Acórdão nº 0718/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 03 de Setembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a reclamação judicial que a sociedade A……………, LDA deduziu contra o acto praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, de indeferimento do pedido de dispensa (parcial) de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal nº 0710201201032410 e apensos, que contra si corre nesse Serviço de Finanças para cobrança de dívidas tributárias no montante total de € 169.715,61.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: A - A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a reclamação de ato do órgão da execução fiscal interposta nos termos do art. 276º do CPPT do despacho proferido em 07-11-2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº 0710201301032410 e aps., que corre termos naquele Serviço de Finanças e que indeferiu o pedido de isenção parcial da prestação de garantia para efeito da suspensão da execução.
B - A douta sentença recorrida anulou o despacho reclamado, por entender que o OEF devia ter convidado a requerente a apresentar prova do requisito da falta de culpa na insuficiência patrimonial, que entendesse necessária para a decisão a proferir, e não o tendo feito incorreu em violação dos princípios do inquisitório e da colaboração/cooperação.
C - Ora, ressalvado o devido respeito com o que foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
D - Com efeito, entende a Fazenda Pública que recai sobre o executado o ónus de provar a verificação de todos os requisitos para obtenção da dispensa de garantia e não tendo aquela juntado com o requerimento a necessária prova documental, a justificar análise e ponderação crítica, nada mais restou à Administração Fiscal que não fosse, perante os factos de que dispunha, fazer a sua interpretação conforme o direito aplicável.
E - Assim, conforme dita o nº 3 do art. 170º do CPPT, o pedido de isenção de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados, deve ser produzida com o pedido, em obediência aos interesses de prossecução da legalidade e do interesse público subjacentes à tomada de decisões de concessão de isenção da prestação de garantia e não do foro subjectivo e arbitrário da Fazenda Pública.
F - Deste modo, a prova a efectuar competia à reclamante, no momento em que apresentou o requerimento, em consonância com a jurisprudência dominante, designadamente no Ac. TCA Sul, proc. 00155/03, de 06.05.2003; no Ac. TCA Sul, proc. 00348/04, de 07.12.2004 e no Acórdão do TCA Sul de 29-11-2011, proferido no proc. 05169/11 (a título meramente exemplificativo).
G - Segue-se depois a decisão, não havendo propriamente instrução mas apenas apreciação por parte do órgão de execução fiscal dos factos invocados face à prova oferecida pelo requerente e a sua subsunção às normas aplicáveis.
H - O texto do art. 170º nº 3 do CPPT pressupõe, assim, que seja apresentada pelo executado, com o requerimento, toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados, para se dispensar a prestação de garantia. Não há assim uma nova oportunidade para tal, nem há que chamá-lo novamente para participar na formação da decisão. A ser assim, poderia haver por parte dos requerentes o recurso a manobras dilatórias que poderiam prejudicar o andamento do processo de execução fiscal.
I - A urgência do processo está patente nos curtos prazos definidos no próprio artigo 170º especificamente no nº 4.
J - Ademais, resulta dos princípios gerais da prova, designadamente do art. 342º do Código Civil, que quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
K - E não competia à AT convidar a requerente a apresentar os meios de prova necessários, até porque o prazo para decisão de 10 dias que detém é bastante curto. Sendo um incidente o pedido da isenção da prestação de garantia do processo de execução fiscal, que tem um caráter urgente, ficando tal incidente inclusivamente dispensado de audiência prévia, conforme a jurisprudência atual do STA que vai reiteradamente nesse sentido, independentemente da natureza do ato de indeferimento da prestação da garantia (ato administrativo ou ato processual) – cfr. Acórdãos do STA de 26-09-2012, Proc. 0708/12 e de 13-03-20 12, Proc. 0288/13.
L - Ora, o pedido de dispensa de garantia apresentado pela reclamante junto do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 170º do CPPT deveria ter sido fundamentado de facto e de direito e instruído com toda a prova documental indispensável, sendo que tal não resulta do requerimento apresentado pela recorrida.
M - Ademais, não se conjetura como poderia ser a AT a carrear para os autos os elementos probatórios atinentes aos factos pessoais alegados pela reclamante, de que a prestação da garantia lhe iria causar prejuízo irreparável ou que a mesma não dispõe de meios económicos suficientes para a prestar, ou que tenha de apresentar prova do requisito da falta de culpa na insuficiência patrimonial, que entendesse necessário para a decisão a proferir, pois a reclamante encontra-se naturalmente e em regra, em melhores condições para satisfazer tal prova de harmonia com a factualidade por si alegada.
N - Assim pretendeu o legislador ao impor tal ónus probatório ao reclamante na supracitada norma do art. 170º nº 3 do CPPT, solução que se afigura como a mais acertada e por isso a escolhida pelo legislador, como ao intérprete, em todo o caso, sempre deve presumir, nos termos do disposto no art. 9º nº 3 do C.Civil.
O - Salienta-se que a douta sentença sustenta o seu entendimento no Acórdão do STA, processo 0519/13, de 15-05-2013.
P - Todavia, conforme vimos referindo, existe jurisprudência firmada em sentido distinto, como a título exemplificativo o Acórdão do STA de 26-09-2012, Proc. 708/12.
Q - E, naturalmente, o princípio do inquisitório não pode implicar para a AT o dever de se substituir ao contribuinte, nomeadamente na realização da prova, que, nos termos da lei, a ele compete efetuar, com a consequente inversão do ónus da prova.
R - Sobre a inversão do ónus da prova, pode ver-se o douto acórdão do STA, de 17-12-2008, do Cons. Jorge de Sousa, ou o douto Acórdão de 19-12-2012, Proc. 1320/12, onde se refere que é sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respetivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
S - E a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo, que é a da sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens, não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344º do CC.
T - Desta forma, entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a isenção da prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, os arts. 52º da LGT e 169º e 170º do CPPT.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a reclamação, assim se fazendo, JUSTIÇA.
1.2.
A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma: a. Apesar da sua natureza “urgente”, o procedimento relativo ao pedido de dispensa de prestação de garantia não se prefigura como desprovido de qualquer instrução procedimental administrativa.
b. Concomitantemente, a lei não excepciona desse procedimento a plena operatividade do princípio do inquisitório e demais princípios de actuação administrativa.
c. O indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia não constitui consequência automática ou liminar da incompletude dos suportes probatórios que o acompanhem.
d. A imposição de um ónus probatório não implica a anulação dos deveres inquisitórios, do princípio da colaboração e, em última análise, do princípio da cooperação processual.
e. Efectivamente, o princípio do inquisitório impõe-se num plano pré-decisório, vinculando a AT à realização de diligências e à prática de actos que se revelem necessários à decisão de mérito que lhe incumba proferir, cumprindo-se ao nível da instrução procedimental administrativa, em momento logicamente anterior ao da decisão que houver a proferir quanto aos factos e ao direito.
f. A ausência dessa instrução não pode fundar-se, em caso algum, no facto de a “prova” estar a cargo do contribuinte, pois serão precisamente esses os casos em que o dever do inquisitório assume particular densidade e relevo.
g. Enquanto que a instrução constitui um prius de apreensão dos factos marcado pelo inquisitório em que a administração tem o “dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados” (Leite de Campos e outros, LGT anotada), as regras da prova constituem um posterius relativamente a essa actividade...
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