Acórdão nº 0576/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A…………….., S. A. com os demais sinais dos autos, veio recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referente aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante de 1.762.111,04€, apresentando para o efeito, alegações nas quais concluiu: Iª) A recorrente, em terreno da sua titularidade, edificou e construiu uma Clínica hospitalar vindo, depois, a ceder a exploração dessa clínica ou estabelecimento hospitalar a outra entidade; IIª) A recorrente cedeu, também, a outra entidade, a exploração do bar e restaurante que funcionam na referida clínica; IIIª) As referidas cedências de exploração são operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que a recorrente tem liquidado imposto sobre os quantitativos que cobra por tais cedências; IVª) A recorrente é, deste modo, um sujeito passivo de IVA, realizando operações tributáveis que dão direito à dedução do IVA; Vª) Assim, nos termos dos art°s 19° e 20º do Código do IVA, a recorrente tem deduzido o IVA que suportou na construção da clínica hospitalar na sua “equipagem”, como deduz o IVA que vai pagando e suportando na aquisição de bens e serviços necessários à manutenção da referida clínica hospitalar; VIª) É que, nos termos do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar, a recorrente tem a obrigação de efetuar todas as obras necessárias referentes ao edifício onde funciona a clínica hospitalar, bem como todas as operações de limpeza e manutenção e ainda tem a obrigação de manter, reparar e substituir todo o equipamento necessário ao funcionamento da clínica; VIIª) A Administração Tributária efetuou uma fiscalização à recorrente e veio considerar que esta não tinha direito à dedução do IVA que suportou, e suporta, a montante, referentes às indicadas operações (construção e manutenção da clínica) e, em consequência dessa correção, consistente não na aceitação da dedutibilidade do IVA, emitiu liquidações de imposto e de juros compensatórios, liquidações essas que são ilegais; VIIIª) A fundamentação aduzida pela Administração Tributária para negar à recorrente o direito à dedução do IVA assenta no pressuposto de que se “usou abusivamente do direito ao reembolso”; IXª) A Administração Tributária considerou terem existido factos que “consubstanciam uma prática abusiva no domínio do imposto sobre o valor acrescentado” razão pela qual considerou deverem “ser desconsiderados em sede de IVA os efeitos decorrentes” do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar celebrado pela recorrente; Xª) A Administração Tributária não instaurou o procedimento especial previsto no artº 63° do CPPT, o que consubstancia uma ilegalidade que inquina, também de ilegalidade, as liquidações impugnadas; XIª) Na verdade, o artº 63° do CPPT, na redação à época em vigor, exige a instauração do procedimento especial aí previsto, quando se pretenda efetuar correções com base em disposições antiabuso, considerando-se, como tal, as que estabelecem a ineficácia fiscal de negócios jurídicos celebrados com manifesto abuso de formas jurídicas, de que resulte a eliminação ou a redução de impostos que, de outro modo, seriam devidos; XIIª) A aplicação dessas medidas ou correções antiabuso tem, nos termos do referido artº 63° do CPPT, que ser, obrigatoriamente, precedida e realizada através de um procedimento próprio, onde se exige uma especial fundamentação por parte da Administração Fiscal e onde se concede ao contribuinte o direito de audição em face de um projeto, direito a ser exercido no prazo de 30 dias; XIIIª) A Administração Tributária, como resulta da fundamentação constante do Relatório da Inspeção Tributária, considerou que a celebração, pela recorrente, do contrato de cedência de exploração da clínica hospitalar, é uma prática abusiva, porque com tal contrato ela passou a ter o direito à dedução do IVA suportado a montante, direito que, de outro modo, não teria; XIVª) E, em consequência desse juízo de prática abusiva, desconsiderou a existência do referido contrato; XVª) Estão, assim, reunidos todos os pressupostos definidores do abuso e da aplicação de uma medida antiabuso, pelo que, nos termos do artº 63° do CPPT, era obrigatória a instauração do referido procedimento; XVIª) O referido artº 63° do CPPT é uma norma de direito processual, pelo que a argumentação constante da decisão recorrida não pode proceder; XVIIª) Na verdade, a Diretiva do IVA, e a sua interpretação, invocadas como fundamento para a aplicação da medida antiabuso, preceitua sobre normas e princípios relativos à incidência, à isenção, à matéria coletável e a outras matérias de direito substantivo, isto é, não dispõe sobre questões processuais, tais como prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspetivos, exercício de contraditório, etc.; XVIIIª) Entender-se que o artº 63° do CPPT ao exigir um procedimento próprio, para a aplicação de disposições antiabuso, restringe a aplicação das normas e princípios da Diretiva IVA, é o mesmo que entender que o artº 45° da LGT, ao impor um prazo de caducidade na liquidação de IVA, restringe e limita a aplicação do direito comunitário relativo a este imposto, já que, como se referiu, a Diretiva IVA não contém normas sobre caducidade, prescrição, exercício do contraditório, etc.; XIXª) A não aplicação do mecanismo procedimental do artº 63° do CPPT implicaria, além do mais, um tratamento discriminatório, sem sentido, nem fundamento, entre o IVA e outros impostos; XXª) A não aplicação do mecanismo procedimental do artº 63° do CPPT implicaria a violação das especiais garantias estabelecidas para os contribuintes nos casos de aplicação de mecanismos antiabuso.

