Acórdão nº 01754/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Data09 Outubro 2014
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1- A………. e mulher, B………, devidamente identificados nos autos, intentaram, em 15/12/2003, no TAF de Coimbra, recurso contencioso de anulação do Despacho proferido, em 14/10/2003, pelo Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande (CMMG), «que ordenou o embargo [pelo prazo de 18 meses a contar da sua notificação] da obra de construção de um bloco habitacional e comercial que os ora Recorrentes se encontravam a construir.

2- O TAF de Coimbra, por sentença de fls. 540-549, julgou improcedente o recurso contencioso.

3- Não se conformando, os Recorrentes vieram interpor recurso (fls. 554), que foi admitido, fls. 556, como recurso de Agravo, na redacção anterior ao DL nº 303/2007, para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo apresentado as suas alegações, concluindo: “I. A fundamentação do acto Impugnado não carecendo de ser prolixa terá que «ser suficiente para que o interessado possa ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram a essa decisão de modo a poder conhecer o respectivo “itinerário cognoscitivo e valorativo” e, assim, permitir-lhe o controlo do acto».

  1. Tal não aconteceu no acto impugnado, ao menos no que tange ao segmento “outros alinhamentos, lateral e tardoz, não correspondem à Implantação apresentada e aprovada”, como de resto se destacou na PI.

  2. O Autor do acto recorrido não externou porque é que os alinhamentos lateral e a tardoz não correspondem à implantação e em que medida, continuando os ora Recorrentes sem saber em que consistia a não correspondência entre a Implantação apresentada/aprovada e a edificada, nos alinhamentos.

  3. Os Recorrentes não ficaram na posse de todos os elementos de facto que lhe permitissem aferir em que medida incorreram em desconformidade entre o projectado e o edificado, ficando impedidos de reagir contra o acto prolatado, mormente invocando, nesta parte, o vício de violação de lei (como fizeram no que diz respeito aos pilares).

  4. O conhecimento do “itinerário cognoscitivo e valorativo” que determinou a entidade administrativa recorrida a praticar ao acto só estaria completo se tivesse sido comunicado aos ora Recorrentes em que consistia tal desconformidade entre os alinhamentos projectados/aprovados e edificados, lateral e a tardoz! VI. A fundamentação do acto recorrido não foi enunciada de forma clara, precisa e completa, mas antes de forma obscura e insuficiente, violando-se o disposto nos artigos 268º - 3 da CRP, 124º-1 c), e 125º, nº 1 e 2 do CPA.

    VII.

    O Tribunal “a quo” não ajuizou o vício de forma, com a configuração que os Recorrentes lhe atribuíram expressamente nos artigos 45º a 49º da Petição Inicial, Incorrendo a douta decisão recorrida em nulidade da Sentença, prevista à data da sua prolação no artigo 668-1 d) do CPC ao tempo vigente.

  5. Para aferir do vício de violação de lei arguido pelos Recorrentes, que assacavam erro sobre os pressupostos de facto ao acto recorrido e consequente erro de direito (por violação do disposto no artigo 102º- 1 a) a c) do RJUE) é, prima facie, determinante apurar se os Recorrentes se encontravam a executar obras em desacordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal em 15/07/2002 e licenciado, como pretende o acto impugnado.

  6. É também determinante verificar se as alegadas desconformidades encontradas são de tal maneira graves e insuperáveis que exijam a intervenção da Administração para tutela da legalidade urbanística.

  7. Em matéria de urbanismo assiste-se hoje a um movimento de superação da rigidez das soluções inerentes ao esquema simplista e binário “cumpre/não cumpre”, pois há situações que exigem soluções contemporizadoras incompatíveis com o tratamento clássico.

  8. Consabido que o presente Processo deu entrada em Juízo em 15 de Dezembro de 2003, antes, portanto, da entrada em vigor da OPTA (em 1 de Janeiro de 2004- artigo 7º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro) e que, consequentemente, se lhe aplicam a LPTA e o ETAF, este na redacção do DL 129/84, de 27 de Abril (por força do artigo 2º da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro), o Supremo Tribunal de Justiça conhece de facto e de direito (artigo 21º- 1 do ETAF, na redacção do DL 129/84, de 27 de Abril).

  9. O facto provado em A) da douta Sentença a fl.s 544 (“No momento do embargo estava construída uma área entre 224 e 228 m2, correspondente à cave”), de per si, não afasta o cumprimento do projecto, não permitindo, portanto, concluir que a obra estava a ser executada em desconformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal em 15/07/2002 e licenciado pelo Alvará de licença de construção nº 193/03, de 18/03/03.

  10. Em boa verdade, do facto dado como provado, não resulta nem que a obra estivesse a ser executada em conformidade com o projecto, nem que estivesse a ser executada em desconformidade com ele. Só resulta que naquele estádio da obra (no momento do embargo) estavam construídos entre 224 m2 e 228 m2, correspondentes à cave.

