Acórdão nº 0489/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução30 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Tribunal: Secção de Contencioso Administrativo do STA I.

Relatório 1- A……………., identificado nos autos, interpõe «recurso de revista» pedindo a revogação do acórdão de 20.02.2014 pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul [TCA Sul] manteve, embora com distinta fundamentação jurídica, a sentença de 26.09.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF] que lhe indeferiu «pedido de suspensão de eficácia» do acto de 27.11.2012 mediante o qual o «Director Nacional Adjunto» do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF] decidiu o seu afastamento coercivo do território nacional e a interdição de nele entrar pelo período de 5 anos.

Conclui assim as suas alegações: 1- O acto do Director Nacional Adjunto do SEF, que determinou o afastamento coercivo do ora recorrente é nulo por ofender o conteúdo do direito fundamental previsto no artigo 36º, nº6, da CRP, de os pais não poderem ser afastados dos filhos sem decisão judicial; 2- A suspensão de eficácia do referido acto administrativo está devidamente fundamentada em matéria de facto e de direito, e visa acautelar o perigo de mora da decisão da acção principal e a constituição de situação de facto consumado; 3- Neste recurso suscita-se a questão de saber se face ao disposto no artigo 36º, nº6, da CRP, os estrangeiros com residência de facto em território nacional, e que aqui tenham filhos menores, e sobre os quais não foi proferida nenhuma decisão judicial de incumprimento das responsabilidades parentais, podem ou não ser expulsos administrativamente, sem decisão judicial, nos termos do artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, na redacção da Lei nº29/2012, de 09.08; 4- Trata-se de uma questão da maior relevância jurídica e social, e até mesmo de questão que necessita da intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, para esta última situação, se não conhece jurisprudência relevante. Sobre estes conceitos remetemos ao AC do STA de 25.09.2013, Rº01013/13, transcritos no nº7 destas alegações; 5- A situação preenche os pressupostos do artigo 150º, nº1, do CPTA, pelo que é admissível o recurso de revista excepcional aí contemplado; 6- O Tribunal de Família e Menores fixou ao recorrente responsabilidades parentais partilhadas, alimentos e visitas sobre filho menor [ponto 7 do provado]. Nos termos do artigo 619º, nº1, do CPC/2013 [anterior 671º, nº1] o despacho do Tribunal de Portimão que fixou a regulação das responsabilidades parentais tem força obrigatória. O Supremo Tribunal Administrativo não está impedido de tomar em consideração, e de valorizar, a prova decorrente do despacho judicial de fixação das responsabilidades parentais, já que as anteriores instâncias o não fizeram, como decorre do nº4 do artigo 150º do CPTA. Ao não relevar a prova decorrente da decisão judicial de fixação das responsabilidades parentais, o douto acórdão viola o disposto no artigo 619º, nº1, do CPC/2013, pelo que tal prova deve ser considerada; 7- O artigo 36º, nº6, CRP, diferentemente do artigo 33º, nº2, estabelece que os estrangeiros com filhos menores aqui residentes não podem ser expulsos administrativamente mas sempre através de decisão judicial, independentemente de estarem em situação regular ou irregular. Ao não entender assim, o acórdão em recurso viola o direito de pais e filhos e consequentemente o preceito constitucional do nº6 do artigo 36º CRP que, sendo de aplicação directa e vinculando as autoridades públicas, nenhuma norma ordinária lhe pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial, segundo o disposto no artigo 18º, nºs 1 e 3, CRP, que é o da necessidade absoluta de haver sempre decisão judicial. Eventuais restrições a tais direitos somente serão possíveis mediante decisão judicial; 8- O artigo 135º, alínea b), da Lei nº23/2007, de 04.07, na redacção da Lei nº29/2012, de 09.08, interpretado no sentido da dispensa de decisão judicial é inconstitucional, por ofender o citado artigo 36º, nº6, CRP. «Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial» como se tirou em Acórdão do Tribunal Constitucional nº181/97, de 05.03; 9- No caso, verificam-se, portanto, os pressupostos do artigo 120º, nº1, alíneas a) e/ou b), do CPTA, porque ou se verifica o fumus boni juris da pretensão do recorrente ver declarada nula a decisão de expulsão, por ser evidente a procedência da sua pretensão, ou o fumus non malus juris, por não ser evidente a sua improcedência, e o periculum in mora [este já consignado no acórdão recorrido]. Ao não decretar a suspensão da eficácia do acto administrativo de expulsão, o acórdão recorrido viola aquele artigo 120º, nº1, alíneas a) e/ou b), do CPTA.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e o deferimento do pedido cautelar que começou por dirigir ao TAF de Sintra.

2- O Director Nacional do SEF contra-alegou, concluindo deste modo: A) O recorrente diz que a interpretação da alínea b) do artigo 135º, no sentido da dispensa de decisão judicial, ofende o artigo 36º, nº6, da CRP, pelo que é inconstitucional; B) No entanto vejamos; C) O artigo 36º, da CRP, efectivamente anuncia o princípio do não afastamento dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial; D) Este princípio, que não é um «direito absoluto», encontra-se sujeito às restrições legais e constitucionais que se lhe possam impor; E) Foi o que sucedeu com a decisão de afastamento coercivo, de 27.11.2012, proferida pelo Director Nacional Adjunto do SEF, que articulando o enunciado na norma vertida no artigo 134º nº1 alíneas a) c) e f), e artigo 135º nº1 b), todas da Lei nº23/2007, de 04.07, actualizada pela Lei nº29/2012, de 09.08, conclui que sobre o agora recorrente não recaía qualquer excepção que obstasse à decisão de expulsão; F) O facto de o recorrente ser pai de um menor residente em território nacional por si só não constitui impedimento à sua expulsão; G) Salvo melhor opinião, a garantia de não privação dos filhos em relação aos pais prende-se, sobretudo, com as situações em que o intuito/fim único do acto ou facto seja o de afastamento de pais e filhos, o que, neste caso deve e tem que ser regulado por decisão judicial e não por deliberação de um qualquer particular; H) Nessas situações, é certo que seja o Tribunal a decidir as restrições que podem ser impostas aos progenitores no que tange à inibição do poder paternal, das responsabilidades parentais e também do convívio com o menor, se resultar essencial para o superior interesse da criança; I) Coisa bem diferente é o que sucede ao nível da expulsão de cidadãos estrangeiros por terem cometido actos criminosos graves e por conta deles terem sido condenados; J) A decisão de expulsão não visa inibir o convívio entre pais e filhos, resultando apenas numa consequência do acto emanado pela administração, que se limita a enquadrar os factos nas normas legais vigentes; K) Se do acto emanado pela Administração - decisão de expulsão - resulta, como consequência, a separação entre progenitor e filho menor, essa é uma consequência pela qual a Administração não pode responder, e muito menos se poderá fintar os impositivos legais fazendo tábua rasa do que está estabelecido; L) Evidentemente, o nosso legislador quando determinou os pressupostos da expulsão, e ainda, simultaneamente, os pressupostos de afastamento, sediando-os no artigo 135º da Lei 23/2007, de 04.07, alterada pela Lei nº29/2012 de 09.08, ponderou as situações em que da expulsão poderia resultar, como consequência, a separação de pais e filhos; M) E foi assim que estabeleceu no artigo 135° da Lei nº23/2007, alterada pela Lei nº29/2012, que: «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº1 do artigo 134º, não podem ser afastados do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) [...]; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação»; N) Da leitura do texto transcrito resulta, claramente, que não foi descurado o princípio do «não afastamento de pais e filhos», porém tal prorrogativa pode ser desatendida: - Quando o progenitor não exerça efectivamente as suas responsabilidades parentais e assegure o sustento e educação do menor; - E ainda, quando apesar de exercer efectivamente as suas responsabilidades parentais, assegurando o sustento e a educação tenham cometido actos criminosos graves, ou cuja presença ou actividade no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; O) Ora, tendo o recorrente sido condenado por crime de tráfico de estupefacientes, e tratando-se este de crime cujos reflexos constituem claramente uma ameaça aos interesses e dignidade legítimos das famílias portuguesas e do próprio Estado, afigura-se que o acto cuja suspensão se requereu foi exarado em obediência aos rigores da lei, não enfermando de qualquer tipo de ilegalidade que ofenda o conteúdo essencial de direito fundamental, bem assim, a sentença que considerou não estarem preenchidos os pressupostos da alínea a) do nº1 do artigo 120º CPTA; P) Assim, não se antevê que o pressuposto do fumus boni juris esteja preenchido, de molde a evidenciar-se a procedência da pretensão a formular na acção principal; Q) O dito critério foi anulado pelo próprio recorrente quando decidiu enveredar pela actividade criminosa, não ponderando as consequências nefastas que adviriam, tanto para a sua família, como para as famílias residentes em território nacional, sejam estrangeiras ou portuguesas; R) A pretensão do recorrente, e os argumentas aduzidos, fazem antever, em última instância, que, no seu entender, a actividade criminosa, sempre que o agente tenha filhos menores, não possa ser punida, pois tal contenderia com o princípio consagrado no artigo 36º da CRP de não...

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