Acórdão nº 0381/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A………., e mais seis ex-trabalhadores da METROPOLITANO DE LISBOA, E.P.E. [ML], todos identificados nos autos, vêm reclamar para a conferência do «Despacho do Relator» [artigo 27º, nº 2, do CPTA], proferido a 15.05.2014 neste STA, que julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer deste processo cautelar, e, em conformidade, absolveu da instância as entidades demandadas [artigo 278º, nº1 a), CPC], isto é, a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [AR], o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS [MF], o MINISTÉRIO DA ECONOMIA [ME] e, ainda, a contra-interessada METROPOLITANO DE LISBOA, E.P.E. [ML].

    Concluem a sua reclamação da forma seguinte: 1- Entende o Despacho recorrido que o artigo 75º da LOE 2014, «pelas suas características de generalidade e abstracção é uma norma, uma regra de conduta, que não corresponde ao conceito de acto administrativo do artigo 120º do CPA, uma vez que este exige a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta»; 2- Tal conclusão baseou-se na simples apreciação dos diversos números do artigo 75º da LOE de 2014, sem atender a tudo o que foi dito pelos Recorrentes, e que evidencia que tal artigo encerra uma medida concreta e individualizada, completamente delimitada no tempo; 3- Ao longo do seu requerimento inicial demonstraram os Recorrentes que o artigo 75º da LOE de 2014 mais não é do que uma medida materialmente administrativa que tem unicamente por destinatários os trabalhadores de empresas de transportes urbanos de Lisboa, visando diminuir custos operacionais dessas empresas, a fim de a concessão da sua exploração ser dada a privados, processo que, aliás, se encontra em curso, como tem sido sobejamente publicitado; 4- Demonstraram, ainda, através de prova documental, que tal medida visa atingir determinado e certo objectivo, e que se esgota logo que o mesmo seja cumprido, ou seja, logo que ocorra a concessão dos transportes urbanos de Lisboa a entidades privadas; 5- O Despacho recorrido não aborda um único dos fundamentos de facto e de direito invocados pelos Recorrentes, e limita-se a analisar, superficialmente, a redacção do artigo 75º, para daí concluir, sem mais, pela «natureza normativa do artigo 75º da Lei nº83-C/2013»; 6- O próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 413/2014, coloca a questão de saber se não é mais restritivo o âmbito de aplicação subjectivo do artigo 75º do OE, sem chegar a uma conclusão por não dispor de «informação suficiente para determinar quais as empresas e no âmbito destas quais os trabalhadores e ex-trabalhadores que serão afectados e em que termos»; 7- Ora, o STA intervém neste processo em primeira instância, razão pela qual podia e devia ter procurado conhecer todos os factos necessários à decisão da causa, maxime os que foram carreados para os autos pelos Recorrentes; 8- Contudo, o Despacho recorrido limitou-se a fazer uma interpretação literal do artigo 75º da LOE para 2014, constatando, ainda, que os destinatários do «acto jurídico em causa não são concretamente identificados, mas definidos por referência às categorias universais de “trabalhadores no activo” e de “antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas”»; 9- Ora, os Recorrentes explicaram longamente que os requisitos de aplicação do artigo 75º eram de tal forma restritivos que só duas empresas os preenchiam, Metropolitano de Lisboa e Carris, o que foi totalmente ignorado pelo Despacho recorrido; 10- Concluiu ainda o Despacho recorrido que a aplicação da «norma» aos trabalhadores no activo implica, por si só, «que não sejam determináveis todos os destinatários do comando»; 11- Tal é desmentido pelos Recorrentes, e consta do Acordo de Empresa de 2004, já que a cláusula relativa aos complementos de reforma foi alterada e passou a ser aplicada apenas aos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa que haviam sido admitidos na empresa até 31 de Dezembro de 2003; 12- Ainda que assim não fosse, com a tão propalada denúncia dos contratos colectivos de trabalho a questão deixa de se colocar já que, após caducarem, não se vislumbra que possam vir algum dia a ser repostas as cláusulas que os contemplam; 13- Segundo o Despacho recorrido, o artigo 75º é ainda dotado de abstracção «pois que não determina a produção de um único efeito jurídico, com o qual se esgota, mas é passível de aplicação ao longo do tempo [vide nº 6]»; 14- Contudo, no seu requerimento, os Recorrentes demonstraram abundantemente que tal medida é definitiva, e não provisória, como pretende fazer crer o nº 6 do artigo 75º; 15- Por outro lado, é de realçar que a «norma» em causa só se aplica a situações ocorridas no passado já que o seu nº 1 é claro ao especificar que apenas estão abrangidas «[N]as empresas do sector público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados, à data da entrada em vigor da presente lei...»; 16- Contrariamente à conclusão retirada no Despacho recorrido, os factos carreados para os autos pelos Recorrentes, demonstram claramente que o artigo 75º do OE 2014 não é dotado de generalidade, nem de abstracção, antes é dirigido a resolver um problema concreto de natureza político-administrativa, visa criar as condições necessárias à concessão da exploração de certas empresas de transportes urbanos que integram o sector público empresarial; 17- O Despacho recorrido, ao ignorar todas as questões relevantes para a apreciação da causa, que foram suscitadas pelos Recorrentes, incorreu em omissão de pronúncia, pelo que enferma da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1 alínea d), do CPC, aplicável por força do artigo 1º do CPTA; 18- Por outro lado, o Despacho defende igualmente que «são legislativos, independentemente do seu conteúdo, todos os actos normativos que provenham de um órgão com competência legislativa, que assumam as formas de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional [artigo 112º, nº 1, da CRP], e tenham sido elaborados de acordo com os respectivos procedimentos constitucionalmente prescritos»; 19- Ora, a interpretação segundo a qual o artigo 112º nº 1, da CRP, consagra um critério formal de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional, sendo suficiente apurar se o diploma em causa foi emitido pelo órgão legislativo competente e obedeceu aos procedimentos instituídos na Constituição, tal interpretação tem, ela própria, de ser considerada inconstitucional por contrária aos princípios subjacentes a um Estado de direito democrático, como proclamado no artigo 2º da CRP; 20- Para além disso, tal interpretação normativa é igualmente inconstitucional por pôr em causa o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, e ainda por violar o disposto no artigo 18º, nº 3, ambos da Lei Fundamental.

