Acórdão nº 01075/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31 de Janeiro de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Banco A…………, S.A., com sinais nos autos, contra liquidação adicional de IVA relativa ao período de Dezembro de 2006, no montante de €4.281.484,79 euros e liquidações de juros compensatórios, anulando-as, apresentando para tal as seguintes conclusões (reformuladas): A. O Tribunal “a quo”, fixando como questões a decidir a (i) de saber se são legítimas as correcções efetuadas pela Inspecção Tributária aos elementos que integram a fórmula de cálculo do “pro rata”, inserta no n.º 4 do art. 23.º do CIVA, desconsiderando no numerador e no denominador, a componente respeitante à amortização de capital incluída nas rendas de locação financeira e, (ii) se há vício de forma por falta de fundamentação e, consequentemente, se há lugar à regularização de IVA relativo aos bens do imobilizado, decidiu pela procedência da presente impugnação, anulando as liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios impugnadas, no montante de €4.279.119,56, dado que a própria Impugnante aceitou as correcções efectuadas no valor de €38.219,08 e de €4.200,00.
B. O Tribunal “a quo”, estribou a sua fundamentação no erróneo pressuposto de que a interpretação do artigo 23.º do CIVA estaria incorrecta, pois do cálculo do “pro rata” não deveria ser expurgado do montante da renda, as amortizações financeiras, uma vez que a letra da lei não contempla tal interpretação, devendo a componente respeitante às amortizações financeiras (componente de capital), nas rendas resultantes das operações de locação financeira e ALD, no valor de € 160.302.460, 46, ser incluída (ou não) no numerador e no denominador da fórmula de cálculo.
C. Neste âmbito o thema decidendum assenta no entendimento de que o procedimento preconizado pela AT, nos termos do art.º 23º do CIVA, não violou as normas comunitárias ao considerar que para o apuramento da percentagem de dedução segundo o método do pro rata não concorre a parcela de capital constante das rendas pagas pelos clientes da impugnante no que respeita ao desenvolvimento da sua atividade de locação financeira e, se a interpretação dada pela AT fere a legislação comunitária, designadamente a Sexta Diretiva e a Diretiva IVA.
D. A Fazenda Pública considera, tal como foi provado, que o Impugnante, no seu exercício de atividade, tem operações que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, sendo considerado um sujeito passivo misto ou promíscuo, na designação italiana. Assim, e no caso dos autos, o Tribunal a quo considerou que os custos comuns não poderiam ser deduzidos pelo método de afetação real pelo que deveriam ser integrados no denominador da fração para o cálculo do pro rata, uma vez que o art.º 16º, n.º 1, al. h) do CIVA consagra como valor tributável o valor das rendas na locação financeira, olvidando que esse montante já havia sido deduzido no método de afetação real.
E. A atividade exercida na banca, no caso em apreço, consiste no financiamento de crédito, pagando ao fornecedor do bem aquando da aquisição do veículo automóvel (IVA suportado é dedutível), celebrando um contrato de locação financeira com o seu cliente, pelo que existem duas operações distintas, uma não confere direito à dedução e outra confere direito à dedução. Assim, a concessão de crédito não é a única atividade da banca, logo para poder concorrer em condições de igualdade com as demais empresas relativamente a essas outras atividades não isentas que também leva a cabo, deve poder exonerar-se do IVA suportado por causa dessas mesmas atividades. Só assim se consegue que seja verdadeiramente neutral o IVA suportado para produzir ou vender bens sujeitos mas não isentos.
F. O balcão bancário por meio do qual se procede à concessão de empréstimos e à receção de depósitos tem custos de IVA, custos que não podem ser deduzidos, logo as receitas desta atividade vão para o denominador -- vide Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Atividade económica, Atividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 106/107.
G. No caso da banca e, para os autores supra mencionados, o legislador do IVA isentou a atividade de prestação de serviços, ou seja, deu aos bancos (e, diretamente, a todos aqueles que recorrem a crédito) a vantagem de fornecer um serviço por um preço mais baixo do que aquele que cobrariam aos seus clientes se a atividade fosse tributada. Mas, como as isenções são distorções ao sistema do IVA, a isenção limita-se ao valor acrescentado por essa atividade. Quando uma empresa compra bens ou adquire serviços no exterior do perímetro formado pela empresa, suporta IVA, mas não tem aqui o direito à dedução se essas despesas estiverem em conexão com o produto ou serviço isento que vai colocar no mercado.
H. Como salienta Saldanha Sanches, o IVA suportado pela entidade isenta na sua atividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma atividade. - vide Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.
I. Entre nós, e na esteira do artº 19.° da Sexta Directiva e do art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o fim da norma é claro: encontrar um modo de afastar da dedução os custos de IVA respeitantes a atividades isentas, de forma a limitar o alcance da dedução e a adequá-la ao modo de funcionamento do sistema do IVA.
J. Já vimos que no caso em apreço, as operações de leasing e de ALD, os rendimentos provenientes dos contratos supra são rendimentos de mera fruição financeira, pelo que devem ou não ser colocados no denominador da fração? K. A jurisprudência, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de atividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui atividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.
L. No Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a perceção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.
M. No caso em apreço, a Fazenda Pública entende que o valor da amortização financeira (componente de capital) inserta nas rendas da locação financeira, não se inclui no cálculo do pro rata, porque: a) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor tributável consiste no valor da renda recebida ou a receber do locatário; b) Seguindo o método da afetação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível; c) Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adoção de um critério mais objetivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afetação dos inputs aos dois tipos de operações; d) No entanto, no cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível: e) A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
N. Nestes termos, pode-se concluir que no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing ou de ALD, desde que a utilização do método de afectação real não se mostre exequível.
O. Atendendo a que se trata do cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista cuja afetação não se mostrou viável, teremos de concordar com a interpretação dada, no sentido de ser determinada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar o mais aproximadamente possível, a afetação dos inputs aos dois tipos de operações.
P. Porém, ter-se-á de ressalvar a questão que não estamos no âmbito de aplicação do art.º 23.°, n.º 4 do CIVA, mas sim no apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata especifico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afetação real.
Q. Assim, a solução não poderia ser outra senão a de apenas incluir no cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos às actividades em causa já que, em relação a esses custos, a afectação real não se mostrava viável.
Se a solução fosse outra, a impugnante obteria uma vantagem injustificada ao deduzir indevidamente uma parte do IVA que já fora deduzido quando da afetação real, feita previamente. A solução preconizada é a que mais se aproxima da neutralidade e a que melhor se ajusta à redação do art.º 23º do CIVA, que como se constatou não fere o artº 174º da Diretiva IVA.
R. Tendo a questão controvertida suscitado polémica para a banca e não tendo sido tratada diretamente pelo TJUE, foi relativamente à matéria em tudo semelhante à focada neste segmento decisório, mas num outro processo, suscitada a questão prejudicial junto do venerando STA, no sentido de se saber se para o cálculo do pro rata, no caso do leasing e do ALD, uma vez que na aquisição...
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