Acórdão nº 0403/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A………… e os demais autores na acção destes autos, nela identificados, vieram reclamar para a conferência da decisão do relator, de fls. 756 e ss, que julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pleito e absolveu da instância as entidades demandadas - a Assembleia da República, o Ministério das Finanças, o Ministério da Economia e ainda, como contra-interessado, o Metropolitano de Lisboa, EPE.

Os reclamantes concluíram essa sua peça com as conclusões seguintes, expressivas das razões por que se insurgem contra o despacho «sub specie»:

  1. Entende o Despacho/sentença que o artigo 75° do OE 2014, “pelas suas características de generalidade e abstracção é uma norma, uma regra de conduta, que não corresponde ao conceito de ato administrativo do artigo 120° do CPA, uma vez que este exige a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”; B) Tal conclusão baseou-se na simples apreciação dos diversos números do artigo 75° do OE 2014, sem atender a tudo o que foi dito pelos Autores e que evidencia que tal artigo encerra uma medida concreta e individualizada, completamente delimitada no tempo; C) Ao longo da petição inicial demonstraram os Autores que o artigo 75° do OE 2014 mais não é do que uma medida materialmente administrativa que tem unicamente por destinatários os trabalhadores de empresas de transportes urbanos de Lisboa, visando diminuir os custos operacionais de tais empresas a fim de ser dada a concessão da sua exploração a privados, processo esse que, aliás, se encontra em curso, como tem sido sobejamente publicitado; D) Demonstraram ainda, através de prova documental, que tal medida visa atingir certo e determinado objetivo e que se esgota logo que o mesmo seja cumprido, ou seja, logo que ocorra a concessão dos transportes urbanos de Lisboa a entidades privadas; E) O Despacho/sentença não aborda um único dos fundamentos de facto e de direito invocados pelos Autores e limita-se a analisar, superficialmente, a redação do artigo 75° para daí concluir, sem mais, pela “natureza normativa do artº. 75º da Lei nº 83-C/2013” F) O próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 413/2014, coloca a questão de saber qual o âmbito de aplicação subjetivo do artigo 75º do OE, sem chegar a uma conclusão por não dispor de “informação suficiente para determinar quais as empresas e, no âmbito destas, quais os trabalhadores e ex-trabalhadores que serão afetados e em que termos” G) Ora, o STA intervém neste processo em primeira instância, razão pela qual podia e devia ter procurado conhecer todos os factos necessários à decisão da causa, máxime os que foram carreados para os autos pelos Autores; H) Contudo, o Despacho/sentença em causa limitou-se a fazer uma interpretação literal do artigo 75° do OE 2014, constatando ainda que os destinatários do “acto jurídico em causa não são concretamente identificados, mas definidos por referência às categorias universais de «trabalhadores no activo» e de «antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas»”; I) Não obstante terem os Autores explicado longamente que os requisitos de aplicação do artigo 75º eram de tal forma restritivos que só duas empresas os preenchiam, Metropolitano de Lisboa e Carris, o que foi totalmente ignorado pelo Despacho/sentença sub judice; J) Concluiu ainda o referido Despacho/sentença que a aplicação da “norma” aos trabalhadores no ativo implica, por si só, “que não sejam determináveis todos os destinatários do comando”; K) Tal é desmentido pelos Autores, e consta do Acordo de Empresa de 2004, já que a cláusula relativa aos complementos de reforma foi alterada e passou a ser aplicada apenas aos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa que haviam sido admitidos na empresa até 31 de Dezembro de 2003; L) Ainda que assim não fosse, com a tão propalada denúncia dos contratos coletivos de trabalho, a questão deixa de se colocar já que, após caducarem, não se vislumbra que possam vir algum dia a ser repostas as cláusulas que os contemplam; M) Segundo o Despacho/sentença, o art. 75º é ainda dotado de abstração “pois que não determina a produção de um único efeito jurídico, com o qual se esgota, mas é passível de aplicação ao longo do tempo (vide nº 6)”; N) Contudo, na sua petição inicial, os Autores demonstraram abundantemente, invocando factos concretos (v. arts. 27º a 77º), que tal medida é definitiva, e não provisória, como pretende fazer crer o nº 6 do artigo 75º; O) Por outro lado, é de realçar que a “norma” em causa só se aplica a situações ocorridas no passado já que o seu n.º 1 é claro ao especificar que apenas estão abrangidas “(N)as empresas do sector público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados, à data da entrada em vigor da presente lei, ...” P) Contrariamente à conclusão retirada no Despacho/sentença, os factos carreados para os autos pelos Autores, demonstram claramente que o artigo 75° do OE 2014 não é dotado de generalidade, nem de abstração, antes é dirigido a resolver um problema concreto de natureza político-administrativa - visa criar as condições necessárias à concessão da exploração de certas e determinadas empresas de transportes urbanos que integram o setor público empresarial; Q) O Despacho/sentença, ao ignorar todas as questões relevantes para a apreciação da causa que foram suscitadas pelos Autores, incorreu em omissão de pronúncia pelo que enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA; R) Por outro lado, o referido Despacho/sentença defende igualmente que “são legislativos, independentemente do seu conteúdo, todos os actos normativos que provenham de um órgão com competência legislativa, que assumam as formas de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional (artº. 112º/1 CRP), e tenham sido elaborados de acordo com os respectivos procedimentos constitucionalmente prescritos”; S) Ora, a interpretação segundo a qual o artigo 112°, n° 1 da CRP consagra um critério formal de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional, sendo suficiente apurar se o diploma em causa foi emitido pelo órgão legislativo competente e obedeceu aos procedimentos instituídos na Constituição, tal interpretação tem, ela própria, de ser considerada inconstitucional por contrária aos princípios subjacentes a um Estado de direito democrático, como proclamado para a República Portuguesa no artigo 2º da Lei...

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