    Termina pedindo a revogação do despacho recorrido.

    A ML respondeu à reclamação formulando as seguintes conclusões: 1- O artigo 75º da Lei nº 83-C/2013, de 31.12, constitui uma norma da Lei do Orçamento de Estado [LOE], emanada da Assembleia da República [AR]; 2- Trata-se de uma norma jurídica que tem um inquestionável carácter genérico e abstracto, aplicando-se a todos os trabalhadores e ex-trabalhadores de todas as empresas do Sector Empresarial do Estado que atribuem, ou possam futuramente vir a atribuir, complementos de pensões; 3- Estamos por isso perante um acto normativo que decorre da competência legislativa da AR; 4- E que não visa a produção de efeitos «numa situação individual e concreta», conforme a definição de acto administrativo constante do artigo 120º do CPA; 5- Trata-se de uma norma genérica e de execução permanente; 6- Do mesmo modo, e conforme se referiu, de um ponto de vista jurisprudencial o facto de os destinatários de uma norma serem determináveis, não altera a natureza jurídica da norma para passar a ser um acto administrativo; 7- Assim sendo, estamos no âmbito do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 4º do ETAF, que exclui do âmbito da jurisdição do STA a apreciação da legalidade dos actos praticados pelos órgãos do Estado no exercício das suas funções política e/ou legislativa; 8- O STA é, assim, «materialmente incompetente» para conhecer do pedido de nulidade ou de anulação do artigo 75º da Lei nº83-C/2013 de 31.12 [LOE]; 9- Sendo que a violação das regras de competência em razão da matéria leva à incompetência absoluta do tribunal [artigo 96º, alínea a), do CPC], sendo que a incompetência absoluta constitui uma excepção dilatória prevista na alínea a) do artigo 577º do CPC.

    Termina pedindo a confirmação do despacho reclamado.

    O ME respondeu também à reclamação, formulando as seguintes conclusões: 1 - Bem se decidiu no despacho reclamado, ao considerar que o artigo 75º da Lei nº 83-C/2013 não é um acto administrativo, mas é acto normativo praticado no exercício da função política e legislativa; 2 - No despacho reclamado, o referido artigo 75º da LOE 2014 foi analisado face...

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