Acórdão nº 0253/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A..........., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a reclamação que deduziu, na qualidade de titular de direito de retenção sobre o prédio urbano vendido na execução fiscal nº 2810200701053558 e apensos, contra o acto de indeferimento tácito do pedido de anulação de venda desse imóvel, levada a cabo no processo de execução fiscal, instaurado no Serviço de Finanças do Funchal-1 contra B………….

1.1.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a Reclamação do Recorrido relativamente à anulação da venda em processo de execução fiscal.

  1. Contudo, o Recorrente não pode concordar com a decisão proferida.

  2. Porquanto, o Recorrente é titular de direito de retenção sobre a fração autónoma objeto da venda.

  3. Tal direito de retenção deriva dos contratos-promessa celebrados pelo Recorrente e sua mãe com o executado.

  4. Tal direito não é posto em causa nem pela Fazenda Pública nem pelo Tribunal a quo.

  5. Apesar de o Tribunal a quo entender que para requerer a anulação da venda, apenas têm legitimidade o executado, o preferente ou o remidor, importa relembrar que o ora Recorrente não é um terceiro qualquer, mas sim o morador daquela fração pela qual pagou integralmente o preço e ainda não procedeu à celebração do contrato prometido.

  6. A referida fração foi alienada sem que fosse visitada por quem quer que seja.

  7. O artigo 20º da CRP consagra o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos.

    I. Tal preceito constitucional é concretizado no âmbito fiscal no artigo 9º da LGT.

  8. O único meio ao dispor do Recorrente para conseguir proteger o seu direito é através da anulação da venda, uma vez que apenas teve conhecimento de que a habitação onde reside tinha sido alienada já depois dessa venda, não tendo por isso oportunidade de socorrer-se de quaisquer outros meios que a lei põe ao seu dispor.

  9. Note-se que o direito do Recorrente não se resume a um mero direito de crédito, como também ao seu direito de habitação constitucionalmente consagrado no artigo 65º da CRP.

    L. O ora Recorrente é profundamente prejudicado com a não anulação da venda, inclusive ainda mais do que o Executado porque este para além de ter recebido o preço pago pela aquisição da referida fração pelo Recorrente, vê-se livre de uma dívida fiscal e do processo executivo à custa da alienação de um bem que já não lhe pertence e sobre o qual não tem qualquer tipo de interesse.

  10. Ou seja, prejudica-se um terceiro de boa-fé e favorece-se o contribuinte incumpridor.

  11. No artigo 65º da LGT prevê-se que podem intervir no procedimento tributário todos aqueles que possam ser afetados pela decisão.

  12. Ora tal princípio também deveria aplicar-se in casu.

  13. E toda esta problemática resulta unicamente do facto de que não houve a publicitação da venda da fração autónoma.

  14. Conforme ficou provado pelo Tribunal a quo a única publicitação que se assistiu da venda cingiu-se à afixação de um edital no Serviço de Finanças em causa.

  15. Se é verdade que a redação atual do 249º do CPPT relativo à publicidade da venda apenas obriga à divulgação pela Internet.

  16. Também é verdade que a redação daquele mesmo artigo com referência à data de início do processo de execução fiscal era outra.

  17. Aliás, tal alteração apenas veio a ocorrer com a LOE de 2012, sendo claro que não se aplicaria aos processos pendentes como era o caso.

  18. Assim, antes da alteração pela LOE de 2012 era obrigatório, para além da divulgação na Internet, a afixação de um edital no Serviço de Finanças competente, na Junta de Freguesia respetiva e principalmente na porta do prédio objeto da venda e ainda um anúncio num dos jornais mais lidos do lugar da execução ou localização dos bens com a antecedência de 10 dias úteis.

    V. O que não se cumpriu, eliminando-se assim a possibilidade de o ora Recorrente tomar conhecimento do que se estava a passar em relação à sua fração autónoma e de tomar as devidas medidas para acautelar o seu direito.

  19. Apesar de o nº 3 do artigo 13º da LGT ditar que as normas sobre processo tributário são de aplicação imediata, a verdade é que naquele mesmo preceito se salvaguarda os direitos, liberdades e garantias anteriormente constituídos.

    X. Ora, ao exigir-se antes da LOE de 2012, a verificação de todas aquelas formalidades, estava-se a garantir a proteção quer do executado como de eventuais interessados.

