Acórdão nº 0746/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução29 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

Os Municípios de Arouca, Oliveira de Azeméis, Matosinhos, Porto, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vila Nova de Gaia, já devidamente identificados nos autos, reclamam para a conferência do despacho do relator, de 19.06.15, pelo qual foi declarado, em síntese, que, “7.

Em face da natureza legislativa das normas suspendendas, ou, talvez melhor, não se vislumbrando quaisquer actos administrativos no requerimento inicial apresentado pelos requerentes – nem mesmo aqueles identificados no ponto 1.1., (vi), e no ponto 1.2.

–, na medida em que aquelas normas corporizam ainda, se bem que de forma menos genérica, uma opção política que implicou e implica uma complexa reforma legislativa relacionada com a reorganização dos sistemas multimunicipais de água e saneamento, há que concluir pela incompetência da jurisdição administrativa para a apreciação e julgamento da presente providência cautelar, quer no que respeita ao pedido de suspensão da eficácia, quer no que se refere ao pedido de intimação. Por este motivo, impõe-se a sua rejeição liminar.

Pelo exposto, e nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, decide-se rejeitar liminarmente as providências requeridas com todas as legais consequências”.

2.

Os Requerentes, ora Reclamantes, apresentaram as seguintes conclusões (fls 1077 e ss): “a) Os actos cuja suspensão se requer nos autos são actos individuais e concretos, imediatamente exequíveis, praticados em exclusiva concretização de normas legais, os quais relativamente a elas nada inovam; b) São assim actos praticados num desempenho de função secundária do Estado, a função administrativa; c) A normação com carácter inovador na matéria dos sistemas multimunicipais é estabelecida pelos Decretos-Lei nºs 319/94, 294/94 e 92/2015; d) E são estes diplomas que os actos cuja suspensão se requer executam e concretizam, nada inovando relativamente a eles; e) O Despacho reclamado contém uma petição de princípio por dar como provado o que se pretende provar, visto não proceder a qualquer demonstração da razão pela qual tais actos seriam inovadores; f) O Despacho reclamado erra quando qualifica os actos requeridos nos autos como sendo da função legislativa por entender que seriam, apesar de individuais e concretos, inovadores, o que se afirma visto que, conforme resulta da presente reclamação, tais actos não contêm pingo de inovação, limitando-se a executar, sem nenhuma autonomia, o regime jurídico relativo aos sistemas multimunicipais previamente existente estabelecido pelos citados Decretos-Lei nºs 319/94, 294/94 e 92/2015; g) O Decreto-Lei n.º 93/2015, na interpretação que lhe dá o Despacho reclamado, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 62º e 18º, nº 3 da Constituição, por conter, nessa interpretação, normas da função legislativa individuais e concretas que lesam direitos fundamentais análogos – o que é proibido constitucionalmente; h) O Decreto-Lei n.º 93/2015, na interpretação que lhe dá o Despacho reclamado viola o disposto no artigo 20º da Constituição porque de tal interpretação resulta a insusceptibilidade de as medidas e as decisões nele contidas serem insusceptíveis de serem sindicadas judicialmente, apesar de serem manifestamente prejudiciais para os seus destinatários e ilegais; i) O Despacho reclamado é tirado em violação directa do disposto no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição que reconhece aos interessados a possibilidade de impugnarem qualquer acto administrativo independentemente da sua forma, sendo, nessa mesma medida, inconstitucional naquela interpretação; j) O Decreto-Lei n.º 93/2015 é, ainda e uma vez mais naquela interpretação, inconstitucional por violar a autonomia municipal consagrada constitucionalmente nos artigos 237º e seguintes da Constituição e organicamente inconstitucional por violar o disposto no artigo 165º, nº 1, alínea q) da Constituição; Termos em que, deve o despacho reclamado ser revogado e substituído por outro que decrete as providências requeridas”.

3.

Notificados os Requeridos para se pronunciarem sobre a reclamação, veio o Conselho de Ministros (CM) responder, concluindo do seguinte modo (fls 1117 e ss): “I.

As normas do decreto-lei em apreço não são determinadas por qualquer quadro normativo pré-existente, encerrando, ao invés, uma definição primária dos objetivos e meios a adotar com vista à prossecução direta dos valores jurídicos e interesses coletivos constitucionalmente acolhidos. Da circunstância de não contrariar outros atos legislativos anteriores, imbuídos da mesma filosofia e dos mesmos objetivos gerais de política legislativa, não decorre qualquer relação de subordinação face a estes, constituindo antes um reflexo necessário e perfeitamente normal da unidade e coerência da política legislativa e do direito. Ainda que o Decreto-Lei n.º 93/2015, de 11 de julho, tenha lançado as linhas gerais que norteiam a reorganização dos sistemas multimunicipais, não se pode dizer que tenha esgotado a decisão política primária. Assim, os comandos em crise decorrem claramente da função político-legislativa, e não da função administrativa; II.

Os comandos em crise poderão, porventura, qualificar-se como ‘lei-medida’, pois encerram prescrições de ordem geral, que se não esgotam com o resultado que pretendem alcançar por si só. São orientados, pois, por um princípio geral e objetivos mais vastos, que não se esgotam no diploma em questão. Mesmo nesse caso, revestem indubitavelmente natureza materialmente legislativa, pelo que o conhecimento das ilegalidades ou inconstitucionalidades de que hipoteticamente padecessem sempre extravasaria, em razão da matéria, a jurisdição administrativa; III.

Este entendimento, pacificamente assumido pela douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em nada viola a garantia da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos Reclamantes, dado que é a própria CRP que limita a competência dos tribunais administrativos através do recurso ao conceito de relação jurídico-administrativa (art. 212.º, n.º 3, e 268.º, n.º 4, da CRP); IV.

O princípio da plenitude da garantia jurisdicional para tutela das posições subjetivas não é um direito suscetível de ser exercido em qualquer caso e à margem do processo legalmente estabelecido; não implica um acesso irrestrito aos tribunais, nem proíbe que o legislador imponha determinados pressupostos processuais razoáveis delimitadores desse acesso; V.

A CRP, no que respeita à jurisdição administrativa, não exige do legislador o estabelecimento de regras que permitam a impugnação, a título principal, de atos de natureza não administrativa, designadamente legislativa; VI.

Nem o Governo beneficia de quaquer status ad libitum, nem os Reclamantes se encontram legalmente indefesos perante a aplicação das normas do decreto-lei em crise; VII.

Não cabendo à jurisdição administrativa declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de quaisquer normas legislativas, esteve bem o douto despacho reclamado – aliás, em coerência com a linha jurisprudencial pacificamente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo em abundantes e recentes arestos –, pelo que deverá ser confirmado.

Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a presente reclamação ser julgada improcedente por não provada, confirmando-se a douta decisão reclamada”.

4.

Sem vistos legais, dado o disposto no artigo 36.º, n.

os 1, al. e), e 2 do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação 1.

De facto: Os factos com relevância para os autos dados por assentes são os seguintes: 1.1.

Os Requerentes, ora Reclamantes, instauraram neste Supremo Tribunal a presente providência cautelar com pedido de decretamento provisório, peticionando, contra o CM, a suspensão da eficácia dos actos administrativos contidos no DL n.º 93/2015, de 29.05, e, contra os Ministros de Estado e das Finanças e do Ambiente, Ordenamento do Território e da Energia, intimação para que se abstenham de celebrar o contrato de concessão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do …….. de Portugal, nos termos e com a motivação constante do requerimento inicial que aqui se dá por reproduzido, designadamente quanto ao pedido.

1.2.

Foram ouvidos os Requeridos quanto ao pedido de...

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