XXIª) Ao não ter instaurado tal procedimento, cometeu-se uma ilegalidade que implica, também, a ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas; XXIIª) A Administração Tributária considerou que através da cessão da exploração da clínica hospitalar, a recorrente obteve uma vantagem fiscal (o direito à dedução do IVA) que, de outro modo, não teria, já que se fosse ela a explorar diretamente a clínica hospitalar estar-lhe-ia vedado o acesso a esse direito à dedução; XXIIIª) E isto seria assim, diz a Administração Tributária, porque a exploração do estabelecimento hospitalar é uma atividade isenta de IVA, nos termos do nº 2 do artº 9° do CIVA, pelo que, enquanto atividade isenta, não há o direito à dedução do IVA suportado a montante; XXIVª) A referida Administração Tributária entende que seria este o quadro aplicável, em sede de IVA, se a exploração da clínica fosse feita diretamente pela recorrente, já que esta não poderia renunciar à isenção de imposto, nos termos do artº 12°, nº 1, b), CIVA; XXVª) É que, diz a Administração Tributária, na medida em que foram celebrados acordos de prestação de cuidados de saúde com o Instituto de Ação Social das Forças Armadas, passou a integrar-se no Sistema Nacional de Saúde, pelo que, nos termos do referido artº 12°, nº 1, b) do CIVA, estaria vedada essa renúncia a isenção; XXVIª) Ora, a recorrente não celebrou qualquer contrato ou acordo referente à prestação de cuidados de saúde - até porque não é essa sua atividade - sendo que, ainda que tivesse celebrado o contrato referido pela Administração Tributária, mesmo assim, teria direito a renunciar à isenção de IVA; XXVIIª) Decorre dos nºs 1 e 2 da Base XII da Lei de Bases da Saúde, que só integram o Sistema Nacional de Saúde as entidades privadas que celebrem acordos com o Serviço Nacional de Saúde e este é constituído pelas instituições e serviços oficiais, prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde; XXVIIIª) Ora, a entidade com a qual ter-se-ia celebrado um acordo - o Instituto de Ação Social das Forças Armadas - está na dependência do Ministério da Defesa Nacional e não na dependência do Ministério da Saúde, pelo que é indiscutível que a recorrente não integraria o Sistema Nacional de Saúde, razão pela qual poderia renunciar à isenção de IVA; XXIXª) Essa renúncia à isenção do IVA - como aliás é reconhecido pela Administração Tributária - permitiria que a recorrente pudesse deduzir o IVA suportado a montante; XXXª) Assim sendo, verifica-se que não há qualquer vantagem fiscal obtida pela recorrente ao ter optado pela cedência da exploração da clínica a outra entidade, em detrimento de ser ela a efetuar tal exploração; XXXIª) A inexistência de qualquer vantagem fiscal é quanto basta para se considerar ilegal a aplicação da medida antiabuso e a não aceitação do direito à dedução do IVA suportado a montante; XXXIIª) Sendo certo, em qualquer caso, que ainda houvesse, ou tivesse havido, uma vantagem fiscal na opção pela cedência da exploração da clínica hospitalar; como decorre da interpretação que a jurisprudência comunitária tem feito sobre o conceito de abuso, necessário seria que o ato ou negócio praticado fosse inusitado, anormal, e que esse caráter de anormalidade só encontrasse justificação na procura de uma vantagem fiscal; XXXIIIª) Ora, a opção pela cessão de exploração do estabelecimento hospitalar, em lugar de ser a recorrente a explorar diretamente esse estabelecimento, é uma opção normal de gestão XXXIVª) Normalidade que se encontra num modelo, conhecido, de racionalidade de gestão, separando em duas distintas entidades, a atividade referente ao Edifício Hospitalar e à atividade referente à exploração do estabelecimento hospitalar; XXXVª) A complexidade referente à construção de uma clínica hospitalar, à sua “montagem”, com a aquisição ou o aluguer da maquinaria, bem como a sua manutenção, consistente não só em obras de reparação do edifício, mas também em reparação e substituição do equipamento, maxime, equipamento médico caro e complexo, justificam que essa atividade seja realizada por entidade que apenas se dedique a essa área; XXXVIª) Por outro lado, e de forma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT