendermos pertinente para a explicitação do que pretendeu o legislador na forma como regulou decisões a tomar pela AT, com interferência no andamento do PEF, citamos, devendo ler-se com as necessárias adaptações o Acórdão do STA 5/2012 no processo 708/12, publicado no DRE, 1ª série, nº204, 22.10.2012, com o devido respeito: “No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda”.

    “A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários á formação da decisão pela AT. E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão” (destacado nosso), L. Os princípios que obrigam a AT comprimem-se, por vezes, entre si e, mesmo que no caso presente não sejam inoperantes os princípios da colaboração e do inquisitório, eles não se sobrepõem às disposições expressas emanadas pelo legislador para regular a prestação de garantia para suspensão do processo executivo e a decisão respectiva, bem como ao ónus probatório estabelecido.

  9. A falta rigor no requerimento apresentado quanto ao esclarecimento das circunstâncias inerentes à garantia em concreto proposta, a prestar por terceiro (a sociedade “Construções A…….., SA”, é uma entidade juridicamente distinta da “A………, SGPS, SA”, que é a executada nos autos) é patente face à respectiva falta de objectividade e documentação, características que se acentuam face, naturalmente, à assessoria juridico-tributária do “Grupo A……..”.

  10. Por se tratar de um “Grupo” com capacidade económica para se fazer assessorar juridicamente por profissionais de reconhecida competência (não de uma empresa de “vão de escada”, sem competente assessoria jurídica), procedemos ao destaque da singeleza e falta de rigor do requerimento apresentado em termos de aptidão para fazer a demonstração dos elementos necessários para o deferimento do pedido apresentado perante a AT - oferecimento em garantia de créditos de terceiro sobre a RAM.

  11. Entendemos que a harmonização dos princípios que obrigam a AT e se mostram conflituantes entre si (a que aludimos supra) no caso presente, deve ter em consideração todos os factores, designadamente a consideração de que a apresentação de requerimento nos moldes em que foi apresentado e instruído pelo “Grupo A…….”, denota uma intenção dilatória, revelando em si mesma uma violação dos princípios da cooperação para com a AT, não compatível com uma actuação cooperante nos termos do disposto nos art. 48º, nº 2 do CPPT e 59º da LGT - O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso.

    Então, P. não sendo inoperantes os princípios da colaboração...

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