Acórdão nº 0583/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. FREGUESIA DE VITORINO DAS DONAS e outros, devidamente identificados nos autos, interpõem recurso de revista do acórdão em que o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE[TCAN] decidiu conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto por A…………. e B………….., e, nessa conformidade, revogar a sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA [TAF/Braga] «no segmento em que considerou ocorrer impossibilidade de convolação da impugnação por intempestividade da sua dedução» e «determinar a remessa dos autos ao TAF para prosseguimento com a devida instrução/apreciação dos autos em conformidade com o julgado, se a tal nada entretanto obstar».

    Concluem as suas alegações de «revista» formulando as seguintes conclusões: 1- A admissão do presente recurso de revista justifica-se quer pela sua relevância jurídica, quer pela necessidade de uma melhor aplicação do direito; 2- Trata-se de matéria relacionada com prazo de caducidade para dedução do processo urgente de contencioso eleitoral previsto no CPTA, cuja resolução é necessária para esclarecer dúvidas que subsistem quanto a determinar o momento relevante para o início da respectiva contagem, contribuindo para a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito Democrático, para os aplicadores legais, operadores judiciários e interessados que procuram tutela junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; 3- Está em causa uma questão de correcta interpretação e aplicação da lei, de compatibilização da solução consagrada no artigo 98°, nº2, do CPTA, com as disposições do CPA, da Lei das Autarquias Locais e da Lei nº75/2013, de 12.09, sendo que, tanto quanto se saiba, a mesma não foi ainda objecto de apreciação, sendo que coloca problemática que ultrapassa os limites do interesse do caso concreto, já que será certamente suscitada em inúmeros casos concretos de teor análogo e que, por isso, é de todo o interesse esclarecer e clarificar; 4- O assunto reveste-se de importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social, desde logo pelo facto de a solução aplicada ao presente pleito poder facilmente conduzir a um bloqueio total do funcionamento das autarquias e respectivos órgãos, maxime, das freguesias, e por ter repercussão directa na vida das populações e nos respectivos direitos eleitorais; 5- A natureza deste tema engloba um conjunto de questões e conceitos de grande importância e complexidade e enorme relevância jurídica, que relevam para a certeza ou determinabilidade do direito e se encontram directamente relacionados com interesses especialmente importantes da comunidade, sendo que em casos anteriores em que se discutia matéria eleitoral e questões ligadas ao funcionamento dos órgãos eleitorais este STA decidiu encontrarem-se preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA; 6- O acórdão recorrido assenta em «erro nos pressupostos de facto», uma vez que a respectiva decisão se baseou no facto de considerar que não existiam elementos que permitissem aferir se e quando a acta da reunião de 06.11.2013, na qual o acto impugnado fora praticado, havia sido aprovada, sendo que o prazo de impugnação do mesmo se desencadearia com tal aprovação; 7- Conforme se vê da acta da reunião de 06.11.2013, a mesma foi lida e assinada por todos os eleitos presentes no final da reunião, ou seja, dos presentes após o abandono da mesma pelos membros eleitos pelas listas do PPD/PSI e do Movimento 51, o que significa que a mesma foi elaborada no final da reunião, lida e assinada por todos os presentes, que a aprovaram, assim, por unanimidade, o que os mesmos quiseram efectivamente; 8- A regra é que as actas dos órgãos das autarquias locais devem ser lavradas e aprovadas no final da respectiva sessão ou reunião; 9- A elaboração/aprovação da acta constitui requisito da eficácia dos actos praticados por órgão colegial de forma oral, e não requisito da sua existência ou validade; 10- A acta de 06.11.2013 foi aprovada na reunião realizada nessa mesma data, e de que os actos nela praticados, particularmente da eleição dos vogais da Junta de Freguesia, à qual os recorridos assistiram, tornaram-se eficazes nessa mesma ocasião [artigo 57º, nº4, do Anexo I à Lei nº75/2013, de 12.09], desencadeando, simultaneamente o início do prazo de impugnação previsto no artigo 98º nº2 do CPTA; 11- Os próprios recorridos assim o entenderam, face aos processos judiciais por eles mesmos instaurados e ainda pendentes em que questionam a validade dos actos praticados na reunião de 06.11.2014; 12- A decisão proferida pelo TCAN está eivada de erro de julgamento e viola a lei substantiva, na parte em que considerou que o acto impugnado apenas adquiriria eficácia com a aprovação da acta da reunião na qual ele teve lugar, e que apenas nesse momento começaria a correr o prazo previsto para a sua impugnação através da acção de contencioso eleitoral [artigo 98º nº2 do CPTA]; 13- O acto eleitoral ora impugnado tornou-se imediatamente eficaz, independentemente da sua«aprovação em acta», pelo que o prazo de impugnação se iniciou com o simples conhecimento, pelos interessados, maxime, os recorridos, ou seja, nesse mesmo momento; 14- A tese do acórdão do TCAN não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência, sendo que o citado artigo 98º nº2 do CPTA não deixa margem para dúvidas quando estabelece expressamente que o referido prazo se conta a partir «da data em que seja possível o conhecimento do acto ou da omissão»; 15- A ratio legis subjacente ao preceito, tendo em conta que se trata de processo urgente, é a de permitir acorrer, no mais breve lapso temporal possível, a situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos fundamentais salvaguardados pela CRP, o que precisamente pode justificar um aligeiramento das formalidades/requisitos exigidos nos processos não urgentes, em detrimento da celeridade processual necessária à protecção de interesses de extrema relevância, e à rápida resolução de situações cuja estabilidade há que assegurar evitando bloqueios de funcionamento de órgãos, situações de incerteza e desprotecção dos membros da comunidade, maxime dos eleitores; 16- Não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que «não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», ainda que imperfeitamente expresso, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9º nºs 2 e 3 do CC], deve entender-se que a única interpretação juridicamente admissível do artigo 98º, nº2, do CPTA, é a de que o prazo neste consagrado se inicia quando os interessados na impugnação do acto o possam conhecer, e isto independentemente de quaisquer condições adicionais, como requisitos integrativos de eficácia, como a alegada aprovação em acta; 17- Tratando-se de um processo de impugnação urgente, e por isso sujeito a regime especial, as disposições que constam dos artigos 97º a 99º CPTA prevalecem sobre as disposições gerais que regem os processos de impugnação não urgentes, maxime, as dos artigos, 51º, 54º nº1 b), e 59º nº3 c), CPTA, pelo que, havendo uma norma que estabelece uma solução específica para o processo urgente, como o artigo 98º nº2 do CPTA, deve tal solução prevalecer sobre as regras gerais dos processos impugnatórios não urgentes; 18- A posição adoptada pelo TCAN corresponde a paradigma ultrapassado e que não encontra actualmente enquadramento legal no CPTA, desde logo porquanto o critério actual em questão de impugnabilidade de actos administrativos é o da «eficácia externa», isto é, na produção de efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e particulares, por forma a que o interessado tenha interesse em remover os efeitos que projecta na sua esfera jurídica, através da respectiva declaração de nulidade ou anulação -artigo 51º do CPTA e 268º nº4 da CRP; 19- Da aplicação das normas invocadas pelo TCAN [artigos 51º, 54º nº1 b), e 59º nº3 c), do CPTA] resulta que, constituindo o acto eleitoral em apreço um acto com eficácia externa, e face a uma situação de efectiva ameaça de lesão, o início do prazo para interpor a acção de contencioso eleitoral iniciou-se com o conhecimento do acto, tornando-se passível de impugnação imediata, ainda que se considerasse, que não se concede, que o mesmo teria de ser sujeito a aprovação em acta, como condição da sua eficácia; 20- No caso, não está em causa qualquer deliberação, mas sim uma eleição, sendo certo que o acto eleitoral não configura qualquer tipo de deliberação carecida de aprovação em acta para produzir efeitos, não lhe sendo portanto aplicável o artigo 57º nº4 da Lei nº75/2013 invocado pela 2ª instância; 21- Trata-se de caso especial, cujo regime deve ser analisado em conjugação com disposições aplicáveis da Lei nº169/99 [na versão actualizada de acordo com a referida Lei 75/2013]–artigos 9º nº5, 11º nº1 e 79º - das quais resulta que o acto eleitoral impugnado adquiriu eficácia externa, traduzida no conhecimento por parte dos interessados, uma vez que o conteúdo se tornou efectivamente obrigatório, na medida em que seus efeitos se começaram a produzir na data da sua emissão; 22- Das disposições referidas decorre que a intenção do legislador foi a de evitar bloqueios no funcionamento dos órgãos, o que determinou que o mesmo adoptasse soluções que implicam que os actos que pudessem perturbar o funcionamento da Assembleia de Freguesia produzam efeitos imediatos, independentemente de qualquer outro requisito ou condição integrativa de eficácia; 23- Porque o intérprete deverá reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico [artigo 9º nº1 do CC], a solução da eficácia imediata com o conhecimento do acto a que se refere o artigo 98º nº2 do CPTA para efeitos de início de contagem do prazo de 7 dias é a única legalmente adequada e admissível, enquanto aquela que concretiza a...

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