Acórdão nº 0926/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. “COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DO ALENTEJO LITORAL” (“CIMAL”) e A……………….

, devidamente identificados nos autos, instauraram neste Supremo Tribunal, no âmbito do direito de ação popular, a presente “providência cautelar com pedido de decretamento provisório destinada à tutela de direitos, liberdades e garantias” contra o ESTADO PORTUGUÊS, CONSELHO DE MINISTROS, o PRIMEIRO-MINISTRO, o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e a MINISTRA DE ESTADO E DAS FINANÇAS, nos termos e com a motivação aduzida no requerimento inicial de fls. 04/82 dos autos.

Concluem peticionando a procedência do procedimento cautelar e que sejam decretadas as seguintes providências: a) “Ser reconhecido aos cidadãos dos municípios de Alcácer do Sal, Sines, Santiago do Cacém, Grândola e Odemira, o direito à manutenção da Comarca do Alentejo Litoral - Santiago do Cacém, com a respetiva competência, área de circunscrição e Tribunais/juízos”; b) “A Intimação dos Requeridos para se absterem de praticar todo e qualquer ato e operação material com vista à extinção da Comarca do Alentejo Litoral - Santiago do Cacém, mantendo-se o atual ‘status quo’”; c) “Suspender-se os atos administrativos contidos nos arts. 3.º, 4.º, n.º 3, 44.º, 64.º, al. c) e al. t), 70.º, 98.º, 104.º, 117.º todos do DL n.º 49/2014, de 27.03, e todos os demais atos e operações materiais, com vista a que se mantenha a Comarca do Alentejo Litoral - Santiago do Cacém”; d) “E, sempre que tais providências sejam decretadas logo a título provisório ao abrigo do disposto no art. 131.º do CPTA, de forma a salvaguardar os direitos dos cidadãos ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a defesa do primado da lei e da legalidade democrática - maxime da dignidade e valor da pessoa humana, nas suas várias vertentes, em face da lesão eminente dos referidos direitos e da inevitável criação de uma situação de facto consumado com prejuízos desmesurados, insuscetíveis de quantificação em face do âmbito e dos bens jurídicos cuja tutela se requer”.

1.2.

Por despacho do Relator, datado de 01.08.2014, foi decidido rejeitar liminarmente as providências cautelares peticionadas dada incompetência da jurisdição administrativa para conhecer do objeto dos autos, de acordo com a al. a), do n.º 2, do art. 04.º do ETAF, que exclui do âmbito desta jurisdição a apreciação de litígios que visem a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.

1.3.

Os requerentes cautelares, inconformados, apresentaram a presente reclamação para a Conferência formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 286 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “...

  1. A douta decisão Reclamada padece de nulidade ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3, art. 4.º ambos do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA, invocável nesta sede ao abrigo do disposto nos arts. 195.º, 198.º, n.º 1 e 199.º todos do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA, na medida em que, citados que foram os Requeridos para se pronunciarem sobre o requerimento inicial e apresentadas que foram as respetivas respostas, os Requerentes delas não foram notificados para o exercício cabal do contraditório, salvo no que se refere ao pedido apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público no sentido de não patrocinar o Estado.

  2. A douta decisão reclamada padece de erro de julgamento, tendo o digníssimo Conselheiro Relator efetuado uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto e por errada interpretação, qualificação dos atos contidos nos arts. 3.º, 4.º, n.º 3, Anexo III, 64.º al. c) e al. t), 70.º, 97.º, 98.º, art. 104.º e art. 117.º todos do DL n.º 49/2014, de 27.03, ao qualificar tais atos como emanados ainda no âmbito da função normativa do Governo, tendo sido violados designadamente o disposto no art. 4.º, n.º 1 al. b), al. c) e n.º 2 al. a), este último a contrario, todos do ETAF, por referência ainda ao vertido nos arts. 2.º, 3.º, 20.º, 165.º, n.º 1 al. b) e al. p) e n.ºs 2 e 3, 182.º, 183.º, 198.º, n.º 1 als. a), b) e c) e n.º 3, 199.º, als. c), d) e g), 202.º, n.º 2, 204.º, 212.º, n.º 3, 266.º, 268.º, n.º 4 e n.º 5 todos da CRP, devendo a douta decisão ser revogada e substituída por outra através da qual se admita a providência cautelar, seguindo-se os ulteriores termos do procedimento.

  3. E, no caso em apreço não se está apenas e tão só no âmbito da discussão de atos administrativos tout court, mas também no âmbito do conflito de direitos e/ou de interesses legalmente protegidos dos cidadãos aqui representados pelos Requerentes, em face do alegado - aliás inexistente - interesse público prosseguido pelos requeridos com a extinção da Comarca do Alentejo Litoral-Santiago do Cacém - art. 2.º, art. 3.º, 18.º, 20.º, 206.º, art. 266.º, art. 268.º, n.º 4 e n.º 5, 277.º, n.º 1, todos da CRP e art. 335.º do CC e que por isso deve também ser apreciada.

  4. Os atos contidos no DL n.º 49/2014, de 27.03, não foram emanados no âmbito de uma qualquer autorização legislativa, nos termos do disposto no art. 165.º, n.º 1, al. b), al. p) e n.º 2, conjugado com o disposto no art. 198.º, n.º 1 al. b), ambos da CRP, nem tão pouco se contém na al. c) do n.º 1 do art. 198.º da CRP, sendo que o Governo não tem competência própria para legislar sobre a criação, reorganização e extinção de tribunais, nada podendo inovar no que a esta matéria concerne.

  5. Em face do disposto nos arts. 29.º, n.º 3, 33.º, art. 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 111.º a 137.º, art. 152.º todos da Lei n.º 62/2013, de 26.08, e respetivo Anexo II, o Governo, através dos requeridos, no que se refere à matéria sobre a criação do Tribunal da Comarca de Setúbal e da Comarca de Beja, e da extinção da Comarca do Alentejo Litoral, não dispunha de qualquer margem de manobra ou poder discricionário que lhe permitisse, no âmbito da função legislativa, emanar qualquer norma em sentido diferente do consignado na Lei n.º 62/2013, de 26/08, pelo contrário.

  6. A função legislativa, exprime a realização de opções primárias, inconstituídas, com um conteúdo inovador, expressão da intencionalidade específica, consubstanciada na formulação de opções políticas primárias da comunidade política, que é característica do exercício da função legislativa, sendo certo que, para que uma norma seja materialmente legislativa, ela tem de ser uma fonte de direito inicial e, portanto, de ter um conteúdo inovador, determinado por direto apelo à consciência ético-social vigente.

  7. Os atos contidos nos arts. 3.º, 4.º, n.º 3, e com referência ao Anexo III, arts. 64.º, al. c) e al. t), art. 104.º e art. 117.º do DL n.º 49/2014, de 27.03, são atos materialmente administrativos, ou seja, são atos sob a forma de lei, em que as respetivas decisões, embora contidas num ato formalmente legislativo, são meramente administrativas porque integram efeitos decisórios concretos, definidores das situações jurídicas das concretas populações representadas pelos Requerentes, no acesso à justiça nas suas múltiplas vertentes.

  8. E, ainda, porque, adotadas ao abrigo de lei anterior - a Lei n.º 62/2013 - em cujos pressupostos já se encontram assumidas as opções políticas primárias que competiam ao legislador, tratando-se, pois, de decisões que são produzidas no exercício de uma competência prevista na referida lei e que, portanto, apenas envolve a realização de opções circunscritas a aspetos secundários, menores ou instrumentais em relação às opções já contidas na Lei n.º 62/2013, não estando em causa atos inovatórios.

  9. Os atos contidos nos arts. 3.º, 4.º, n.º 3, Anexo III, art. 64.º, al. c) al. t), art. 104.º e art. 117.º, n.º 2 e n.º 3 todos do DL n.º 49/2014, de 27.03, contêm verdadeiras decisões administrativas, com eficácia externa, com repercussões imediatas na esfera individual e concreta de cada cidadão e têm como destinatários (entre os plurais) as populações dos municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira, representadas pelos ora Requerentes e cujo conteúdo é lesivo de...

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