Acórdão nº 0690/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A…………., S.A., identificada nos autos, interpôs no Tribunal Tributário de Lisboa, acção de execução de sentença contra o Ministério das Finanças, pedindo que fosse dada execução à sentença proferida por aquele Tribunal em 8 de Outubro de 2012, no âmbito da impugnação judicial nº. 189/07.8BEALM, condenando-se o Ministério das Finanças no pagamento das seguintes quantias: - EUR 1.044.231,39, a título de imposto e juros compensatórios, resultantes da liquidação adicional de IRC nº. 2006 6420002965, relativa ao ano de 2003, anulada pela sentença exequenda; - EUR 249.581,61, a título de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de EUR 1.044.231, 39, contabilizados entre 28 de Dezembro de 2006 / 10 de Janeiro de 2007 e 17 de Dezembro de 2012, nos termos do artigo 43º nº. 1 da L.G.T.; - EUR 46.478,71, a título de juros de mora, incidente sobre o montante de EUR 1.044.231,39, contabilizados entre 18 de Dezembro de 2012 e a presente data (29 de Abril de 2013), bem como dos juros de mora vincendos até integral pagamento, nos termos do artigo 102, nº. 2 da L.G.T.; - EUR 23.820,70, a título de juros de mora e acrescido pagos a 10 de Janeiro de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal nº. 3530200601090895, nos termos do artigo 100º da L.G.T.; - EUR 56.303,42, a título de indemnização devida pelos prejuízos resultantes da constituição e manutenção da garantia bancária nº. 333.065, prestada no âmbito do processo de execução fiscal nº. 3530200701005294; - EUR 2.304,00, a título de custas de parte.

  1. Naquele Tribunal foi julgada parcialmente verificada a situação de inexecução ilegítima de julgado, pelo que a executada foi condenada, no prazo de trinta dias, ao pagamento à exequente do montante em falta de EUR 2.267,53 e juros indemnizatórios calculados sobre o mesmo e até ao pagamento integral do capital em dívida, tendo sido declarado, quanto ao restante pedido, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT.

  2. Inconformada, a entidade executada Fazenda Pública veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: 1. A par do contrato administrativo e do regulamento administrativo, a função administrativa dos órgãos da administração, consubstancia-se na prática actos administrativos e, no que à administração tributária diz respeito, estes podem traduzir-se em actos tributários, ou actos administrativos em matéria tributaria.

  3. Certo e que, independentemente da sua natureza, todos os actos por si praticados serão sempre e só actos administrativos.

  4. Qualquer decisão judicial que determine a anulação de um acto praticado pela administração tributária, está sempre e necessariamente a anular um acto administrativo.

  5. O dever de executar uma decisão judicial que anule tal acto administrativo passa assim, e desde logo, pela necessária constituição da administração, no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (artigo 173.º do CPTA).

  6. O próprio Supremo Tribunal Administrativo assim o entendeu quando em 23.11.2005 o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo afirmou, no acórdão proferido no processo nº 032377A que “A anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado o que passa pratica de todos os actos e operações materiais necessárias a colocar o interessado na situação que teria não fosse a prática do acto anulado o que exige não só a substituição do acto anulado por um acto validamente praticado, mas também a supressão dos efeitos resultantes da pratica do acto ilegal e a eliminação aos actos subsequentes da mesmo” (sublinhado nosso) 6. Desta conceptualização dos actos que consubstanciam a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, resulta patente que a anulação de um acto administrativo não consubstancia única e exclusivamente o pagamento de uma quantia pecuniária, como da sentença parece resultar.

  7. Na verdade, a anulação parcial da liquidação de imposto e juros compensatórios tem como consequência imediata a prática de actos e operações materiais que permitam determinar o quantum correspondente ao valor exacto a restituir a título de imposto.

  8. Efectivamente e não resultando expresso no segmento decisório da sentença que apreciou a impugnação judicial, o montante a restituir - até porque, por força das vicissitudes dos impostos, a anulação de uma liquidação de imposto reconduz-se a alteração de um dos elementos que integram a liquidação (seja este a matéria colectável, a taxa de imposto, etc.) - não será configurável que a execução do julgado se reconduza ao pagamento de uma quantia pecuniária, que se mostre certa, líquida e exigível.

  9. Donde, necessariamente, o prazo para execução espontânea do julgado, que determinou a anulação parcial da liquidação, será de 90 dias, por força do nº 1 do artigo 175º do CPTA.

  10. A estatuição do nº 3 do artigo 175º do CPTA apenas terá aplicação quando a sentença anulatória determinar expressamente o quantum a restituir pois que assim se poderá entender que a execução da sentença consistira no pagamento de uma quantia pecuniária.

  11. Pese embora entendendo o tribunal a quo que os prazos de execução espontânea são diferentes, consoante estejamos perante a restituição do imposto (30 dias) ou o pagamento de juros indemnizatórios (90 dias), veio este sufragar o entendimento de que os pagamentos efectuados deverão ser imputados inicialmente a juros, e só depois a imposto, por força da interpretação que e conferida ao nº 4 do artigo 40º da LGT, quando entendido que aquele artigo, por razões de justiça e igualdade, devera ser aplicável tanto no caso de dividas dos contribuintes a administração tributária, como na situação inversa.

  12. Este entendimento é em si mesmo contraditório, ia que, se por um lado afirma que a AT deve primeiramente pagar o imposto, uma vez que o prazo de execução espontânea daquele é inferior ao prazo para pagamento de juros, por outro lado afirma que qualquer pagamento concretizado pela AT deve ser inicialmente imputado a juros, e não a imposto.

  13. Em termos operacionais, a anulação parcial de uma liquidação implica um acto de reapuramento (re-liquidação) do imposto devido pela contribuinte.

  14. A sentença a quo deu como provado que a AT procedeu, em execução da sentença proferida no processo de impugnação, a pagamentos parciais das quantias devidas.

  15. De acordo com a imputação efectuada pela AT dos montantes pagos a Exequente, a sentença mostra-se executada desde o dia 10.10.2013, tendo sido concretizada a restituição do imposto e acrescido (1.044. 231,39), dos juros indemnizatórios devidos (273.474,09), da indemnização pela garantia bancária que se mostrou indevida (56. 303,42), e das custas de partes (2.304,00).

  16. O tribunal a quo, pretendendo ver aplicável aos pagamentos devidos pela administração tributaria aos contribuintes, em execução de julgados, a norma constante do nº 4 do artigo 40º da LGT, entendeu que a imputação dos pagamentos, ditos parciais, efectuados pela AT, teriam que respeitar aquele normativo, concluindo assim estar em falta o pagamento do montante de €2.267,53, a titulo de imposto, acrescido de juros indemnizatórios.

  17. E, fazendo apelo a regras de interpretação normativa, conclui que o legislador, no nº 4 do artigo 40º da LGT regulou de forma igualitária e justa o regime de imputação dos pagamentos insuficientes, tanto das dividas do contribuinte para com a administração tributaria, como desta para com os contribuintes.

  18. Não pode porem olvidar-se, que para além do artigo 40º da LGT, regulam o regime de imputação dos pagamentos parciais os artigos 89º e 262º, ambos do CPPT.

  19. Tais normativos, concretizadores do artigo 40º da LGT, ao materializarem os termos em que devem ser feitas as imputação dos referidos pagamentos parciais, impõem a administração tributária determinadas limitações.

  20. Na verdade, o nº 3 do artigo 262º (para o qual remete o nº 2 do artigo 89º) “estabelece uma limitação quanto a amortização da dívida de juros de mora, que não poderá exceder metade do valor da amortização da divida de capital, incluindo os juros indemnizatórios” (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário - 6ª Edição - Vol. IV, pp 230).

  21. Quer isto dizer que nas dividas dos contribuintes a administração tributaria, que se subsumam a pagamentos parciais, a imputação dos pagamentos respeitara sempre a regra de que 50% do montante pago e imputado a capital.

  22. Na análise conjugada deste quadro normativo, pergunta-se onde estaria a forma igualitária e justa, definida pelo legislador - de acordo com a interpretação veiculada pelo tribunal - ao determinar que nas dividas dos contribuintes à administração haveria um limite mínimo de 50% imputado a capital, sendo que, no caso das dividas da administração aos contribuintes, a imputação começaria necessariamente pelos juros, e só no fim de liquidados os juros seria de imputar os pagamentos parciais a capital? 23. Afigura-se pois que tal interpretação se traduziria numa manifesta desigualdade e injustiça, entre a administração e os contribuintes numa situação em que a AT não age no exercício do seu ius imperium.

  23. Logo, a interpretação normativa do artigo 40º da LGT, acolhida pelo tribunal a quo, porque não atendeu ao integral quadro normativo, e se cingiu aquele artigo, não só desatendeu aos seus elementos literal e sistemático (pois que, não atendeu em pleno as normas do CPTT que concretizam aquela norma), como igualmente postergou os elementos racional e teleológico da norma (cujo fim único e regular as dividas dos contribuintes a administração, e não o contrario), quanto necessariamente interpretada em consonância com os...

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