  20. Mesmo que se entenda que a alteração do artigo 249º do CPPT pela LOE 2012 se aplica aos processos pendentes à data e consequentemente aplicando-se ao presente caso, não nos podemos esquecer o que dispõe o CPC, que se aplica subsidiariamente por força do artigo 2º do CPPT relativamente a esta matéria.

  21. Assim, por força da alínea b) do nº 1 do artigo 817º do CPC seria sempre obrigatória a afixação de um edital na porta do prédio urbano a vender.

    AA. A ratio legis da necessidade de tal formalidade consiste, conforme refere o Tribunal da Relação do Porto de 10/03/2009, relator C…………, disponível em www.dgsi.pt, “(...) em garantir que a venda a efetuar seja do conhecimento esclarecido do maior número de pessoas, potenciais proponentes (...)”.

    BB. A preterição de tal formalidade constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC ex vi pelo artigo 2º do CPPT, que terá como consequência a anulação da venda.

    CC. Insiste-se: é inconcebível que a casa onde o Recorrente reside há mais de treze anos tenha sido vendida sem que o mesmo tenha tido conhecimento dessa situação, sem que alguém tenha vindo visitá-la e sem que tenha sido notificado nesse sentido quando a Administração Tributária sabia e não podia ignorar que o Recorrente residia na mesma já que a mesma corresponde à morada fiscal do mesmo! DD. Não se aceita que para se vender uma residência, direito com relevo constitucional, se baste com uma divulgação na internet! EE. Exigir que os contribuintes consultem diariamente o site das Finanças de modo a verificar se o prédio onde reside será objeto de uma venda é completamente impraticável.

    FF. O mesmo se diga em relação ao edital no Serviço de Finanças: é impossível que, diariamente, os contribuintes se dirijam a tal serviço como mesmo objetivo.

    GG. A mera publicitação na Internet toma o procedimento de alienação num sistema obscuro e apenas acessível a alguns contribuintes.

    HH. Compreende-se o interesse público relativo à cobrança de receitas das entidades de direito público, mas tal não interesse não se poderá sobrepor as garantias dos contribuintes e mais do que isso ao direito constitucional de habitação.

    II. É inconcebível que se aliene um apartamento por uma dívida que não ultrapassa os cinco mil euros, deixando uma família que nada tem a ver com o processo, que não incumpriu com as suas obrigações, desalojada.

    JJ. Ao permitir-se que a seja vendida a fração autónoma apenas com uma mera divulgação eletrónica e um edital no Serviço de Finanças assiste-se a um verdadeiro retrocesso social e à consagração de um sistema processual obscuro, injusto e usurpador da propriedade privada, mais, deixam de interessar os meios para alcançar os fins.

    KK. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 249º do CPPT na redação anterior à LOE de 2012, ou, caso assim não entenda, violou a alínea b) do nº 1 do artigo 817º do CPC, aplicável ex vi pelo artigo 2º do CPPT e ainda os artigos 257º e 9º do CPPT, os artigos 20º e 65º da CRP e os artigos 9º e o 65º da LGT.

    1.2. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, e que concluiu da seguinte forma: A. O ora recorrente não tem legitimidade para requerer a anulação de venda com fundamento na desconsideração de um ónus real, à luz da alínea a) do nº 1 do artigo 257º do CPPT, designadamente por força de um alegado direito de retenção sobre o imóvel alienado, por não ser executado, preferente ou remidor nos autos de execução fiscal e não ser, assim, titular de interesse relevante que lhe confira legitimidade processual.

  22. De igual modo, não tem o recorrente legitimidade para requerer a anulação de venda com fundamento em falta de publicidade da mesma, à luz do disposto artigo 249º do CPPT.

  23. Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o argumento da falta de publicidade da venda apresentado pelo recorrente jamais poderia merecer acolhimento.

  24. Dispõe o nº 3 do artigo 12º da Lei Geral Tributária (LGT) que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”.

  25. Sendo o artigo 249º do CPPT uma norma processual, no que à publicidade da venda em execução fiscal diz respeito, não restam dúvidas que a redação que lhe foi dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, tem aplicação imediata a todos os processos de execução fiscal pendentes, como foi o caso dos autos de execução fiscal ora controvertidos, F. Sendo que a ressalva feita na parte final do sobredito nº 3 do artigo 12º da LGT, quanto à salvaguarda das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos...

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