  11. Compulsada a motivação da resposta apresentada pelo Tribunal “a quo”, logo ressalta a tremenda imprecisão no processo de medição, “dado os peritos terem efectuado medidas a fita métrica plástica e procedido à implantação destas mesmas em desenho, por dois métodos diferentes”- cfr. Relatório Pericial inicial, a fls. 265, resposta ao quesito a), e que o intervalo de imprecisão foi de 4 m2 (entre 224 e 228 m2), compatível com alcançar-se uma área de 232 m2, se aplicada a margem de imprecisão ao limite superior encontrado pelos Senhores Peritos – 228 m2 (basta pensar que os peritos erraram na medição - por força do processo de “medição à fita” plástica - nos mesmos 4 m2).

  12. A área construída poderia facilmente chegar aos 234 m2, no desenvolvimento da obra, sendo este segmento da matéria de facto dado como provada insusceptível de conduzir à ideia de incumprimento do projecto, na veste de “não implantação da obra em conformidade com o projecto aprovado”.

  13. Na alínea C) da matéria de facto provado faz-se uma afirmação em função do projecto, circunscrita à análise do documento de fls. 45. Todavia, este documento quando correlacionado com o documento “Planta de implantação’, de folhas 30, faz preponderar a matéria de facto provada em B), isto é, no projecto, “a fachada principal do edifício confinante a sul é recuada cerca de 1,5 m relativamente ao limite do edifico de construção e objecto do embargo”.

  14. Ao recolher como provada a matéria constante da alínea D) [“Na planta de implantação do projecto de arquitectura aprovado os limites mais avançados dos edifícios projectado e existente a sul estão alinhados, o que não estava a suceder em construção, pois na realidade o limite do edifício em construção, mostrava-se avançado em relação ao outro cerca de 30 cm.”], a douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

  15. Interpretando correctamente a planta de implantação de fls. 30 à luz dos esclarecimentos dos Senhores Peritos; dos documentos fotográficos de fls. 58, 59, 60, 61, 62, 196, 214 e 215; do levantamento topográfico de fls. 478 e 479, efectuado pelo próprio Recorrido e por ele junto aos Autos, maxime à luz do traço azul legendado como «lancil”; e da prova testemunhal produzida (excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas C…….., a fls. 455; D…….., a fls. 456; E………, a fls. 471 e F………, a fls. 473 e, outrossim, incongruências apontadas aos depoimentos destas últimas testemunhas no que se refere à linha a negro carregado da planta de implantação de folhas 30 e do depoimento da testemunha G……., a folhas 457) resulta que: • os limites mais avançados do edifício projectado (o dos Recorrentes) e do edifício existente (a sul) estão alinhados se considerarmos a rampa de acesso (incluindo lancil) — a que algumas testemunhas chamam passeio - ao edifício a sul (a famigerada “oficina de óleos e pneus”), que está, naturalmente, para além da fachada deste edifício; • os limites mais avançados do edifício projectado (o dos Recorrentes) e do edifício existente (a sul) não estão alinhados, se não considerarmos essa rampa de acesso e lancil, havendo cerca de 1,5 m de diferença entre a fachada do prédio da oficina de óleos e pneus e o limite do prédio dos Recorrentes, e 30 cm de diferença se consideramos o limite das varandas do prédio da oficina.

    • A nova construção respeita os mesmos limites, avançando o mesmo que no edifício demolido relativamente à fachada do edifício adjacente, e indo até ao limite da rampa de acesso a este edifício, sendo que os pilares da construção edificada estão no alinhamento do tal lancil, nunca excedendo a sua projecção.

  16. O erro de interpretação da linha a negro carregado na planta de implantação de folhas 30 redundou no entendimento recolhido no acto recorrido, que os pilares da galeria do edifício projectado alinham com o limite das varandas do edifício confinante (subentende-se a parte interior do pilar), estando portanto a parte exterior do pilar fora do alinhamento.

    XX- Do acervo probatório já referido resulta ter sida erroneamente apreciada e dada como provada, a matéria de facto provada em D), quando: • A Câmara Municipal da Marinha Grande tinha, afinal, um desiderato: regularizar os alinhamentos dos edifícios no local da obra, o que verdadeiramente motivou o embargo sub judice; • o autor do acto administrativo recorrido partiu de um errado pressuposto de facto, que o impeliu a decretar o embargo, qual seja o de que os pilares do edifício em construção (edifício dos Recorrentes) estavam edificados em desconformidade com o projecto aprovado, já que na respectiva planta de implantação (a folhas 30) representavam-se a negrito as varandas do edifício adjacente a Sul (e não, como efectivamente acontecia o limite da respectiva rampa de acesso e lancil), estando os pilares alegadamente construídos à frente das varandas, cerca de 30 a 35 centímetros, correspondentes ao seu diâmetro (sendo que nessa tese, a face interior do pilar estava alinhado pelas varandas, a face exterior do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT