Acórdão nº 01575/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A…………, SGPS, SA, com os demais sinais dos autos, recorre, por oposição de acórdãos, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 27/11/2012, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e em que se julgara procedente a impugnação judicial contra a liquidação de IRS relativa ao exercício de 1998.

Invoca oposição de acórdãos entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo mesmo TCA Sul em 10/03/2009, no processo nº 02608/08.

1.2. Admitido o recurso, a recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações com vista a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 561-566).

1.3. No TCA Sul foi proferido, em 25/6/2013, pelo Exmo. Relator, despacho (fls. 627-627v.), no qual se considerou existir a invocada oposição e foi ordenada a notificação das partes para alegarem, nos termos do disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.

1.4. Alegações que a recorrente termina formulando as conclusões seguintes: 1. O presente recurso jurisdicional por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão proferido nos presentes autos, em 27 de Novembro de 2012, por estar, na óptica da ora recorrente, em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 10 de Março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08.

  1. Defende a recorrente que em ambos os arestos está em causa a aferição da legalidade de liquidações de IRC, emitidas com base na correcção à matéria colectável das ali impugnantes, partindo da desconsideração de custos incorridos com o afretamento de aeronaves, tendo por base a sua indispensabilidade à luz do artigo 23.º do CIRC, sendo certo que as soluções jurídicas chegadas são opostas.

  2. Julga a recorrente que a análise jurídica efectuada pelo TCA Norte, no acórdão proferido em 10 de Março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08 é a que se mostra conforme ao espírito e letra da lei, devendo, por conseguinte, manter-se.

  3. Assim sendo, deve o acórdão recorrido ser revogado, com todas as consequências legais.

  4. Dos autos resultou demonstrada a demonstrada a necessidade e imprescindibilidade dos custos de deslocação e representação suportados pela recorrente, atenta a natureza da actividade por ela prosseguida e o contexto empresarial em que a mesma se insere: são custos indispensáveis à obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da empresa.

  5. Ficou, ainda, provado, que o recurso ao aluguer de aeronaves, em detrimento da compra de lugares em aviões que cumprem as rotas comerciais delineadas pelas companhias aéreas, constitui uma vantagem efectiva para as empresas e, igualmente, a normalidade e proporcionalidade/justificabilidade destes custos atenta a dimensão da empresa em causa, tratam-se de custos racionais, proporcionais e normais atento o volume dos proveitos que proporcionam à recorrente.

  6. É certo, o tribunal a quo não é alheio à prova efectuada: muito pelo contrário, é sensível à necessidade de uma empresa da dimensão da recorrente de incorrer em custos desta natureza para o exercício da sua actividade. Todavia, as consequências jurídicas que daí retira é que não se mostram correctas: o tribunal recorrido erra na interpretação e aplicação da norma do nº 1 do art. 23º do CIRC, a única mobilizável no caso concreto – designadamente na interpretação do requisito da indispensabilidade e da relação com os ganhos ínsito naquela norma –, e, concomitantemente, num inegável vício de violação do princípio constitucional da tributação de acordo com o seu lucro real e do princípio fundamental da liberdade de gestão e da autonomia privada.

  7. Com efeito, o tribunal a quo nem por um único momento considerou a vigência, no nosso ordenamento jurídico, de um princípio constitucional que nunca poderia ter ignorado: o princípio segundo o qual as empresas devem ser fundamentalmente tributadas de acordo com o seu lucro real, em resultado do que não teve também em conta a regra segundo a qual têm relevância fiscal todos os encargos suportados pelas sociedades na prossecução dos seus objectivos estatutários.

  8. Ora, de acordo com a formulação do artigo 23º do CIRC, a regra, bem ao invés do que pretende a Administração fiscal e, na sentença da qual ora se recorre, o tribunal a quo, é a de que todos os custos efectivamente incorridos pelas sociedades na prossecução dos seus objectivos estatutários são custos fiscalmente dedutíveis – muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado: não lhe assiste qualquer margem de livre apreciação, nem lhe cabe formular juízos de oportunidade.

  9. O artigo 23º do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos actos de gestão das empresas: num ordenamento jurídico que reconheça expressamente a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode ser sindicada pela Administração, a menos que sobre elas recaia a suspeita de que são ilegais.

  10. Por outro lado, a indispensabilidade do custo não pode aferir-se nem em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa – basta, aliás, ter em conta que muitos dos exemplos de custos fiscalmente aceites fornecidos pelo legislador não determinam a obtenção directa de proveito algum, nem se podem considerar vitais para a manutenção da fonte produtora (por exemplo, as despesas com regimes complementares de segurança social ou os encargos suportados com diferenças de câmbio).

  11. Na verdade, o corpo do n.º 1 daquele artigo 23º apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, isto é, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a actividade da sociedade, como os encargos com despesas privadas dos sócios ou com terceiros, estranhos à empresa: a sua aplicação para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado está, portanto, circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiro 13.

    A regra é a de que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador tendo em vista, para lá de não permitir a intromissão da Administração fiscal na gestão da empresa, impedir a consideração fiscal de gastos que, embora contabilizados como custos, não são susceptíveis de se subsumirem ao âmbito da actividade da empresa.

  12. Sempre que ocorra a verificação de um determinado evento que comporte um encargo a suportar por determinada sociedade na prossecução dos seus fins estatutários, a conexão empresarial desse encargo está assegurada, já que se verificou efectivamente uma diminuição patrimonial – por outras palavras, uma perda como a que foi apurada pela ora recorrente, não está sequer sujeita ao teste da indispensabilidade, já que corresponde a uma perda efectivamente sofrida com a aquisição de um serviço utilizado na prossecução dos seus fins estatutários.

  13. Aceitando que os negócios se praticaram a valores adequados – e outra coisa não é admissível na ausência de correcções aos preços praticados –, aceitando ainda que o recurso aos serviços adquiridos é matéria da inviolável esfera de autonomia privada daquele que a eles recorre e admitindo – dado nunca ter sido questionado – a finalidade empresarial a que o serviço adquirido se destina (proporcionar a célere deslocação dos trabalhadores da empresa para participação em reuniões de negócios nas instalações da casa-mãe, a B………… GEST, SGPS, e bem assim nas instalações de fornecedores e clientes da sociedade, em diversos pontos do território nacional e internacional), o encargo suportado com a aquisição de um serviço utilizado na actividade operacional da empresa como um elemento potenciador e maximizador da fonte produtora resulta, necessariamente, numa perda, que não pode deixar de ser tida em conta na determinação da matéria colectável.

  14. Neste sentido, retirar à recorrente a possibilidade de relevar fiscalmente o custo experimentado com o aluguer de aeronaves utilizadas nas deslocações dos seus trabalhadores no interesse da sociedade constituiria uma segunda desvantagem, que se viria adicionar à que resultou realmente da verificação do encargo.

  15. Ora, assumindo que a dedutibilidade fiscal dos custos deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa – e já não, como talvez defenda o tribunal a quo,de uma relação de causalidade directa e adequada à formação dos proveitos ou de um juízo de mérito ou oportunidade do custo tendo em vista a sua contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora –, não há dúvida de que, no caso dos presentes autos, o custo experimentado com o aluguer de aeronaves equivale a um encargo contraído no interesse da empresa e a uma opção/acto de gestão abstractamente subsumível no perfil lucrativo da empresa.

  16. Termos em que deverá entender-se que a decisão recorrida, que julga improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente, assenta em erro de julgamento em matéria de direito, aqui relevado na deficiente interpretação e aplicação do direito, violando o disposto no nº 1 do artigo 23º do CIRC e os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da liberdade de gestão e da autonomia privada.

  17. Para além do mais, e tal como referido, entende a ora recorrente que o acórdão recorrido se encontra em oposição com o proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 10 de Março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08: confrontados os Acórdãos e não...

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